2005-04-06

Na homenagem a Barros Moura

em 5 de Abril de 2005, na Biblioteca-Museu da República e da Resistência, em Lisboa, foram apresentados depoimentos de amigos seus de que temos disponíveis e apresentamos em seguida os de Raimundo Narciso, de José Manuel Correia Pinto e de Mário Lino.

Intervenção de Raimundo Narciso:

Nesta homenagem a um amigo, permitam-me que evoque dois momentos, que me deixaram uma marca imperecível da grandeza de Barros Moura.

O primeiro foi quando nos conhecemos, na sede do Comité Central do PCP, em 1974. Regressava ele da Guiné-Bissau, oficial miliciano rodeado do prestígio que lhe advinha da coragem e inteligência posta na luta contra a ditadura e lhe valera a qualidade de membro da Coordenadora do Movimento dos Capitães que libertou Portugal, em 25 de Abril de 1974.
Esse primeiro encontro evidenciou a argúcia política e uma larga visão do momento revolucionário que empolgava o país, no homem que se batia intransigentemente por um futuro melhor para Portugal, pelo fim do colonialismo, pela superação dos estigmas obscurantistas da sociedade portuguesa de então.

O segundo momento que gostaria de evocar ocorreu uns dias antes da operação a que José Barros Moura se submeteu, dois meses antes de morrer.
Tínhamos ido à livraria Ler Devagar provar um vinho da lavra de Eurico de Figueiredo e que ele achou por bem apresentar, em vez de um livro, como é habitual e naquela fase do evento em que, já cumpridos os rituais obrigatórios, só nos resta participar na agitação das conversas com os amigos, o Zé propôs que deixássemos o bulício e fossemos dar uma volta por aí?
Saímos para o Bairro Alto, deambulávamos pelas ruas sossegadas em conversa amena, antes de irmos a um chá numa casa que expunha pintura, a gozar o momento – julgava eu - quando Barros Moura me diz no meio de outros assuntos

para a semana vou fazer uma cirurgia.

Ia a perguntar mas ele acrescentou que não tinha importância e mudou de assunto tão rapidamente que só uns dias depois meditei na informação. Resolvi então telefonar. Já tinha feito aquela operação que tornou insofismável a aproximação da morte.

O nosso relacionamento manteve-se ao longo dos anos mas estreitou-se no processo de reavaliação da experiência histórica do comunismo que iria conduzir à rotura com o PCP.
Nesse processo Barros Moura mostrou como a fidelidade aos ideais humanistas, a procura da utopia sem se desligar da realidade, deve implicar a rotura com o que ontem parecia justo mas a realidade desmentia.
As suas tomadas de posição públicas de grande frontalidade e seriedade política, a sua reflexão sobre as grandes transformações que o mundo vivia com o desmoronar do Muro de Berlim e o fim do comunismo, arrostando anátemas e incompreensões, revelou a sua têmpera de lutador inteligente e político íntegro.
Na sequência da rotura com o PCP em 1991 houve quem considerasse excessivo ter renunciado ao mandato de Deputado do Parlamento Europeu e devolvido o lugar ao partido, quando afinal na lista eleitoral o seu nome fora já uma bandeira. Mas Barros Moura não queria que, num país como o nosso, onde os políticos, com frequência injustamente, estão sob suspeita, restassem dúvidas de que era o dinheiro que o movia.

Acrescentou com esse gesto o respeito dos Portugueses e enobreceu a classe política.

Barros Moura um dos mais brilhantes deputados europeus e um especialista em Direito do Trabalho, revelou na sua trajectória política e na sua vida profissional qualidades que o tornaram uma figura de referência. Rigor, Competência, capacidade de trabalho, combatividade, fidelidade a princípios.

Barros Moura teve um papel central no efémero movimento do INES (Instituto Nacional de Estudos Sociais) criado em 1989/90 por ex-comunistas ou comunistas em processo de afastamento do PCP, socialistas e pessoas de várias tendências de esquerda que se reivindicavam do socialismo.
Nesse movimento que durou até ao início da desagregação da União Soviética, participaram pessoas ilustres como Piteira Santos, José Saramago, Vital Moreira, Veiga de Oliveira, José Manuel Correia Pinto, dirigentes da Intersindical como José Luís Judas, Manuel Lopes, Calidás Barreto, insignes juristas como o professor Orlando de Carvalho ou Joaquim Gomes Canotilho.

Barros Moura foi igualmente com a sua reflexão política uma referência central no movimento da Plataforma de Esquerda, de 1992 a 95. Movimento de busca de novos caminhos para os objectivos de sempre: um futuro melhor, mais livre e mais justo para os Portugueses, densificando os conceitos de Liberdade e Democracia, não deixando que os sonhos de utopia frustrassem os ensinamentos da modernidade.
Neste movimento em que se distinguiram, entre outros, José Luís Judas, Pina Moura, António Graça, José Ernesto Oliveira, Mário Lino, António Teodoro, Mário Vieira de Carvalho, Miguel Portas, Fernando Castro, Victor Neto, e muitos outros, Barros Moura foi sempre uma voz indispensável.

Este movimento dividiu-se nas vésperas das eleições autárquicas de 1994 indo uma parte aproximar-se e posteriormente aderir ao PS e outra parte constituir a Política XXI que hoje integra o Bloco de Esquerda.
Barros Moura foi figura central da relação da Plataforma de Esquerda com o PS nomeadamente no encontro com o seu Secretário Geral, Jorge Sampaio, num almoço em sua casa e algum tempo depois com António Guterres, que lhe sucedeu no cargo.

Em todas estas movimentações políticas pude testemunhar de perto as raras qualidades humanas e políticas de Barros Moura que levaram o PS a convidá-lo e a elegê-lo deputado do Parlamento Europeu nos anos de 1994 a 99 onde prestigiou Portugal e o PS com o seu empenhado e distinto labor.
Também aí e posteriormente, como deputado e vice-presidente da direcção do Grupo Parlamentar do PS, na Assembleia da República, na legislatura de 1999 a 2002, Barros Moura se revelou um parlamentar distinto.

Bem revelador do carácter de Barros Moura é a sua renúncia ao mandato de Presidente da Assembleia Municipal de Felgueiras, quando não lhe pareceram satisfatórias as respostas do executivo às acusações e suspeitas judiciais de que era alvo.
A sua atitude vertical foi tomada por alguns como falta de solidariedade partidária e veio-lhe a custar a sua participação na lista do seu partido, o PS, para as eleições legislativas de 2002, em lugar elegível.
A evolução dos acontecimentos veio dar-lhe razão mas a sua inesperada morte não permitiu a continuação de uma brilhante carreira política que, estou certo, voltaria a encontrar no PS novas e estimulantes oportunidades.

Barros Moura, ainda no auge das suas capacidades, com muito para dar à comunidade, soube enfrentar a chegada abrupta da morte com denodada coragem.

Desde o momento em que me inteirei do verdadeiro tipo de cirurgia que ele me anunciara, como se falasse de algo banal, fiquei com a sensação que enquanto eu julgava gozar em comunhão com ele aquela aprazível noite, no Bairro Alto, ele talvez estivesse já a fazer o balanço da sua vida e a começar a despedir-se dela.
Raimundo Narciso

Depoimento do Dr. José Manuel Correia Pinto:

Depois de 62, durante quase dez anos, Barros Moura é uma figura incontornável do movimento estudantil português na luta contra a ditadura. Quis o acaso que eu o tivesse conhecido no dia seguinte ao da minha chegada a Coimbra, em Outubro de 1962, tendo com ele mantido uma amizade muito intensa e uma relação de muita proximidade. Isso permite-me um conhecimento muito profundo da sua riquíssima personalidade, na qual sublinho como traços distintivos a grandeza de carácter, a coragem e a dedicação com que sempre se entregou à causa pública, quer como dirigente associativo, quer, mais tarde, como deputado.

Dois episódios que vou contar são seguramente mais reveladores da personalidade do Homem que hoje homenageamos do que qualquer análise que eu pudesse fazer da sua intervenção cívica.

Em Novembro de 1964 ganhámos as eleições, em Coimbra, para a Associação Académica. À tangente, mas ganhámos, contrariando assim as expectativas e o grande investimento que a direita tinha posto na vitória daquelas eleições. Logo após a vitória, abriu-se um conflito com o Reitor sobre o modo de composição da Direcção. Barros Moura estava no centro da polémica. Nós tínhamos uma interpretação dos estatutos, o Reitor tentava impor outra solução. Tentou-se a mediação do Ministro. Em vão. Disse-nos cinicamente que prezava muito a autonomia universitária e que, portanto, não interviria na contenda, aconselhando-nos todavia a acatar a posição do Reitor, a fim de se evitarem consequências desagradáveis. Logo se compreendeu que se Barros Moura e outros colegas tomassem posse, a Direcção não seria homologada e haveria castigos para quem desobedecesse. O Barros Moura não teve hesitações. Tomou posse juntamente com outros colegas. Foi imediatamente suspenso e depois expulso, por dois anos, de todas as universidades portuguesas.

Não interessa discutir agora se se tratou ou não de uma acção demasiado vanguardista, como alguns, mais tarde, a caracterizaram. O que contou e o que conta, o que fica para a história e para exemplo dos demais foi a coragem de afrontar a ditadura. O que contou foi a acção – que a ele se lhe impôs como imperativo ético – de combate à prepotência, de luta pela liberdade, mesmo com as consequências que antecipadamente se tinham por certas.

Em Coimbra ele continuou, sempre na luta académica, até se licenciar, mantendo-se combativo e actuante em todos os domínios da vida associativa, sem esquecer o importantíssimo papel desempenhado na crise de 69, ocorrida em plena “primavera marcelista”.

Alguns anos mais tarde, em 1973, estava eu na Guiné, a cumprir o serviço militar na Marinha, bateram-me à porta ao fim da tarde. Era o Barros Moura. Foi uma surpresa e uma festa! “Tu também em Bissau!”, exclamei. “Em Bissau, mas de passagem para o mato”, respondeu ele. Não havia memória de um alferes miliciano, licenciado em direito, ser mobilizado para o mato. Normalmente ficavam em Bissau.Com a experiência que cerca de um ano de Guiné me dava sobre o perfil político-psicológico do Governador e Comandante-chefe da Guiné, General António de Spínola, aconselhei-o a pedir-lhe uma audiência. Era para mim quase certo que o General o colocaria em Bissau. Lembro-me de lhe ter dito: “Tens de ficar em Bissau. Esta guerra não é nossa. A nossa guerra é a paz, a descolonização. Nós estamos aqui para ajudar a acabar com a guerra. E nesta “guerra” tu é muito mais útil em Bissau do que no mato.” E, acrescentado: “Certamente que ele vai tentar seduzir-te, utilizar-te, porventura instrumentalizar-te. Mas contra isso tu não precisas de prevenções. Sabes muito bem o que tens a fazer”.

