2005-04-19

Maçonaria cúmplice da PIDE?

Documento foi guardado durante 30 anos por uma das lojas do GOLMaçonaria vai entregar lista de informadores da PIDE à Torre do Tombo
12.04.2005 - 22h50 Lusa.
[aqui no Público]

O Grande Oriente Lusitano (GOL) vai entregar à Torre do Tombo a lista de 3600 agentes e informadores da PIDE guardada há 30 anos por uma das suas lojas, anunciou hoje o grão-mestre da Maçonaria Portuguesa.
Em declarações à Lusa, António Arnaut revelou que a lista será confiada, ainda este mês, ao Instituto dos Arquivos Nacionais - Torre do Tombo (IANTT).A questão foi abordada hoje num encontro entre Arnault e o historiador Pedro Dias, director da Torre do Tombo, dando início ao processo de entrega, 24 horas depois de o dossier, que terá pertencido à Legião Portuguesa, ter sido depositado pela maçonaria no cofre de um banco.A lista, entregue sábado passado ao grão-mestre, durante um banquete num hotel de Lisboa, foi encontrada, logo após o 25 de Abril de 1974, por um membro da Loja da Liberdade no Palácio Maçónico. Este edifício, situado no Bairro Alto, em Lisboa, foi confiscado pelo regime de Salazar, tendo sido ocupado pela Legião Portuguesa entre 1935 e 1974, ano em que foi devolvido à Maçonaria."Aquele maçon manteve o documento sob sigilo e só agora o entregou ao grão-mestre", reafirmou Arnaut, garantindo que a sua entrega durante uma cerimónia pública visou "evitar especulações", uma vez que participaram no banquete dezenas de pessoas sem ligações à Maçonaria.No final do encontro, Pedro Dias explicou que por se tratar de um documento contendo dados pessoais e "informação classificada", o público não terá acesso à lista durante 50 anos, a contar de 24 de Abril de 1974. "Este livro é mais um documento, cuja origem desconheço, a juntar à documentação sobre o Estado Novo e a polícia política, cuja divulgação está tipificada na lei, sublinhou o historiador.A Policia Internacional em Defesa do Estado (PIDE) foi criada em 1945. Depois de Marcelo Caetano suceder a Salazar, em 1969, passou a chamar-se Direcção Geral de Segurança (DGS) e foi extinta na sequência da revolução de 25 de Abril.