O Barros Moura hesitou, certamente terá falado com outras pessoas. Uns dias mais tarde comunicou-me que tinha tido uma entrevista com o Spínola e que tudo havia corrido conforme previsto. O General insurgiu-se contra aqueles que na Metrópole encaravam a defesa da Pátria como um castigo e terminou a entrevista com uma pergunta claramente ambígua, de modo a permitir ao Barros Moura – penso eu – manter a ambiguidade com uma resposta igualmente clara. “ A mim o que me interessa é saber se você é um patriota”, perguntou o General. “Claro que sou um patriota”, respondeu o Barros Moura”. Ainda a tinta do despacho que colocava o Barros Moura no Comando-chefe não tinha secado, já ele estava intensamente empenhado, como era seu hábito, na mobilização dos milicianos para uma acção de contestação ao Congresso dos Combatentes. Recolheu dezenas de assinaturas, num abaixo-assinado paralelo ao promovido pelos homens do Spínola, entre os oficiais do quadro permanente, e que foi, como se sabe, apresentado no Porto, ao Congresso, pelo então Major Fabião.

O nosso, apesar de enviado ao Congresso, não teve nele, como é óbvio, qualquer relevância, nem tão-pouco na comunicação social, porque a República, jornal para onde também foi remetido, à época muito empenhada em promover contra a ditadura a figura do general Spínola, estava mais interessada em fazer-se eco das posições do General do que das nossas.Estava, porém, dado o primeiro sinal. O Spínola, embora tendo tido conhecimento do que se havia passado, entendeu não agir, certamente por entender que o nosso movimento não contendia directamente com a sua acção, antes de certo modo a complementava. Mas não terá gostado. Por esta altura a luta militar estava ao rubro na Guiné. O PAIGC, na sequência do assassinato de Amílcar Cabral, atacava fortemente as nossas tropas a sul e a norte. No sul, num posto militar avançado, perto da fronteira com a Guiné Conacri, o Comandante encarregado da defesa do fortim de Guilege, perante a intensidade dos ataques, a dificuldade de abastecimento, a proximidade da época das chuvas e a situação de cerco eminente, resolveu retirar-se para um posto mais recuado (Gadamael), salvando assim os seus homens de uma mais que provável carnificina e o exército português de mais uma derrota humilhante. Como as ordens do General eram para aguentar firme, logo a situação foi por ele qualificada como um dos mais graves crimes previstos no Código de Justiça Militar. Em consequência, prendeu o Comandante, enviou-o sob custódia para Bissau e por lá ficou detido no quartel de Engenharia.

O Barros Moura, quando soube do sucedido, arranjou modo de entrar em contacto com o Comandante detido – Major Coutinho e Lima – e propôs-lhe assumir a sua defesa como advogado. Constitui uma equipa, composta pelo Sacadura Botte e por mim (eventualmente por outro colega), que de imediato desencadeou diversas diligências forenses tendentes à libertação do Major. O Spínola, mal teve conhecimento do que se estava a passar, com aquele espírito democrático que sempre caracterizou a sua actuação, ordenou que renunciássemos de imediato a procuração, pois não admitia que “um traidor e um cobarde” – palavras suas – fosse defendido por advogados oriundos das forças armadas. Quando muito, ser-lhe-ia designado um defensor oficioso. As ordens eram terminantes. Ponderámos as consequências – que para mim e para o Sacadura Botte seriam quase nulas, mas para o Barros Moura evidentes – mato e guerra. Mais uma vez o Barros Moura não teve hesitações. Não renunciou. Não renunciámos. Só que ele foi de imediato colocado numa região da Guiné habitada por uma etnia onde o exército português recrutava grande parte dos seus comandos africanos, conhecida pelas suas tendências antropofágicas, e por coleccionar, como troféus de guerra, as cabeças dos inimigos.Felizmente, o Barros Moura regressou inteiro… inteiro e íntegro, tendo sido com exemplos como estes que caminhou até ao fim da sua vida.

Bem hajas, Zé Barros Moura!
JMCPinto

Mensagem enviada à BMRR pelo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Eng. Mário Lino:

A minha convivência com o José Barros Moura foi relativamente curta, cobrindo apenas cerca de doze anos, mais precisamente o período de 1991 a 2003.
É certo que, antes disso, percorremos sempre caminhos muito próximos e do mesmo lado da barricada, seja no movimento estudantil, na luta contra o fascismo e a ditadura ou na militância no PCP.
No movimento estudantil, o facto de eu ter mais cinco anos de idade e de estudar engenharia em Lisboa enquanto ele estudava direito em Coimbra não proporcionou grandes contactos, embora tivéssemos ambos participado intensamente na crise académica de 1964-1965.

Depois do 25 de Abril, a nossa intervenção política e o nosso enquadramento no PCP decorreram em áreas bastante diferentes que também não proporcionaram grandes contactos. Mas já nesse período sempre recolhi as melhores referências sobre o seu carácter íntegro, as suas elevadas qualidades humanas e políticas, a sua inteligência acutilante, a sua grande frontalidade e combatividade na defesa de boas causas, valores e princípios, o seu espírito solidário.
Mas foi em 1991, quando nos envolvemos, juntamente com muitos outros militantes do PCP, no movimento de repulsa contra o golpe reaccionário contra Gorbachov, então apoiado pela Direcção do PCP, e de que resultou o nosso processo de expulsão daquele Partido, juntamente com o Raimundo Narciso e o José Luís Judas, que a nossa convivência e amizade se estreitaram.

Posteriormente, entre 1992 e 1995, estivemos intensamente envolvidos no aprofundamento da reflexão, já há algum tempo iniciada, sobre a experiência histórica do comunismo, e no lançamento e actividade da Plataforma de Esquerda, de que resultou a nossa aproximação ao PS, partido a que viemos a aderir em 1999, juntamente com muitos outros ex-membros do PCP.
Ao longo destes anos, e até ao seu falecimento em 2003, tive a grata oportunidade de privar mais intensamente com o José Barros Moura e de comprovar as suas grandes qualidades de homem íntegro, de cidadão consciente e empenhado e de político sério, esclarecido e determinado, que constituíam um exemplo e um poderoso estímulo para todos os que com ele tinham o privilégio de conviver.
Foi, por isso, com sentida consternação que acompanhei as últimas semanas da sua vida, disfarçada pelas sempre estimulantes e interessadas conversas que tínhamos quando o visitava no hospital onde estava internado, e em que passávamos em revista os factos e acontecimentos mais relevantes da situação política nacional e internacional.
É, por isso, com profunda saudade e admiração que continuo a recordar o José Barros Moura, inegavelmente um homem íntegro e honrado, um grande democrata, um político sempre consequente, e um bom amigo e companheiro.
Mário Lino

2005-04-01

Sistema de comunicações está sob investigação

O texto abaixo foi copiado daqui no Público.
30.03.2005 - 09h53 Mariana Oliveira (PÚBLICO)


O Ministério Público abriu um inquérito ao negócio de mais de 500 milhões de euros relativo ao sistema de comunicações que o ex-ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, e o ex-titular da pasta das Finanças, Bagão Félix, adjudicaram três dias após as legislativas, apurou o PÚBLICO. A abertura do inquérito surge na sequência de uma notícia do PÚBLICO, na qual se revelava que o consórcio vencedor é liderado pela Sociedade Lusa de Negócios, uma holding que detém a Pleiade, uma empresa administrada por Daniel Sanches até integrar o Governo.


Dias Loureiro, antigo ministro da Administração Interna de Cavaco Silva, é administrador não executivo do grupo presidido por Oliveira e Costa, antigo secretário de Estado da Administração Fiscal. O actual Governo está a reavaliar o processo.

A comissão de avaliação responsável por analisar as propostas para a criação deste Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança (SIRESP) - que permitirá a interligação entre as diversas forças policiais, a emergência médica e a protecção civil - obrigou o único consórcio candidato, liderado pela Sociedade Lusa de Negócios, a baixar em cerca de um quarto o preço inicial. Concretamente: o consórcio reduziu aquele valor em mais de 173 milhões de euros, para justificar a parceria público-privada do SIRESP. Em suma, as análises financeiras da comissão concluíram que, se o Estado entrasse só no negócio, poderia poupar cerca de 170 milhões de euros, pelo que forçou a descida do valor da proposta.

Esta descida resulta do cálculo do custo público comparado, uma análise financeira que permite avaliar que gastos teria a administração se optasse por levar a cabo o projecto sozinha. Só assim é que o Estado sabe se será ou não vantajosa uma parceria com os privados. No entanto, segundo o presidente da comissão, almirante Alves Correia, o valor da adjudicação do SIRESP é apenas "ligeiramente inferior" ao valor que o Estado desembolsaria sozinho para criar o sistema, pelo que esta parceria com os privados não será muito vantajosa.

O consórcio - composto pela Sociedade Lusa de Negócio (43 por cento), PT Ventures (30 por cento), Motorola (15 por cento) e Esegur (empresa do grupo Espírito Santo com 12 por cento do capital) - apresentou uma proposta de candidatura de 711 milhões de euros (custo total que o Estado teria de pagar ao longo de 15 anos), o que ultrapassava em cerca de 170 milhões de euros o custo público comparado. Para Alves Correia, este valor era "demasiado caro" face ao pretendido. "Entrámos em negociações para levar o preço do sistema para valores considerados minimamente adequados ao interesse público", sustenta. As negociações duraram mais de um ano e os 711 milhões de euros iniciais baixaram para 538 milhões.

O presidente da comissão alega que preferia ter recebido mais do que uma candidatura e admite que a concorrência poderia ter trazido condições mais vantajosas para o Estado. No entanto, lembra que o facto de haver apenas um candidato - os outros não chegaram a apresentar uma proposta, alegando alguns que tudo estava previamente decidido - não era suficiente para cancelar o concurso. Contesta, porém, a justificação dada por alguns dos desistentes. "As empresas não concorreram, mas não é pelas razões que apresentam", sustenta. O almirante revela que houve uma intenção por parte da comissão em apressar a conclusão dos trabalhos. "Não queríamos que o processo ficasse suspenso à espera de um outro Governo", justifica.

2005-03-25

Barros Moura

Quando Barros Moura morreu, em 25 de Março de 2003, com 58 anos de idade, publiquei no jornal "O Público", o artigo seguinte:

Barros Moura - O género de político que faz falta. José Barros Moura travou a sua última batalha com a coragem e o denodo que se lhe conhecia no combate político. Ele sabia que a hora fatal chegara mas não sucumbiu. Olhou a morte de frente e usou todas as suas forças na humana e vã tentativa de a vencer. Até ao último momento. Na madrugada de ontem.
Há batalhas que se não podem ganhar. Também na sua vida política apesar das muitas vitórias perdeu alguma batalhas. É certo que ele era o célebre IBM (Inteligente Barros Moura), cognome que lhe ficara dos bancos da universidade em Coimbra mas, convenhamos, faltava-lhe alguma “inteligência”. Ou antes, recusava-se a usá-la. Aquela “inteligência” guia dos que andam na política para, acima de tudo, tratarem da sua vidinha. Era uma falha em Barros Moura... Era uma fonte de admiração e respeito por Barros Moura! Alguns dos seus amigos sabiam desta sua assumida imprudência. E compraziam-se. Reviam-se nela.
Barros Moura defendia princípios, lutava por convicções. Mesmo - excêntrica ousadia! - contra os poderes instalados. Isso fatalmente o impediria de vencer algumas batalhas. No PCP, a defesa das convicções contra a “convicção” da Direcção valeu-lhe a expulsão em Novembro de 1991. E no PS, por exigir transparência em Felgueiras custou-lhe a exclusão, nas últimas eleições legislativas, da lista de deputados no Porto e a não eleição para a Assembleia da República. Magoou-o mas não o venceu. Por tudo isto Barros Moura era um exemplo na política portuguesa por isso ganhou a estima e amizade de muitos e o respeito de todos.
Tornou-se uma referência no panorama político português, quando ao ser expulso do PCP, por escrúpulos de ordem ética, sem que politicamente nada o obrigasse, entregou o seu lugar de deputado no Parlamento Europeu ao PCP, mostrando que não estava ali pelo dinheiro mas pela política.
Barros Moura foi Líder nas lutas académicas em Coimbra contra o fascismo, membro do núcleo duro do MFA na Guiné como oficial miliciano, deputado do Parlamento Europeu na bancada do PCP e depois do PS, deputado e membro da direcção parlamentar do PS na anterior legislatura. Barros Moura tornava-se notado pela sua inteligência, rigor e elevada prestação.
Barros Moura é o género de político que faz falta. E deixa saudade.

2005-03-05

O Governo de José Sócrates

foi apresentado ao Presidente da República e seguidamente anunciado ao país, às 20 horas de 4 de Março de 2005, e tem a seguinte composição:

António Costa - Estado e Administração Interna
Diogo Freitas do Amaral - Estado e Negócios Estrangeiros
Luís Campos e Cunha - Estado e Finanças
Pedro Silva Pereira - Presidência
Alberto Costa - Justiça
Francisco Nunes Correia - Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional
Manuel Pinho - Economia e Inovação
Jaime Silva - Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas
Mário Lino - Obras Públicas, Transportes e Comunicações
José António Vieira da Silva - Trabalho e Solidariedade Social
António Correia de Campos - Saúde
Maria de Lurdes Rodrigues - Educação
Mariano Gago - Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Isabel Pires de Lima - Cultura
Augusto Santos Silva - Assuntos Parlamentares.

2005-01-29

Vidas na Clandestinidade

As "Notas sobre a minha vida na clandestinidade" que a seguir se publicam, foram escritas na sequência de um pedido de Sandra Cristina Almeida que as publicou no seu Blog História e Ciência em 11 de Outubro de 2003

Notas sobre a minha vida na clandestinidade
Maria Machado
Odivelas, 7 de Outubro de 2003.

Vale de Vargo é uma aldeia do concelho de Serpa na margem esquerda do Guadiana, quase na fronteira com Espanha. São daí os meus pais e foi aí que eu nasci, em 1949.
Na aldeia quase todas as pessoas eram trabalhadores assalariados sem terra. Durante o ano havia muitos dias e muitas semanas sem trabalho e isso era imediatamente a fome. Lembro-me duma manifestação, à qual se juntou toda a nossa família, em que as pessoas levavam bandeiras pretas e gritavam temos fome, temos fome. Quando o trabalho faltava muitas pessoas iam pelos campos para comerem a fruta que encontrassem.
Esta insustentável situação só se mantinha com a GNR. Volta não volta ouvia os meus pais comentarem a prisão de vizinhos. Receávamos que mais tarde ou mais cedo também levassem o meu pai. Foi o que acabou por acontecer. A nossa casa estava entre aquelas que a GNR "visitava" de cada vez que havia protestos dos trabalhadores agrícolas. Eu e as minhas irmãs, como muitas outras crianças de Vale de Vargo, crescemos no medo da GNR.

Tinha 8 anos quando os meus pais tiveram de passar à clandestinidade. Foram para local desconhecido que depois soube ser o Barreiro. Levaram a minha irmã mais velha porque já tinha terminado a instrução primária e a mais nova porque ainda não chegara à idade da escola.
Três anos depois, aos 11 anos, passei eu também à clandestinidade mas, apesar de me terem dito que era uma vida muito difícil e não podia fazer a vida das outras crianças, a clandestinidade para mim vinha acompanhada da alegria de ir viver com os meus pais e as minhas irmãs. No entanto, com a minha chegada deu-se o regresso da irmã mais nova (Maria José) para frequentar a escola e poucos meses depois partiu a mais velha (Luísa Basto) para a União Soviética onde foi estudar e depois terminou um curso superior de canto.

Ajudava os meus pais a imprimir o Avante, O Militante, panfletos, em papel bíblia muito fininho para os seus leitores o poderem esconder facilmente da PIDE.
Era um trabalho feito nas casas que habitávamos e os meus pais alugavam com nomes falsos. Usávamos umas impressoras primitivas, em que colocávamos letra a letra, as letrinhas de chumbo até completarmos os artigos e as páginas e comprimíamos contra elas manualmente, o papel e a tinta, com um pesado rolo metálico forrado de flanela. Muito primitivo mas saia bem. O quebra-cabeças era...
.... não deixar passar as insidiosas gralhas!
Vivíamos no receio de os vizinhos se aperceberem do ruído por isso o trabalho era acompanhado pela telefonia de goelas abertas. E quando um dia uma folha do Avante se escapou por debaixo do estore e se expôs à vista da vizinhança? Podia obrigar a uma fuga precipitada mas felizmente ninguém terá dado por isso antes de a descobrirmos ali.

A vida era muito complicada e rodeada de perigos. O mais difícil era parecer que levávamos uma vida normal. O meu pai tinha de entrar e sair de casa a tais horas e de tal maneira que o vissem sair para o emprego e chegar do trabalho e não o vissem reentrar em casa nem dessem pela presença dele.
Em 1966 o PCP propôs aos meus pais que eu fosse tirar um curso político em Moscovo durante um ano. Tinha 17 anos de idade, cinco de clandestinidade e estar fechada em casa naquela idade... Jovens menos resistentes tiveram graves problemas de saúde mental.
Fui com gosto.
Atravessei a fronteira "a salto" por Trás-os-Montes na direcção de Bragança, de mão em mão, guiada pelo aparelho clandestino do partido. Aconteceu um episódio inesquecível. A certa altura fui levada, a pé e de carro, de olhos fechados, para uma casa clandestina algures nos arredores do Porto e quem encontro lá? Um casal com um filho loirinho de três anos. Só que a mulher era a minha tia Luzia, que me vira pela última vez com 9 anos e não podia me reconhecer. Ali ninguém sabia quem eu era. Foi um acaso. Quem organizou a minha partida não sabia nem podia saber que caminhos levaria. Quem me levava daqui para ali não sabia quem eu era, nem donde vinha. Cheguei à casa da minha tia que não sabia nem devia saber quem ia passar pela sua casa.

Com os pseudónimos e todas as regras de compartimentação pareceu-me que não me podia denunciar. Devo ter ficado com um ar demasiado apreensivo porque a minha tia perguntava-me o que se passava. Depois observou um caderno que eu levava com exercícios, composições e outros elementos de estudo – estudo que fazia em casa de meus pais com livros que o "camarada controleiro" nos levava de mês a mês e único convívio que tínhamos sem disfarces.
A minha tia a certa altura exclamou: "mas eu conheço esta letra". Conhecia-a, claro, das cartas que eu lhe escrevia e lhe chegavam pelos circuitos do partido. Então foi aí que eu a abracei como sobrinha!

Em Vichniki, a 20 quilómetros de Moscovo, na Escola Central do Konsomol (organização da juventude comunista da União Soviética) estudei Economia Política, História do Movimento Operário e Comunista Internacional, Filosofia (o materialismo-dialéctico e história das correntes filosóficas) além do Russo.
Uns trezentos jovens, rapazes e raparigas de todo o mundo. Europeus, asiáticos, africanos incluindo das colónias portuguesas, da América Latina.
À Escola já tinham chegado o "Carlos" que era Raimundo e a "Ana" que era Mariana. Em Moscovo conheci outros portugueses e pude estar com a minha irmã Luísa.
Tínhamos uma bolsa equivalente ao salário de um operário, com que pagávamos a comida, transportes, espectáculos e comprávamos algumas coisas para nós. Comprámos um gira-discos e uma colecção de discos de boa música, da barroca à moderna. A cultura era em geral muito acessível.

Deram-nos um bilhete de identidade que nos permitia movimentar livremente em Moscovo e arredores. Com os companheiros portugueses e muitas vezes com a nossa grande amiga Galina Verskovskaya, nossa intérprete, durante esse ano vi dezenas de filmes, peças de teatro, concertos na "Tchekovskaya Zal", com David e Igor Oistrak, com Sviatoslav Richter e quase todo o programa de Ópera e bailado do Teatro Bolshoi.
Eu, que nunca tinha ido ao cinema, quanto mais à ópera ou a um concerto da Orquestra Sinfónica de Moscovo!
E tínhamos diariamente ali à mão, para passeios, festas, namoros, cantares, e discussões políticas, dezenas de jovens das mais variadas línguas, liberdades, clandestinidades e guerrilhas. Já nossos amigos. Parecia-me o paraíso.

Claro que não ficámos a saber tudo nem sobre a História nem sobre a vida dos muitos povos da URSS. Nem das questões ligadas à Liberdade por que tanto lutávamos em Portugal. Mas isso é outra história que não cabe aqui agora e que não sendo a que nos era oferecida lá também não é a dos que sempre odiaram o socialismo pelo que ele tinha de melhor.

Voltei a Portugal em 1968 não sem combinarmos, eu e o "Carlos", juntarmo-nos em Portugal. Casar não é o termo próprio da clandestinidade mas foi isso que decidimos. Numa data, hora e local aprazado encontrei-me com ele e fomos viver para o apartamento, clandestino claro, que ele tinha alugado, no Bairro da Beneficência em Lisboa.
Aqui o "controleiro" era outro, um assim grande, forte e muito alto que tratávamos por tu e por João. Quando dois anos depois foi preso ficámos a saber que o João era o Ângelo Veloso. No partido todos se tratavam por tu, e por "amigo" em vez de camarada para que nem as paredes ouvissem.

Eu colaborava na organização do que mais tarde em 1970 se viria a chamar ARA, a Acção Revolucionária Armada. Colaborei na criação de um laboratório, no reconhecimento de objectivos e particularmente, como todas as "companheiras", na "defesa da casa".
As mulheres acabavam quase sempre secundarizadas na política porque, por razões de defesa, só um em cada casa podia ter ligações e contactos com outros camaradas.
Em seis anos mudámos seis vezes de casa. Em Lisboa e arredores. Alugar casa, comprar mobília, ou algo parecido, e depois mudar de uma para outra sem deixar rasto era uma arte e um... tormento. A partir do segundo ano com um bebé, a minha filha Leonor. O segundo filho, José Alexandre, a última criança a nascer na clandestinidade, só chegou nas vésperas do 25 de Abril de 74.

Nunca fui presa. Escapei por pouco porque a PIDE assaltou a casa dos meus pais dois meses depois de eu ter ido viver com o meu marido. A minha irmã Maria José com 14 anos foi libertada pouco tempo depois mas o meu pai, José Pulquério, ficou preso cinco anos e a minha mãe, Úrsula Machado, quatro, mas as torturas deixaram-na com a saúde muito abalada para o resto da vida.
Ter filhos não atrapalhava. Pelo contrário ajudava. E muito. A suportar o isolamento e a dar-nos um nova vida. O que nos angustiava era termos de nos separar dos filhos aos sete anos. Não era possível viver na clandestinidade e de cada vez que tínhamos de fugir e mudar de casa matricular os filhos numa nova escola sem dizer de que escola vinham. Os sete anos era o tormento para a família. Os filhos partiam ou para as famílias que raramente tinham condições para os ter ou mais habitualmente para a União Soviética.