2005-04-13

Constituição europeia e religião

Vital Moreira
In Público de 2005-04-12

Entre os argumentos produzidos em França contra o tratado constitucional europeu está o de alguns círculos laicistas, que denunciam nele uma ameaça para o princípio laico da Constituição francesa. Como essa questão tem, ou vai ter, alguma repercussão em Portugal, embora provavelmente com menos visibilidade, importa analisá-la.Como se sabe, um dos grandes pontos contenciosos da "convenção europeia" que elaborou o projecto de Constituição e da conferência intergovernamental que a aprovou teve a ver com uma proposta de inserir no preâmbulo da Constituição uma referência à "herança cristã" da União Europeia. Essa proposta foi fortemente patrocinada pelos governos de direita de alguns países de tradição católica (nomeadamente a Polónia, a Itália, a Espanha, Portugal, entre outros), incluindo uma insistente pressão do Vaticano e do próprio Papa. À frente dos opositores intransigentes dessa referência esteve desde sempre a França, a quem se deve o seu afastamento. Essa ausência constitui um dos argumentos invocados pelos círculos nacionalistas tradicionais contra a Constituição. Ironia maior é, porém, o facto de ser justamente em França que o argumento religioso é mais utilizado contra o tratado constitucional, mas por forças e razões assaz diversas, ou seja, pelas correntes laicistas, a pretexto de que há nele demasiada religião. De facto, a religião aparece algumas vezes no tratado constitucional, mas com sentido e alcance diversos. A primeira referência surge logo no preâmbulo, onde é invocado o "património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de direito". É bom de ver que a invocação dessa "herança religiosa" da Europa (a tradução portuguesa usa "património" em vez de "herança") não privilegia nenhuma religião ou corrente, como sucederia com a pretendida referência à "herança cristã", abarcando tanto as religiões cristãs, nas suas diversas vertentes, como o judaísmo ou o islão, este com uma presença crescente na Europa. É certo que dar conta da herança religiosa europeia limita-se a constatar o óbvio, mas a sua associação com os direitos humanos, a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de direito é mais do que controversa, tanto no caso da tradição católica, durante muitos séculos hostil a todos esses valores, como no caso do islão ainda hoje (isto para não falar das perseguições e guerras religiosas que a Europa conheceu durante séculos). Trata-se portanto de uma afirmação retórica sem fundamento histórico, que mesmo num preâmbulo, desprovido de força jurídica, bem poderia ter sido evitada. Mas não é seguramente por aí que a laicidade da UE sai vulnerada.Analisando agora os preceitos da Constituição, um dos mais atacados pelo laicismo radical francês é o art. 52º, relativo ao "estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais". Esse preceito estabelece dois princípios: (i) a não interferência da UE no estatuto de que gozam no direito interno dos Estados-membros tanto as Igrejas e comunidades religiosas como as organizações filosóficas e não confessionais; (ii) o estabelecimento pela União de um "diálogo aberto, transparente e regular com as referidas Igrejas e organizações". Na opinião dos críticos, este preceito valida as situações nacionais em que não existe separação entre a Igreja e o Estado, reconhece expressamente as Igrejas como interlocutores oficiais das instituições europeias e obriga estas a dialogar com elas, abrindo assim a via para a sua interferência nas políticas da UE.Considero infundada esta crítica. É evidente que a UE tinha de respeitar as diferenças e idiossincrasias nacionais nas relações dos Estados-membros com as Igrejas, desde a estrita separação francesa até ao quase confessionalismo oficial da Grécia, da Irlanda, da Polónia ou da Grã-Bretanha. O que o preceito diz é que essa matéria constitui um assunto nacional - o que só pode ser motivo de aplauso, e não de crítica. A UE como tal mantém-se incompetente e indiferente sob o ponto de vista religioso. Também não me parece objectável o previsto "diálogo aberto, transparente e regular" com todas as Igrejas, num quadro de consulta com todas as forças sociais, que é aliás condição da democracia participativa, que a Constituição europeia visa promover, tal como sucede aliás com a nossa Constituição (que até reconhece expressamente um direito de antena das confissões religiosas na televisão e na rádio pública). De resto, o reconhecimento e o diálogo não estão previstos somente para as Igrejas e comunidades religiosas, mas também, em pé de igualdade, para as "organizações filosóficas e não confessionais" - onde se podem contar por exemplo as organizações maçónicas, laicistas, etc. -, ponto este que os adversários da Constituição europeia convenientemente esquecem. Ora, se é verdade que Durão Barroso não precisa de nenhuma constituição para ouvir o Vaticano ou as grandes Igrejas protestantes, é de duvidar que se disponha a dialogar com as tais "organizações filosóficas e não confessionais" se a tal não estiver constitucionalmente obrigado. Por isso a oposição laicista a este artigo do tratado constitucional afigura-se-me um verdadeiro "tiro no pé".Outro ponto muito atacado pelo laicismo francês é o preceito da carta de direitos fundamentais que garante a liberdade de religião, incluindo a "liberdade de manifestar a sua religião, individual ou colectivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, das práticas e da celebração de ritos". No entender dos opositores do tratado constitucional, esse preceito poderia ameaçar a proibição legal francesa de uso de símbolos e vestuário de identificação religiosa (por exemplo, o lenço de cabeça islâmico) nas escolas públicas francesas. Este argumento também não tem nenhum fundamento. Primeiro, o referido preceito limita-se a reproduzir um artigo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, que a França há muito subscreveu; segundo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já considerou conforme à Convenção a proibição do uso de vestuário com significado religioso em escolas públicas; terceiro, a própria carta de direitos fundamentais da UE declara expressamente que os seus preceitos, quando correspondem aos da Convenção Europeia, têm o mesmo sentido que têm nesta, tal como interpretada pelo Tribunal de Estrasburgo, o que inclui obviamente as suas restrições admissíveis; quarto, a carta de direitos fundamentais da UE só vale para as relações entre os cidadãos europeus e as instituições da União e não para as situações domésticas dos Estados-membros (salvo quando estes implementam direito da União no âmbito de atribuições desta, o que não é o caso); quinto, o Conselho Constitucional francês, ao analisar a conformidade da Constituição europeia com a Constituição francesa, ocupou-se directamente desta questão, tendo concluído sem dificuldade que não existe nenhum perigo para o laicismo constitucional francês.No caso português há um argumento adicional para que este argumento não faça nenhum sentido. É que em Portugal não existe nada de parecido com a recente proibição francesa do lenço de cabeça islâmico nas escolas públicas; nem poderia aliás existir, pelo menos nesses termos, visto que muito provavelmente tal proibição haveria de ser considerada incompatível com a CRP, mesmo que não seja considerada contrária à Convenção Europeia de 1950 ou à carta de direitos fundamentais da UE. De facto, não vejo em que é que o princípio laico exige uma tal restrição à liberdade religiosa das pessoas.Há um célebre dito anarquista espanhol (ou mexicano?) que reza assim: "Hay gobierno? Entonces, soy contra!" Alguns laicistas imitam agora este dito deste modo: "A Constituição fala em Igrejas e em religião? Então sou contra." Infelizmente, o fundamentalismo não é monopólio das religiões. Mas nunca é bom conselheiro.