Uma vida sob tensão mas em geral uma vida muito... ia a dizer agradável mas talvez não seja bem o termo, talvez antes muito realizada.
Dos sustos o maior foi quando a PIDE pôs nos jornais e na televisão a fotografia do meu marido, de Jaime Serra, Francisco Miguel e Ângelo de Sousa da ARA, de Carlos Antunes das Brigadas Revolucionárias e Joaquim Simões da LUAR.
Apesar dos disfarces, óculos, barba, nomes diferentes, não sabíamos se os vizinhos o poderiam identificar. Visitei nesse dia a minha vizinha, a Sra. D. Irene, pessoa idosa a viver só, (no apartamento ao lado do nosso, que ainda hoje habitamos) excelente senhora, muito nossa amiga, professora no Convento de Odivelas. Venerava Salazar: um santo!
Queria observar a sua reacção. Mandou-me entrar e sentar ao seu lado. Lia a nota da PIDE com as fotografias escarrapachadas no Diário de Notícias e comentava, olhe estes terroristas. Este é operário, quer ser ministro. E este! Um estudante universitário misturado com eles. Enganado!
Depois de lhe pedir um raminho de salsa voltei para casa mais descansada.

Depois veio a revolução dos cravos, a democracia e a liberdade. E a nossa vida passou a ser como a dos outros portugueses.
Mais alguma coisa sobre o que fazíamos e como era a nossa clandestinidade pode ser espreitada em www.raimundo.no.sapo.pt

Maria Machado

2005-01-28

Bagdad: Jardins Suspensos

Por MIGUEL SOUSA TAVARES
Público, Sexta-feira, 28 de Janeiro de 2005

Se houver um milagre depois de amanhã, as eleições no Iraque decorrerão com um arremedo de normalidade e esforçada legitimidade democrática. Parte substancial da população e de cada uma das três principais facções civis participará, os resultados serão mais ou menos contados sem excessiva controvérsia e o número de mortos vítimas do terrorismo não excederá o normal em cada dia que passa. Horas depois, na tranquilidade do seu gabinete em Washington e com o optimismo simplista que é apanágio dos ignorantes, George Bush irá fazer uma declaração de satisfação pelo triunfo da "democracia" no Iraque. Mas, mesmo que tudo venha a correr razoavelmente bem - numas eleições em que só no próprio dia, e por razões de segurança, os eleitores saberão onde ficam as suas assembleias de voto e em que os candidatos não revelam a sua cara nos cartazes, por medo de serem assassinados no dia seguinte, e os jornalistas têm de cobrir as eleições a partir de hotéis fortificados -, vai ser ainda necessário que o milagre se prolongue nos dias, nas semanas e nos meses seguintes, para que o desfecho das urnas não venha a ser o tiro de largada de uma guerra civil geral entre iraquianos.
O cenário é de pré-catástrofe e a saída imprevisível e à mercê dos deuses e da fortuna. Os terroristas controlam o Iraque e ninguém sabe se conseguirão impedir as eleições e fazer despoletar a guerra civil. Eis o balanço de um dos principais objectivos invocados para a invasão do Iraque, precisamente o combate ao terrorismo. Agora, é a própria CIA a reconhecer que o Iraque é hoje o bastião do terrorismo, com a invasão anglo-americana a fornecer-lhe pretexto, recrutas, território fértil e uma "causa justa" por que lutar: a expulsão dos "infiéis".
O triunfo do terror no Iraque tornou igualmente, e por si só, numa miragem outra das promessas de Bush, feita directamente aos irquianos na noite em que começou a invasão: a de que ela iria levar a paz e o progresso ao Iraque. Hoje, biliões de dólares depois, gastos unicamente a manter o Exército de 170.000 soldados americanos no país, o que resta dessas promessas é só a própria presença militar: a ONU foi-se embora, as ONG foram-se embora, sem condições de segurança mínimas para actuarem, as empresas ocidentais que restam arriscam todos os dias a vida dos seus funcionários. Não há vida económica, nem sequer vida civil. Sunitas, xiitas e curdos, todos desesperam por uma coisa apenas: que os invasores ocidentais se vão embora e levem com eles os terroristas.
É certo que Saddam Hussein foi derrubado e preso e que isso representou um benefício para o Iraque e para a Humanidade. Mas os lucros políticos dessa libertação foram ensombrados pelo embuste do pretexto para a invasão - a busca das armas de destruição maciça -, que se revelou não apenas falso, mas também forjado; pela ignomínia dos abusos sobre prisioneiros em Abu Ghraib; pelo "desaparecimento" de 50.000 prisioneiros capturados pelo exército invasor e pela extensão ao Iraque da "doutrina de Guantánamo", segundo a qual um prisioneiro estrangeiro, capturado em território estrangeiro pelas forças americanas e sobre o qual se afirme ser suspeito de terrorismo, não dispõe de qualquer protecção jurídica, face à lei americana ou outra qualquer: é um "não-existente" juridicamente, tal como os "desaparecidos" da ditadura argentina.
Bush manteve ou promoveu, neste seu segundo governo, todos os principais responsáveis "pela mentira iraquiana: Rumsfeldt, Wolfovitz, Condolezza Rice e Alberto González, ligado ao escândalo de Abu Ghraib e feito, sintomaticamente, ministro da Justiça. As sondagens que explicam a vitória de Bush mostram, sem piedade, que os americanos não vão poder usar, mais tarde, a desculpa de que "não sabiam". Elas mostram que eles sabem que Bush e os seus lhes mentiram sobre as armas de destruição maciça; sabem que o terrorismo está a ganhar a guerra no Iraque e que já causou 1400 mortos apenas entre os soldados americanos, obrigados a manter uma guerra suja, diária e sem sentido à vista; sabem de Guantánamo e de Abu Ghraib; sabem da devastação, do sofrimento e da miséria que a aventura iraquiana trouxe às populações civis, para quem o discurso da "democracia" e da "amizade" de Bush deve soar como a mais hipócrita das promessas alguma vez feitas a um povo. Sabendo tudo isso, eles reconduziram Bush apenas porque continuam a vê-lo como o mais habilitado para conduzir a luta contra o terrorismo. Ou seja, apenas porque nenhum outro 11 de Setembro ou tragédia semelhante se repetiu - dentro das fronteiras americanas. Tal como o seu Presidente, a maioria dos americanos confia em que é possível vencer o terrorismo apenas pelo lado da segurança interna, sem o vencer politicamente.
Mas se a população americana tem a desculpa do trauma do 11 de Setembro, a Administração Bush não a tem. O Iraque demonstrou que os politólogos da Casa Branca se enganaram em tudo, que desprezaram ouvir as vozes dos que lhes aconselharam mais certezas e menos teorias - tantas vezes assentes em presunções ou simples mentiras, para tentar moldar a realidade às suas doutrinas e ao seu credo político. Como disse o senador democrata Mark Dayton a Condolezza Rice, "a Administração Bush mente com demasiada frequência e de forma flagrante e intencional. Mente ao Congresso, aos vários comités e ao povo americano. É errado, é imoral e, sobretudo, é muito, muito perigoso".
Perigoso, também, é quando se chega ao ponto em que uma opinião política, tolhida pelo medo e desnorteada pela desinformação dos seus líderes, prefere conviver com a mentira, perdoar-lhes a mentira, desde que eles lhes garantam, em contrapartida, ao menos uma aparência de segurança a curto prazo. Ao contrário do que ingenuamente proclamava o cartaz do Bloco de Esquerda ("Eles mentem, eles perdem"), nenhum deles perdeu pela mentira do Iraque: Bush foi reeleito e Blair está a caminho de o ser. Durão Barroso foi promovido a Bruxelas, apressando-se logo a dizer que agora era contra "o unilateralismo americano". E Aznar só perdeu porque foi o único cujo país foi vítima do terrorismo a seguir ao 11 de Setembro e porque não resistiu, na véspera das eleições, em mentir novamente, atribuindo à ETA o que era responsabilidade do terrorismo islâmico, que ele e os seguidores de Bush exponenciaram com a aventura iraquiana.
E assim se chegou à crucial data de 30 de Janeiro, fixada para as eleições iraquianas e que, há ano e meio atrás, parecia ainda suficientemente distante para garantir uma clara melhoria do ambiente civil e das condições de segurança no país. Infelizmente, o cenário é exactamente o oposto: nunca os terroristas ditaram tão livremente a sua lei como agora. Nunca, nem no tempo de Saddam, houve tantos mortos, tanta insegurança, tanta miséria, e ninguém consegue garantir se, até, tantos abusos sem controlo. Veja-se o exemplo dos nossos GNR no Iraque: qual é, de facto, a sua grande missão? Protegerem-se a si próprios. Evitar que o primeiro incidente sério ou o primeiro morto do contingente não venha despoletar, em Portugal, o debate adormecido de saber o que fazem lá eles, que não fingir que cumprem uma missão tornada utópica, salvar a face de quem para lá os mandou e manter a tradição da nossa política de vassalagem a Washington.
Mas Alá é grande e é essa a única, a verdadeira esperança que resta à coligação cristã-ocidental que teve a displicência de imaginar que a conquista do Iraque seria um passeio civilizacional.~

2005-01-24

PSD - Normas estatutárias de escolha dos candidatos a deputados

(Normas dos estatutos do partido)

Secção II - Conselho Nacional
Artº 18º
2. Compete ao Conselho Nacional:
f) Aprovar as propostas referentes ao apoio a uma candidatura a Presidente da República, à
designação do candidato a Primeiro-Ministro e às listas de candidatura à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, apresentadas pela Comissão Política Nacional;

Secção III - Comissão Política Nacional
Artº 21º
2. Compete à Comissão Política Nacional:
b) Apresentar ao Conselho Nacional as propostas de apoio a uma candidatura a Presidente da República e a Primeiro-Ministro e de listas de candidatura à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu;

Divisão I - Assembleia Distrital
Artº 37º
2. Compete à Assembleia Distrital:
f) Dar parecer sobre as candidaturas à Assembleia da República;

Divisão II - Comissão Política Distrital
Artº 41º
2. Compete à Comissão Política Distrital:
c) Propor à Comissão Política Nacional candidaturas à Assembleia da República, ouvidas as Assembleias Distritais e as Secções;

Divisão II - Comissão Política de Secção
Artº 53º
2. Compete à Comissão Política de Secção:
e) Dar parecer sobre as candidaturas à Assembleia da República;

Vital Moreira na Convenção das Novas Fronteiras, no Estoril, em 2005-01-22

Caros amigos

1. Sou reincidente. Passados 10 anos sobre os Estados Gerais, de boa memória mas de efémeros resultados, apraz-me participar de novo convosco nesta manifestação de abertura do PS ao exterior. E não o faço com menos convicção e empenho do que há uma década.
Não está em causa somente o apelo da responsabilidade cívica ao homem de esquerda que eu sou e ao antigo militante político que eu fui. Se há momentos em que todos cidadãos que se interessam pelos destinos da República – mesmo se retirados da política e sem filiação partidária –, não devem ficar indiferentes, este tempo por que passamos é seguramente um deles. Na verdade, mais grave do que a crise das finanças públicas é a crise de confiança na política em geral e na governação em especial.
Aos dois governos da coligação PSD-CDS, especialmente ao de Santana Lopes, devemos seguramente um dos mais graves momentos de degenerescência e degradação da legitimidade da política e da credibilidade da democracia. Ninguém poderia imaginar que, 30 anos depois do 25 de Abril, um Governo e um primeiro-ministro revelassem tanta ausência de sentido de Estado e tanta falta de decência e de simples decoro político, que acaba na indigna litania da vitimização.
No plano político, estas eleições colocam fundamentalmente três desafios ao PS, como candidato natural à governação do País:
1º - Resgatar a seriedade e responsabilidade da política;
2º - Restaurar a dignidade e a autoridade do Estado e do governo;
3º - Devolver aos cidadãos a confiança na política e o sentido de identificação com as instituições.

2. Começo naturalmente pelo primeiro.
O que mais tem faltado em Portugal nos últimos 5 meses não são meios para equilibrar as contas públicas, mas sim competência, seriedade e responsabilidade política. Em vez disso tem sobrado o populismo, a imprevisibilidade política, o arrivismo, o triunfo dos interesses sectoriais, o favoritismo político, o assalto partidário ao aparelho do Estado, e por último o abuso de poder (como mostra a vertigem governativa do Governo depois de demitido).
Numa competição desleal com humoristas e cartunistas, o Primeiro-ministro e vários dos seus ministros dedicaram-se metodicamente a desacreditar a política em geral e o governo em especial, numa sucessão de demagogia, de intrigas intestinas, de ingerências nos media e de inconstância errática de políticas.
Entre os estragos a consertar pelo futuro governo socialista, a prioridade só pode ir para o resgate da seriedade e responsabilidade da política. Tanto como restaurar a saúde financeira, urge recuperar a saúde política. Só merece alcançar o poder quem, pelo seu passado, carácter, cultura política e fibra moral der garantias de uma governação conforme à Constituição e aos ditames da ética, da decência e da responsabilidade democrática.

3. O segundo desafio consiste em restaurar a dignidade e a eminência do Estado e do poder público democrático.
Sob a capa neoliberal, vai campeando por aí um discurso anarco-capitalista, que exalta o mercado e o privado acima de todas as coisas e que diaboliza e degrada o conceito de Estado e do poder público. Mas quanto maior for a erosão da autoridade do Estado, menor é a sua capacidade para cumprir as funções de que está constitucionalmente incumbido, maior é a margem de domínio e influência dos grupos de interesse e das corporações, e mais fundo é o sentimento de desamparo e de insegurança dos cidadãos comuns, em especial dos mais débeis e desprotegidos. Parafraseando um protagonista da Revolução Francesa, entre o fraco e o forte é o Estado que liberta e é a ausência dele que oprime.
Sem uma indiscutível respeitabilidade e autoridade do poder público e sem a reabilitação da esfera pública, o Estado democrático não está em condições de preencher as suas incontornáveis missões de garante das instituições democráticas, de responsável pela justiça e pela segurança, de regulador de mercado e da “auto-regulação privada”, de esteio dos serviços públicos essenciais, como a educação, a saúde e os demais serviços básicos, e de participação condigna nas instituições europeias e na cena internacional.
Um Estado-de-Direito democrático pressupõe a separação entre o que é público e o que é privado, entre a lógica do interesse público e a lógica dos interesses particulares. Essa separação ontológica está em risco, sempre que se manifestam fenómenos de promiscuidade entre o Estado e os interesses organizados, sejam eles de natureza económica, profissional, religiosa, desportiva, etc.
Há que pôr-lhes fim, a bem da autonomia e autoridade do poder público.

4. A terceira aposta tem de ser o restabelecimento da confiança dos cidadãos na política e nas instituições.
Um recente inquérito de opinião confirmou e reforçou a descrença da maioria dos cidadãos na política, nos partidos políticos e nas instituições, bem como a sua crescente desafeição em relação à participação democrática, em geral, e eleitoral, em particular. Outros inquéritos revelam idêntica decepção quanto à Administração e aos serviços públicos. Agrava-se a percepção relativa à corrupção e a outras práticas lesivas do interesse público.
Um governo PS não pode conformar-se com esta situação. Há que provar que os partidos não são “todos iguais”; que não andam “todos ao mesmo”; que as eleições são a escolha entre reais alternativas de valores, de políticas e de governantes; que o eleitoralismo populista deve ceder lugar à credibilidade das propostas eleitorais; que os compromissos eleitorais são para cumprir; que os políticos podem e devem ser impolutos e que a política não é um meio de enriquecimento nem de favorecimento pessoal; que o acesso aos cargos públicos se pautará por critérios de imparcialidade e de competência; que a improbidade e o compadrio serão combatidas com determinação.

5. Para responder a estes reptos há seguramente que efectuar reformas políticas (muitas das quais se arrastam há vários anos): desde o sistema eleitoral até à transparência administrativa; desde a limitação de mandatos políticos até aos inquéritos parlamentares; desde as imunidades políticas até à forma de recrutamento dos dirigentes administrativos. Mas nenhuma reforma será suficiente sem uma forte convicção e determinação política para mudar as coisas.
Uma das primeiras iniciativas do novo governo socialista espanhol foi a aprovação de um código de conduta do Governo e dos seus membros. É um documento notável, como o tem sido aliás a sua acção em muitos outros aspectos. De facto, tanto como as políticas, contam os governantes e o modo de governar.
Na nossa tradição republicana, um governo democrático não pode deixar de pautar-se por uma forte ética de dedicação à causa pública, de elevação cívica e de responsabilidade pessoal. Para um Governo do PS – que é herdeiro dessa tradição e que terá de preparar a comemoração do centenário da República, daqui a cinco anos –, é imperativo convocar de novo o espírito tutelar da cidadania republicana.
Estas eleições devem ser obviamente um confronto entre diferentes valores, ideias e políticas. Mas devem ser também – e talvez principalmente –, um confronto entre diferentes visões e práticas do Estado e do modo de fazer política. Da parte do PS – se necessário, fazendo uma revisão crítica da sua própria experiência governativa –, importa afirmar um novo modo de governar.
O que fica para a história dos governos não são somente as grandes decisões e reformas, mas também o carácter e a estatura da governação. É este o desafio do PS e de José Sócrates, em particular, e de todos nós, em geral. Que estejamos todos à altura dele!

Obrigado pela vossa atenção.

2005-01-12

Como o PS escolhe os seus candidatos a deputados

ESTATUTOS DO PARTIDO SOCIALISTA
APROVADOS NA COMISSÃO NACIONAL DE 11 DE JANEIRO DE 2003


Artigo 92º
(Da designação de candidatos a Deputados)

1. Quando se trate da designação de candidatos a deputados à Assembleia da República, compete à Comissão Política da Federação do respectivo círculo eleitoral aprovar a constituição da lista com observância dos critérios objectivos formulados pela Comissão Política Nacional e com respeito pelo disposto no número seguinte.
2. A Comissão Política Nacional, sob proposta do Secretário-Geral, tem o direito de designar candidatos para as listas, tendo em conta a respectiva dimensão, indicando o seu lugar de ordem, num número global nunca superior a 30% do número total de deputados eleitos na última eleição.
3. As listas são ratificadas pela Comissão Política Nacional, exclusivamente para efeito de avaliação da sua conformidade com o disposto nos números anteriores.

2005-01-05

Manuel Gusmão ganha dois prémios

In Público, 12 de Dezembro de 2002.

Fundação Luís Miguel Nava

Prémios de Poesia para Manuel Gusmão e Armando Silva Carvalho

Alexandra Lucas Coelho

Distinções relativas a 2001 e 2000, para os livros "Teatros do Tempo" e "Lisboas"

"Teatros do Tempo", de Manuel Gusmão, e "Lisboas", de Armando Silva Carvalho, foram os livros distinguidos com os prémios de poesia Luís Miguel Nava relativos a 2001 e 2000, respectivamente.

"Teatros do Tempo", considerada pela crítica uma das mais importantes obras poéticas recentes, já recebera, há uma semana, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (APE).

Professor da Faculdade de Letras de Lisboa e autor de ensaios fundamentais sobre poesia portuguesa contemporânea, Manuel Gusmão estreou-se como poeta apenas aos 45 anos, em 1990, com "Dois Sóis, A Rosa a Arquitectura do Mundo". Seis anos depois, publicou "Mapas, o Assombro a Sombra". Mas foi com este "Teatros do Tempo" que o eco da sua obra (toda publicada na Caminho) se alargou. Além do bom acolhimento crítico, o livro esgotou e foi reeditado em poucos meses.

"Os prémios surpreendem-me, mas já me tinha surpreendido a recepção que o livro teve", diz Manuel Gusmão. "Admito que este livro seja mais motivador de uma resposta no plano emocional [do que os anteriores]. Sendo que não deixa de ser o livro mais construído. Talvez o apreço tenha a ver com essa dupla circunstância: a construção, evidente, e uma dimensão que produz um efeito de autobiografia - desde que se compreenda que a autobiografia passa sempre pela ficção."

Composto por três andamentos, "Teatros do Tempo" conflui para um núcleo intensamente negro, como um fim. Mas no fim, o que encontramos é uma possibilidade de recomeço: "Contra todas as evidências, em contrário, a alegria." Um verso, lembra Manuel Gusmão, que vários leitores, não especializados, têm vindo a citar. "Talvez este fosse o meu livro mais negro. E, por outro lado, sob a forma de um apelo, um livro que não desiste dessa palavra, alegria. Uma palavra que só adquire toda a sua força se passar pela dor. Quem não for capaz de ser queimado, num sentido amoroso, também não poderá queimar. Quem não for capaz de sustentar uma dor, tenderá a não perceber o lado intenso da alegria."

Adiante-se que este poeta tem já um novo "livro a caminho", em torno da ideia de migrações: "De um filme para outro filme ou para um poema, de cenas da pintura para um poema: segmentos verbais que importam imagens, sentimentos, experiências." Ainda sem nome, a estrutura de poemas com oito oitavas será uma das linhas fortes da construção desse livro futuro.

Para Gastão Cruz - que, com Fernando Pinto do Amaral, Carlos Mendes de Sousa, Paulo Teixeira e Helena Buescu, fez parte do júri do Prémio Luís Miguel Nava - "Teatros do Tempo" é "o momento mais alto" da poesia de Manuel Gusmão, o livro em que se apura "uma intensidade emocional da linguagem."

A cidade sonâmbula

Instituído em 1998 - homenageando o poeta Luís Miguel Nava, que fora assassinado em Bruxelas, três anos antes - este prémio, no valor de 5000 euros, contemplou já Sophia de Mello Breyner ("Búzio de Cós"), Fernando Echevarría ("Geórgicas"), António Franco Alexandre ("Quatro Caprichos") e Armando Silva Carvalho ("Lisboas").

Mas esta última distinção, referente a 2000, só foi anunciada ontem, em conjunto com a de Manuel Gusmão, porque entretanto esteve a ser negociado o patrocínio do prémio, que cabe ao BPI.