Professor universitário

2005-04-09

Brasil escolhe Portugal ou Espanha?

Brasil: Apex diz centro de distribuição de produtos em Lisboa depende do mercado

Brasília, 06 Abr (Lusa) - O presidente da Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex) afirmou hoje que a instalação do centro de distribuição de produtos brasileiros em Lisboa depende da procura no mercado português e do projecto a apresentar por Portugal.

Juan Quirós esteve hoje reunido com o embaixador de Portugal em Brasília, Francisco Seixas da Costa, para discutir a instalação do centro que, segundo a noticiou a imprensa brasileira na semana passada, será instalado em Madrid, e não em Lisboa, como previsto.

Após a reunião, o presidente da Apex afirmou que a abertura de novos centros no continente europeu depende da procura dos produtos brasileiros e que cabe aos empresários, segundo a lógica do mercado, decidir onde vão investir.

Quirós reconheceu que não é possível atender toda a Europa via Frankfurt, o primeiro centro na Europa, que deverá ser inaugurado até ao final deste ano, depois de um nos Estados Unidos, em Miami.

"Ficou perfeitamente claro na conversa com o presidente da Apex que, além do centro na Alemanha, não há nenhum outro definido na Europa, e será possível, se o mercado assim o justificar, a criação de um eventual centro de distribuição em Portugal", disse à Lusa o embaixador Seixas da Costa.

De acordo com o embaixador, será desenvolvido um trabalho conjunto entre o Icep e a Apex para a assinatura, o mais rapidamente possível, de um acordo bilateral de cooperação entre as duas instituições, onde ficará "expressamente indicada a possibilidade de criação em Portugal de um centro de distribuição, sujeito aos imperativos do mercado".

"Cabe a Portugal apresentar, no quadro do plano futuro dos centros de distribuição brasileiros, uma proposta concreta. É uma proposta que a Apex considerará e que julgo que afastará, a meu ver, estas nuvens que me parecem um pouco exageradas relativamente à colocação na Espanha de um centro de distribuição", afirmou Seixas da Costa.

A proposta do ICEP será entregue a Apex dentro de duas ou três semanas e o acordo, segundo o embaixador, deverá ser assinado dentro de poucos meses.
Juan Quirós acrescentou que o trabalho das duas instituições visará tanto a promoção do produto brasileiro em Portugal como a promoção do produto português no Brasil, além de capacitação empresarial, sensibilização e prospecção do mercado.
O novo centro coordenará as actividades na Península Ibérica, Mediterrâneo e Médio Oriente.

O presidente da Apex afirmou ainda que "há um espaço enorme para o crescimento do comércio entre os dois países", que no ano passado superou o marco histórico de mil milhões de dólares.
Participaram também no encontro com o presidente da Apex o director do ICEP no Brasil, João Mota Pinto, e o presidente do Conselho das Câmaras Portuguesas de Comércio no Brasil, António de Bacelar Carrelhas.

A notícia de que a APEX estaria a preparar a instalação do centro em Espanha levaram os ministros da Economia e dos Negócios Estrangeiros de Portugal a difundir um comunicado onde se manifestavam "empenhados" no projecto.

O ICEP Portugal e Apex estão a negociar um Convénio, que vai ter em vista o desenvolvimento da actividade empresarial dos dois países, que deverá prever iniciativas também no espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

CMC/PDF.
Lusa/Fim
(Cores e sublinhados da autoria do blog)

2005-04-06

Na homenagem a Barros Moura

em 5 de Abril de 2005, na Biblioteca-Museu da República e da Resistência, em Lisboa, foram apresentados depoimentos de amigos seus de que temos disponíveis e apresentamos em seguida os de Raimundo Narciso, de José Manuel Correia Pinto e de Mário Lino.

Intervenção de Raimundo Narciso:

Nesta homenagem a um amigo, permitam-me que evoque dois momentos, que me deixaram uma marca imperecível da grandeza de Barros Moura.