O júri para o prémio relativo a 2000 foi constituído pelos quatro membros da Fundação Luís Miguel Nava já referidos, com Paula Morão como convidada (tal como Helena Buescu, na edição referente ao ano passado).

"'Lisboas' é um dos principais livros de poesia publicados em 2000", sintetiza Gastão Cruz. "E é um livro representativo do estilo de Armando Silva Carvalho. Mistura uma abordagem crítica da realidade com uma poderosa invenção verbal. Julgo que é um dos picos da criação de um poeta que talvez não tenha tido a projecção que a poesia dele justificaria."

Para Armando Silva Carvalho, a relevância deste prémio começa no nome: "Faz-me lembrar o Luís Miguel Nava, de quem eu era muito amigo. Portanto, ao mesmo tempo fico triste. Ele foi das pessoas que mais se interessou pela minha poesia, e escreveu sobre ela."

Escrito com o apoio de uma bolsa de criação literária do Ministério da Cultura, "Lisboas" obedecia a um tema, previamente esboçado no projecto entregue a concurso. "O programa era um conjunto de poemas em relação à cidade", lembra Armando Silva Carvalho, lisboeta de São Domingos de Benfica. "Os climas, topografias, contrastes que fazem com que este cidade seja o que é, uma cidade de desvairadas gentes, como dizia o Fernão Lopes, mas agora com um carácter mais sórdido. Uma cidade exótica, no pior sentido, relativamente morta, em que as pessoas parecem deambular como sonâmbulas."

"Lisboas" está editado pela Quetzal.
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In Diário de Notícias . Lisboa · 04 de Dezembro de 2002

Grande Prémio de Poesia APE distingue obra de Manuel Gusmão

Teatros do Tempo, de Manuel Gusmão, editado pela Caminho, em 2001, acaba de ser distinguido com o Grande Prémio de Poesia APE/CTT. Trata-se de um galardão no valor de dez mil euros atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores e integralmente patrocinado pelos CTT - Correios de Portugal.
O júri - que decidiu por unanimidade - era constituído por Alexandre Vargas, Carlos Mendes de Sousa, Ernesto José Rodrigues, Luís Adriano Carlos e Yvette Centeno. A cerimónia de entrega do Grande Prémio de Poesia será oportunamente divulgada. Manuel Gusmão foi já distinguido com o Prémio Pen Club de Poesia.
O autor, também professor universitário, tem publicados Dois Sóis, A Rosa e Mapas - o Assombro a Sombra. Mais recentemente, Os Dias Levantados, uma terceira versão do libreto da ópera de António Pinho Vargas, encomendado pelo Parque Expo para o Festival dos Cem Dias, que não coincide com nenhuma das duas anteriores. Tem reconhecida obra no domínio do ensaio, designadamente sobre Fernando Pessoa, Carlos de Oliveira, Nuno Bragança, Maria Velho da Costa, Luiza Neto Jorge e Gastão Cruz. Manuel Gusmão nasceu, em Évora, em Dezembro de 1945 e é professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi deputado na Assembleia Constituinte e na 1.ª legislatura da Assembleia da República, eleito pelo PCP.

Gonçalo M. Tavares - Entrevista

In Diário de Notícias Lisboa · 21 de Janeiro de 2002


Entrevista – Gonçalo M. Tavares

Poesia ou um mapa de cicatrizes

«Livro da Dança» é o primeiro livro de Gonçalo M. Tavares que acaba de ser editado pela Assírio & Alvim. Poesia conceptual, afirmativa, empenhada na investigação da linguagem. Poesia «ficcional» às voltas com o corpo, que «hesita entre a perfeição e o desastre».
Ana Marques Gastão

O «Livro da Dança» pode fazer crer na possibilidade de um esboço filosófico para a poesia...

A poesia pode ser um método de investigação, de obtenção de conhecimento, cujo principal material é a linguagem. E as suas possibilidades são quase infinitas. Wittgenstein tinha razão. Tenho alergia à ideia de que a poesia não deve ser pensada. Trata-se de uma espécie de ciência individual que não quer encontrar algo apenas reproduzível, mas único.

Não se está a referir ao lado metafísico de Wittgenstein?

Tenho desconfianças em relação à metafísica. Sou, por um lado, um céptico, e culpo-me de não me conseguir entregar totalmente. Balanço muito entre Wittgenstein e Michaux, entre o abstracto - gosto de ideias, pensar é simpático - e o regresso à realidade.

Qual a parte que se sobrepõe?

Sou biologicamente literário. Deve haver uma espécie de órgão que os escritores têm que está para além da anatomia. A primeira arte dir-se-ia a de saber o que vamos fazer com os ossos, com o corpo. A leitura de Séneca aí auxilia-me: esforço-me para que a parte biológica literária seja a minha segunda parte, e não ocupe a totalidade. A primeira camada é afectiva e a segunda literária. Gosto muito da ideia de ficção. De pôr uma mesa entre o que escrevo e o que sou. Se for possível tomar café com o que escrevo... Acredito mais na ideia de ficção do que na ideia de verdade, por isso este livro talvez se insira no que se possa chamar de filosofia ficcional. O conjunto de todas as mentiras é a verdade.

«Confirmar o Círculo com os pés». A dança a que se refere como movimento circular pode ser uma metáfora da existência? O mundo é redondo?

Cruzam-se aí a geometria, a parte abstracta, e o pé, a parte concreta. A linguagem deste livro é afirmativa. Um padre contava, no outro dia, uma história impressionante. Dizia que quando, à noite, punha a lanterna em cima da cadeira, dormia sobressaltado com medo que ela caísse. A partir do momento em que pôs a lanterna no chão, passou a dormir descansado. É isso que temos de fazer com a vida, pô-la no chão. Procuro fazer o círculo com os pés, porque é trágico ter um corpo.

E morrer... Associa a morte à inocência e à angústia. A morte passa, no entanto, aqui de fugida?

De algum modo, mas o pensamento ficcional pressupõe que tudo o que digo possa ter um oposto. Este livro é nesse sentido um antimanifesto. Trata-se de um percurso de raciocínio, o que não desvaloriza a essência do que se diz. Como se fosse uma certeza definitiva instantânea. Porque o Mundo é antes de mais trágico.

É pela valorização desses instantes que foge da morte?

Provavelmente. Talvez eu jogue com a morte. Rodeio o definitivo como se fosse um poço onde nunca vou beber água. A ideia de verdade tem a ver com a da morte. Fujo das duas. Um dos percursos etimológicos da palavra definir relaciona-se com dizer uma última palavra sobre. Prefiro palavras intermédias, que não nos encerrem.

Busca «um exemplar de deus»?

Esse exemplar de deus é um numa edição de dez mil, e nós podemos ter a sorte de adquirir um. A minha parte metafísica tem a ver com a parábola de Buda, a do homem agredido por uma flecha que pergunta: de onde vem a flecha, é feita de quê, atingiram-me porquê? Buda responde que o importante é conseguir arrancá-la. Procura-se, como em A Palavra, de Dreyer, a palavra que pode salvar e levantar a morte. Mas não há palavra que salve.

No seu livro fala da «metafísica da casa», que procura arrumar à maneira de Bachelard. E fá-lo por raciocínios silogísticos, convertendo o acto poético numa reflexão sobre a existência.

Nada é desperdiçável: o silogismo, o aforismo, o tédio, o furismo... Nem o lixo. Quando estou com o furismo, não há mais nada do que a escrita. Mas se olharmos para um manipulo da janela, talvez aquele toque de fechar e abrir faça mais sentido. A santidade parte de pequenas crueldades. Não é possível estarmos disponíveis para toda a gente se antes não fizermos cortes. Estamos biologicamente derrotados.

O livro tem essa lucidez e vive de um jogo de contrários: a beleza e as fezes. Hesita «entre a perfeição e o desastre»?

A frase resume bem o que penso. Há algo a que sou alérgico: a ideia de que existem palavras com o selo do poético e outras não. Perdem-se por delicadeza não só vidas, mas alguns poemas. Também não gosto da poesia de linguagem baixa, comum. É uma linguagem fora do tempo. Breton dizia que «o acto de amor e de poesia são incompatíveis com a leitura dos jornais em voz alta».

Somos «cicatrizes portáteis»?

Acho que sim, mas também festas de aniversário portáteis dos nossos filhos. A poesia é uma espécie de mapa de cicatrizes.

O amor não é uma cicatriz?

É um algodão com álcool, que tenta aproximar-se da cicatriz, rodeando-a com gestos mansos.
O seu livro remete para a cartografia do desastre de Artaud.
Gosto da imagem de Artaud, a do corpo sem órgãos. A ideia de um corpo sem órgãos, vazio, e disponível para dançar inscreve-se, de certo modo, neste livro.
«Livro da Dança» tem alguns ecos do surrealismo, sobretudo pelo lado do riso, da ironia.
Talvez por esse lado. Prefiro as pequenas deslocações. O surrealismo desloca de forma substancial, tanto a linguagem, como as coisas, o que nos põe à defesa.
E utiliza, de algum modo, processos do experimentalismo...
Não há a ideia de: «deixa-me experimentar isto.» Mas sim a de não definitivo, de investigação.

Parte da desunião entre o espírito e o mundo. Há uma solidão constitutiva neste livro?

Poderia viver num mundo quase literário. Não me faltaria o oxigénio, nem o bife. Mas só nos podemos juntar aos outros, se tivermos densidade. A solidão que o processo literário valoriza é constitutiva, e permite que levemos algo connosco.

Mesmo na ruína, no desastre?
Diz um provérbio que, depois de terem roubado tudo a um mestre budista, este comentou: «Pelo menos não me roubaram a lua do canto da janela».

«E a felicidade é mais importante que a realidade, portanto»?

Portanto uma ficção feliz é mais feliz que uma realidade infeliz.
A cara da notícia
Gonçalo Tavares
Escritor

Gonçalo M. Tavares
nasceu em 1970 e é professor na Faculdade de Motricidade Humana onde lecciona a cadeira de Epistemologia. Acaba de publicar, pela mão da editora Assírio & Alvim, Livro da Dança, que pode ser considerado, no entender do autor, como um antimanifesto na medida em que se trata de «um percurso, de raciocínio».
Foi bolseiro de criação literária do Ministério da Cultura, na área de poesia, no ano 2000, e distinguido com o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores pelo livro Investigações. Novalis (a editar, em Abril, pela Difel).O Prémio Branquinho da Fonseca da Fundação Calouste Gulbenkian e do jornal Expresso foi-lhe também atribuído pela obra O Senhor Valéry, a sair em breve. Em Maio, Gonçalo M. Tavares estreará, no teatro A Capital, a sua primeira peça de teatro a partir dos textos O Homem ou É Tonto ou É Mulher e Debaixo da Cidade. Com encenação de Manuel Wiborg.

2004-10-18

O 1ºM quer uma nova "Censura" - Dossier

Sob este título reunem-se alguns artigos com informação e opinião
relacionados com os esforços de Pedro Santana Lopes
para calar os seus críticos e "condicionar"
a comunicação social.

Tempo de Coniventes Sem Cadastro
Por GRAÇA FRANCO
Segunda-feira, 18 de Outubro de 2004

( omitida a 1ª parte do artigo sobre os escândalo das pensões "obscenas". Os sublinhados e cores são do blog)
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Como dizia Pulido Valente no seu editorial "Marcelo é um aviso", se o liquidarem a ele "ninguém está seguro" e "ou serve para pôr um limite à interferência do Governo nos 'media', ou inaugura a corrupção final do regime".
O professor falou. Justificou a saída da TVI por razões de consciência e a noção que tem do valor da liberdade de expressão. Não basta? É preciso que o senhor venha dizer, em público, mal do partido de que foi líder e denunciar, ainda com mais clareza, as pressões exercidas por Paes do Amaral (a quem, como recordou, o ligam laços de família)?
Eu confesso que ganho com a sua saída. Posso finalmente desintonizar a TVI e, de uma cajadada, livrar-me dos morangos com açúcar e da quinta das celebridades com valor educativo zero e deseducativo 1007 (porque a semana tem sete dias). Acabam os conflitos familiares das noites de domingo comigo a vociferar que estou "a trabalhar" porque quero ouvir o professor Marcelo e, por isso, eles que se desembrulhem sozinhos naquela fatídica hora em que falta tudo o que é necessário para o dia seguinte.
Eu terei domingos mais tranquilos. O país perde. E o silêncio aqui é conivência cobarde, como dizia Sophia... "Tempos de ameaça e de mordaça"... Serão precisas mais pressões do que aquelas que todos ouvimos um ministro desconhecido reclamar.
Mas como a memória é curta e há gente sensível aos argumentos de que "ninguém quer calar ninguém", aqui ficam alguns dados para reflexão dos mais novos.
A censura do Estado Novo surge logo no ministério de Gomes da Costa, que por ironia nem durou um mês! Nunca ninguém a defendeu ou veio anunciar com pompa e circunstância. É filha de pai incógnito e a mãe (a frágil ditadura) sempre a rejeitou.
É criada por uma simples nota do comandante da polícia, a título excepcional, mas isso não a impede de permanecer em acção e no essencial intocada 48 anos. A primeira lei de imprensa do regime, publicada ainda em 1926 durante a ditadura de Sinel e Carmona, proíbe a sua existência e consagra a liberdade de expressão. Indiferente, ela continua a existir e a cortar inclusivamente notas oficiosas. Em matéria de liberdade de expressão, a Constituição de 33 quase não difere da de 1910. É só no decreto que regulamenta o exercício dessa liberdade, publicado no mesmo dia em que entrou em vigor a lei fundamental, que se assume, finalmente, a instituição da Censura já em vigor vai para sete anos. Aí permanecerá sem alteração até 72, quando o seu nome muda para "exame prévio" e tudo fica na mesma.
Durante a sua vigência nunca terá critérios claros e continuará a ser permitida a aparência de pluralismo da imprensa. Não será cortado na "República" o que não passa na "Voz". Embora favorável ao regime, a direita nunca será poupada. Na "Voz" chegam a ser amputados os textos de Correia Marques, um dos maiores defensores da política de Salazar. Só as quintas linhas do regime (tipo o nosso ministro Gomes da Silva!) são capazes de lhe assumir a bondade... Jamais a elite e os seus líderes.
Carmona dirá ao jornal "Mundo", em Junho de 26, "coisa alguma repugna mais o meu espírito liberal do que a censura à imprensa", acrescentando que "os boatos falsos, as notícias tendenciosas, desorientam o espírito, provocam a agitação. É preciso evitá-los. O Governo não receia a crítica. Deseja-a até. Mas a crítica dos factos reais e não dos actos imaginários, a crítica nobre, elevada, serena." Estão a ver por que é que a crítica de Marcelo pode tornar-se indesejável para os novos censores? Beberam a inspiração aqui!
Em 72 será a vez de Marcelo [Marcelo Caetano] dizer à "Capital" que a nova lei de imprensa só não porá fim à censura "porque não basta falar de um direito à informação, é preciso (...) garantir o direito à informação "verídica" (...) as meias verdades, as meias frases, os factos distorcidos compõem um tecido de mentiras que perverte a opinião".
Já antes Salazar diria, em 1933, numa entrevista a António Ferro: "Compreendo que a Censura os irrite porque não há nada que um homem considere mais sagrado do que o seu pensamento e a expressão do seu pensamento." Acrescenta: "Eu próprio já fui vítima da censura e confesso-lhe que me magoei, que me irritei, que cheguei a ter pensamentos revolucionários." Por que não a revoga nesse caso? Como argumento exibe a ilegitimidade da deturpação dos factos "por ignorância ou má fé". Mas, para lhe minorar os males, anuncia a criação do que viria a ser o Secretariado da Propaganda Nacional (mais tarde SNI), apresentado como "um bureau de informações a que os jornais poderão recorrer quando quiserem, para se munirem de elementos necessários à análise e até à crítica da Obra do Governo". Nada muito diferente da Central de Informação do dr. Morais Sarmento.
E seria o "bureau" o primeiro passo para abolição da censura?, pergunta Ferro. "Vamos devagar...", responde Salazar, a censura seria sempre necessária para moralizar "nos ataques pessoais e nos desmandos de linguagem...". Mas para evitar o policiamento externo, que sempre "significará, para quem escreve, opressão e despotismo", o presidente do Conselho propõe-se "oferecer" aos jornalistas a "solução para este problema, para esse aspecto da questão: por que não se cria uma Ordem dos Jornalistas? (...) Dessa forma o papel moralizador da Censura passaria a ser desempenhado pelos próprios jornalistas e dentro da sua classe. "Não lhe parece uma boa solução?", pergunta ao entrevistador. Não pareceu. Na classe não se conseguiram recrutar censores capazes de meter "na Ordem" toda a classe. Esperemos que nesta geração a recusa se mantenha! Mas não é certo...
Sem que esta ideia de avançar no que hoje se chama auto-regulação restaram os majores e os coronéis forçados a garantir o contraditório.
E fizeram-no bem. Em 1970, já com quase nove anos de guerra em África decorridos, ainda zelavam assim "pela verdade dos factos", como prova este mimo inscrito num telex recebido dos serviços de censura às 23h35 do dia 12 de Janeiro de 1970: "Na posse do 2º comandante da PSP de Lisboa: disse-se que ele já fez três comissões de serviço no Ultramar, a primeira 'logo na eclosão da guerra'. Ora, não há guerra. Não se pode dizer isso. Deve ter sido confusão do repórter... Coronel Saraiva."
Os comentários do professor Marcelo enfermavam frequentemente deste tipo de confusões.
P. S.: A Lusa mandou a 7 de Outubro um telex para as redacções com as declarações de Cavaco Silva lamentando o afastamento de Marcelo. Passados poucos minutos um novo telex chegava a corrigir o anterior. A magna alteração introduzida era a seguinte: no primeiro parágrafo, onde se escrevia "afastamento" passava a escrever-se agora coisa mais neutra, ou seja, "saída". Mas Cavaco não falava de saída, mas de "afastamento", palavra que passava a só constar entre aspas no segundo parágrafo. Sem contaminar a linguagem do jornalista. Não sei de quem foi a ideia da magna correcção. Talvez do próprio jornalista, "não fosse o chefe...", ou do chefe, "não fosse o director...", ou do director, "não fosse o ministro...". Ou seria do próprio ministro, para garantir rigor dos serviços tutelados? Valha!
-nos Deus

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A OBSESSÃO COM OS PRESUMÍVEIS MECANISMOS DE INFLUÊNCIA JUNTO DA OPINIÃO PÚBLICA
(NO BLOGUITICA)
http://bloguitica.blogspot.com/2004/10/1981-obsesso-com-os-presumveis_05.html

O ministro dos Assuntos Parlamentares parece ter desenvolvido uma apetência pela notoriedade, infelizmente pelas piores razões. Como se não fosse já suficiente os comentários de Rui Gomes da Silva sobre Marcelo Rebelo de Sousa, eis que o ministro veio também anunciar publicamente que «o Governo vai tomar uma iniciativa legislativa para impedir que dirigentes políticos sejam proprietários de empresas de sondagens».


Duas breves notas.
A primeira para dizer que por mais desmentidos que possa fazer -- Gomes da Silva afirma que a nova lei «não pretende visar ninguém em especial» -- o ministro não consegue esconder quem é o alvo. Trata-se, obviamente, de Rui Oliveira e Costa, que foi domingo reeleito para a Comissão Nacional do PS, na lista de José Sócrates. Oliveira e Costa é o único dirigente partidário que actualmente é responsável por uma empresa de sondagens. Em suma, uma lei feita à medida e que, como no caso de Marcelo Rebelo de Sousa, tresanda a uma obsessão doentia e ridícula com os presumíveis mecanismos de influência junto da opinião pública.
A segunda nota para lembrar que o próprio Pedro Santana Lopes já foi gerente de uma empresa de sondagens. Sim, a conhecida Amostra, cujas ligações à Universidade Moderna tanto deram que falar. Curiosamente, na altura, Santana Lopes não viu nenhum inconveniente em dirigir a Amostra, a partir de Março de 1998, isto apesar de ser um destacado militante do PSD e alguém que tinha sistemática e periodicamente revelado interesse na liderança do seu partido.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...


SANTANA LOPES E GOMES DA SILVA

http://bloguitica.blogspot.com/2004/10/1976-santana-lopes-e-gomes-da-silva.html

Recentemente chamei a atenção para o facto de alguém ter andado a conversar com quase todos os embaixadores de Portugal em países da União Europeia perguntando se, nos respectivos países, havia programas de televisão em que um comentador com perfil político [obviamente, Marcelo Rebelo de Sousa] fazia análise à vida política interna sem ser sujeito a contraditório (Post 1912, 22 de Setembro de 2004).
Ontem, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Rui Gomes da Silva, afirmou publicamente que «em toda a Europa, trata-se de um caso único. Não há em país algum uma pessoa a perorar 45 minutos sobre política sem ser sujeita ao contraditório e apenas a defender os seus interesses pessoais». Entre outras coisas, Gomes da Silva acrescentou ainda que «nem o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda juntos conseguem destilar tanto ódio ao primeiro-ministro e ao Governo como esse comentador [Marcelo Rebelo de Sousa] que, sob a capa de comentário político, transmite sistematicamente um conjunto de mentiras com desfaçatez e sem qualquer vergonha».
Marcelo Rebelo de Sousa, claro está, agradece a publicidade e a importância que lhe estão a conferir. No mínimo, terá o dobro da audiência no próximo domingo...
Não se julgue, no entanto, que Gomes da Silva resolveu atacar Marcelo Rebelo de Sousa por iniciativa própria. O ministro dos Assuntos Parlamentares é apenas um peão menor numa estratégia montada por terceiros. Mais concretamente, é o próprio gabinete do primeiro-ministro que, desastradamente, lidera este processo. Sim, foi um funcionário diplomático do gabinete do primeiro-ministro que andou a perguntar a quase todos os embaixadores de Portugal em países da União Europeia se, nos respectivos países, havia programas de televisão em que um comentador com perfil político fazia análise à vida política interna sem ser sujeito a contraditório. Muito claramente, a informação foi, depois, transmitida a Gomes da Silva.
Tudo isto até poderia ser muito grave. Porém, mais do que isso, tudo isto é extremamente ridículo.
# posted by PG : 00:20

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http://jornal.publico.pt/2004/10/05/Nacional/P02.html
Governo Desesperado com Marcelo
Público Terça-feira, 05 de Outubro de 2004

Entidade reguladora da comunicação social apresentada em breve. Princípio do contraditório alargado ao comentário político

Helena Pereira

O Governo criticou ontem violentamente Marcelo Rebelo de Sousa, irritado com os comentários semanais do ex-líder do PSD na TVI. O ministro dos Assuntos Parlamentares, Rui Gomes da Silva, disse sentir-se "revoltado com as mentiras" que são proferidas todos os domingos "por um comentador que tem um problema" com o primeiro-ministro", Pedro Santana Lopes.
Marcelo "destila ódio ao primeiro-ministro" e age "com desfaçatez e sem qualquer vergonha", acrescentou o ministro. O ex-líder do PSD, que se encontra nos Açores, não quis ontem reagir. "No caso de considerar que há algum comentário que deve ser feito, fá-lo-ei no próximo domingo", declarou.
"Não há, em país algum, uma pessoa a perorar 45 minutos sobre política sem ser sujeita ao contraditório e apenas a defender os seus interesses pessoais", justificou Gomes da Silva, em declarações à Lusa, estranhando o silêncio da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) em relação aos comentários do ex-presidente do PSD, quando, em 2002 a mesma entidade criticou a RTP por não incluir no painel de comentadores Santana-Sócrates políticos de outros partidos.
Nos últimos dias, as estruturas do PSD Lisboa e Porto já se tinham revoltado contra Marcelo. Questionado pelo PÚBLICO, o secretário-geral do PSD, Miguel Relvas, negou que o partido tenha intenção de apresentar uma queixa na AACS ou um processo disciplinar interno contra Marcelo.
Segundo um membro do governamental, o Executivo irá apresentar em breve as novas regras para a futura entidade reguladora da comunicação social, que substitui a AACS. Miguel Relvas defende que a regulação pressupõe "o princípio do contraditório" mesmo em comentários políticos.
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Lusa
Público - Política 04-10-2004 - 20h31

Ministro diz-se "revoltado com as mentiras" e "falsidades" do comentador
Gomes da Silva quer intervenção da alta autoridade contra Marcelo

O ministro dos Assuntos Parlamentares Rui Gomes da Silva afirmou hoje estranhar o silêncio da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) em relação aos comentários de "ódio" e às "mentiras e falsidades" feitas pelo ex-presidente do PSD Marcelo Rebelo de Sousa aos domingos na TVI.
Antes de participar na cerimónia de posse da concelhia do PSD-Viseu, o ministro disse sentir-se "revoltado com as mentiras" e com as "falsidades" que são proferidas todos os domingos "por um comentador que tem um problema" com o primeiro-ministro" Pedro Santana Lopes.
Rui Gomes da Silva referiu que, em 2002, a AACS emitiu pareceres críticos sobre os debates semanais de domingo na RTP, entre os actuais primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, e secretário-geral do PS, José Sócrates, alegando a não participação de outras forças políticas na discussão.
"Agora, que não há rigorosamente qualquer contraditório [com Marcelo Rebelo de Sousa na TV], estranho que a Alta Autoridade para a Comunicação Social esteja em silêncio", declarou o ministro dos Assuntos Parlamentares.

"Em toda a Europa, trata-se de um caso único. Não há em país algum uma pessoa a perorar 45 minutos sobre política sem ser sujeita ao contraditório e apenas a defender os seus interesses pessoais", defendeu o membro do Governo.
No seu último comentário na TVI, Marcelo Rebelo de Sousa criticou a tolerância de ponto de hoje concedida pelo Governo de Pedro Santana Lopes, afimando que essa decisão "é pior do que o pior" do ex-primeiro-ministro António Guterres.
Segundo o membro do Governo, "nem o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda juntos conseguem destilar tanto ódio ao primeiro-ministro e ao Governo como esse comentador [Marcelo Rebelo de Sousa] que, sob a capa de comentário político, transmite sistematicamente um conjunto de mentiras com desfaçatez e sem qualquer vergonha".
"Nesses comentários, não temos uma análise independente à realidade política nacional, mas apenas espírito de ódio e de ataque pessoal", características que Gomes da Silva considerou próprias de quem se revela "inadaptado" pelo facto de ver Pedro Santana Lopes no cargo de primeiro-ministro.
Marcelo Rebelo de Sousa remeteu para domingo uma eventual resposta ao ministro dos Assuntos Parlamentares. "Neste momento, não tenciono fazer qualquer comentário. No caso de considerar que há algum comentário que deve ser feito, fá-lo-ei no próximo domingo", declarou o ex-líder social-democrata.
Já a 20 de Setembro, a distrital do Porto do PSD lamentara, em comunicado, o que qualificou como "críticas injustas e desproporcionadas" por parte Marcelo Rebelo de Sousa "acerca da personalidade e desempenho dos vários membros do Governo, particularmente no que diz respeito ao primeiro-ministro e presidente do PSD".

A OBSESSÃO COM OS PRESUMÍVEIS MECANISMOS DE INFLUÊNCIA JUNTO DA OPINIÃO PÚBLICA
O ministro dos Assuntos Parlamentares parece ter desenvolvido uma apetência pela notoriedade, infelizmente pelas piores razões. Como se não fosse já suficiente os comentários de Rui Gomes da Silva sobre Marcelo Rebelo de Sousa, eis que o ministro veio também anunciar publicamente que «o Governo vai tomar uma iniciativa legislativa para impedir que dirigentes políticos sejam proprietários de empresas de sondagens».
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2004-10-15

Neo-conservadores Americanos Preparados para Uma Nova Guerra

http://jornal.publico.pt/2004/10/13/Destaque/X01CX02.html

Por ALEXANDRA PRADO COELHO

Quarta-feira, 13 de Outubro de 2004

Os sinais estão aí. Por todo o lado, na imprensa ou na Internet, surgem referências cada vez mais frequentes à eventualidade de uma intervenção militar no Irão. Os neo-conservadores, influentes junto da Administração norte-americana, sempre defenderam uma mudança de regime na República Islâmica e voltam agora a fazê-lo de forma mais audível, num processo muito semelhante ao que se passou com o Iraque.
Tal como no caso iraquiano, há indicações de que o Irão está a desenvolver armas ameaçadoras - neste caso nucleares - e os responsáveis em Teerão mostram-se cada vez menos disponíveis para dialogar e negociar sobre esta questão, argumentando que o seu programa nuclear tem fins civis. A situação tem todos os ingredientes para um choque frontal. O mais provável é que, como aconteceu com o Iraque, alguns defendam sanções e pressões internacionais e outros a via militar.
O maior defensor do projecto de uma mudança de regime em Teerão é Michael Ledeen, consultor do Pentágono e membro do "think-tank" conservador American Enterprise Institute. Num artigo disponível na National Review Online, Ledeen escreve: "O 'Eixo do Mal' era - e é - muito real, como os tiranos do Irão, Iraque e Coreia do Norte sabem muito bem. Há agora provas abundantes da cooperação entre eles e com os seus amigos líbios, sírios e paquistaneses, que vai dos projectos nucleares a outras armas de destruição maciça e ao apoio vital (às vezes em conjunto, outras separadamente) à rede terrorista".
Ledeen defende mesmo que "não se devia ter começado com o Iraque, mas com o Irão, a mãe do moderno terrorismo islâmico, criador do Hezbollah, aliado da Al-Qaeda, financiador de Zarqawi [o terrorista responsável por muitos dos atentados, raptos e execuções de estrangeiros no Iraque], há muito financiador da Fatah e espinha dorsal do Hamas". E retoma um argumento que já usou no passado, antes da guerra no Iraque - o de que os iranianos estão prontos a apoiar uma mudança de regime a partir do exterior, com "centenas de milhar de jovens dispostos a desafiar os seus opressores nas ruas das principais cidades".
A actual situação dos neo-conservadores americanos não é clara. Alguns analistas dizem que o desastre no Iraque os fez perder a influência, mas outros, nomeadamente na CIA e no Departamento de Estado, têm vindo a avisar que os "neo-cons" poderão ter uma renovada influência se Bush ganhar um segundo mandato.
Uma das figuras identificadas com o movimento neo-conservador, Paul Wolfowitz, continua a ser vice-secretário da Defesa dos EUA, e, como noticiou o Asia Times Online, esteve muito recentemente num seminário intitulado "IV Guerra Mundial: porque é que estamos a combater, quem é que estamos a combater, como é que estamos a combater". Um dos oradores foi o destacado neo-conservador Norman Podhoretz, que disse que as tácticas usadas por Israel nos territórios palestinianos são "o modelo para combater este tipo de guerra" e afirmou que "o Irão está, sem dúvida, na agenda" de uma segunda Administração Bush. "Não tenho dúvidas de que teremos que o fazer, e fazê-lo rapidamente", disse, segundo o AsiaTimes.
Tem também havido reuniões com dissidentes e oposicionistas iranianos, que são vistos como apoios essenciais no projecto de mudança de regime. Segundo Tom Barry do Interhemispheric Resource Center, nos EUA, estas reuniões envolvem membros da Administração Bush - como Douglas Feith, sub-secretário da Defesa - figuras neo-conservadoras, um negociante de armas iraniano no exílio, Manichur Ghorbanifar, que diz falar pela oposição iraniana, e outros, como o irano-americano Rob Sobhani, próximos do filho do antigo Xá do Irão, Reza Pahlavi.
O tema de uma intervenção militar no Irão tem surgido também com frequência na imprensa israelita. Um artigo intitulado "No próximo ano em Teerão", Amir Oren revela que nos últimos três anos o principal jogo de guerra das forças armadas norte-americanas tem sido centrado no Irão. "Não vale a pena tentar esconder o 'background' iraniano do acontecimento, no qual participa um elevado número de oficiais e civis - mais de 500 anualmente - incluindo observadores de países estrangeiros", explica Oren.
Aliás, o Pentágono não parece muito preocupado em esconder: no jogo, o país inimigo chama-se "Nair" e é explicado aos participantes que é um Estado de ficção inspirado na geografia e cultura do Irão. "[...] preparativos sistemáticos estão a ocorrer para um tipo diferente de operação militar", explica o autor do artigo, "não contra alvos nucleares, mas contra o regime que se recusa a parar".
No cenário ficcional de "Nair", prevêem-se problemas. Mesmo que Teerão seja conquistada e o regime derrubado, é possível que haja resistência (uma lição aprendida no Iraque) e que "quatro em cada cinco iranianos a apoiem".
Num domínio menos ficcional, os analistas israelitas e não-israelitas debruçam-se sobre o cenário - que alguns consideram possível e outros altamente improvável - de um ataque de Israel às instalações nucleares iranianas, à semelhança do que o Estado judaico fez em 1981, destruindo o reactor nuclear iraquiano de Osirak. Aluf Benn, no "Ha'aretz", sublinha que no caso do Irão um ataque deste tipo seria muito mais complicado - por um lado, a distância é maior e as instalações nucleares iranianas estão espalhadas pelo território, por outro há sérias possibilidades de Teerão retaliar. O teste realizado recentemente pela República Islâmica do míssil de longo alcance Shahab-3 parece ter sido um aviso a Telavive.