O primeiro foi quando nos conhecemos, na sede do Comité Central do PCP, em 1974. Regressava ele da Guiné-Bissau, oficial miliciano rodeado do prestígio que lhe advinha da coragem e inteligência posta na luta contra a ditadura e lhe valera a qualidade de membro da Coordenadora do Movimento dos Capitães que libertou Portugal, em 25 de Abril de 1974.
Esse primeiro encontro evidenciou a argúcia política e uma larga visão do momento revolucionário que empolgava o país, no homem que se batia intransigentemente por um futuro melhor para Portugal, pelo fim do colonialismo, pela superação dos estigmas obscurantistas da sociedade portuguesa de então.

O segundo momento que gostaria de evocar ocorreu uns dias antes da operação a que José Barros Moura se submeteu, dois meses antes de morrer.
Tínhamos ido à livraria Ler Devagar provar um vinho da lavra de Eurico de Figueiredo e que ele achou por bem apresentar, em vez de um livro, como é habitual e naquela fase do evento em que, já cumpridos os rituais obrigatórios, só nos resta participar na agitação das conversas com os amigos, o Zé propôs que deixássemos o bulício e fossemos dar uma volta por aí?
Saímos para o Bairro Alto, deambulávamos pelas ruas sossegadas em conversa amena, antes de irmos a um chá numa casa que expunha pintura, a gozar o momento – julgava eu - quando Barros Moura me diz no meio de outros assuntos

para a semana vou fazer uma cirurgia.

Ia a perguntar mas ele acrescentou que não tinha importância e mudou de assunto tão rapidamente que só uns dias depois meditei na informação. Resolvi então telefonar. Já tinha feito aquela operação que tornou insofismável a aproximação da morte.

O nosso relacionamento manteve-se ao longo dos anos mas estreitou-se no processo de reavaliação da experiência histórica do comunismo que iria conduzir à rotura com o PCP.
Nesse processo Barros Moura mostrou como a fidelidade aos ideais humanistas, a procura da utopia sem se desligar da realidade, deve implicar a rotura com o que ontem parecia justo mas a realidade desmentia.
As suas tomadas de posição públicas de grande frontalidade e seriedade política, a sua reflexão sobre as grandes transformações que o mundo vivia com o desmoronar do Muro de Berlim e o fim do comunismo, arrostando anátemas e incompreensões, revelou a sua têmpera de lutador inteligente e político íntegro.
Na sequência da rotura com o PCP em 1991 houve quem considerasse excessivo ter renunciado ao mandato de Deputado do Parlamento Europeu e devolvido o lugar ao partido, quando afinal na lista eleitoral o seu nome fora já uma bandeira. Mas Barros Moura não queria que, num país como o nosso, onde os políticos, com frequência injustamente, estão sob suspeita, restassem dúvidas de que era o dinheiro que o movia.

Acrescentou com esse gesto o respeito dos Portugueses e enobreceu a classe política.

Barros Moura um dos mais brilhantes deputados europeus e um especialista em Direito do Trabalho, revelou na sua trajectória política e na sua vida profissional qualidades que o tornaram uma figura de referência. Rigor, Competência, capacidade de trabalho, combatividade, fidelidade a princípios.

Barros Moura teve um papel central no efémero movimento do INES (Instituto Nacional de Estudos Sociais) criado em 1989/90 por ex-comunistas ou comunistas em processo de afastamento do PCP, socialistas e pessoas de várias tendências de esquerda que se reivindicavam do socialismo.
Nesse movimento que durou até ao início da desagregação da União Soviética, participaram pessoas ilustres como Piteira Santos, José Saramago, Vital Moreira, Veiga de Oliveira, José Manuel Correia Pinto, dirigentes da Intersindical como José Luís Judas, Manuel Lopes, Calidás Barreto, insignes juristas como o professor Orlando de Carvalho ou Joaquim Gomes Canotilho.

Barros Moura foi igualmente com a sua reflexão política uma referência central no movimento da Plataforma de Esquerda, de 1992 a 95. Movimento de busca de novos caminhos para os objectivos de sempre: um futuro melhor, mais livre e mais justo para os Portugueses, densificando os conceitos de Liberdade e Democracia, não deixando que os sonhos de utopia frustrassem os ensinamentos da modernidade.
Neste movimento em que se distinguiram, entre outros, José Luís Judas, Pina Moura, António Graça, José Ernesto Oliveira, Mário Lino, António Teodoro, Mário Vieira de Carvalho, Miguel Portas, Fernando Castro, Victor Neto, e muitos outros, Barros Moura foi sempre uma voz indispensável.

Este movimento dividiu-se nas vésperas das eleições autárquicas de 1994 indo uma parte aproximar-se e posteriormente aderir ao PS e outra parte constituir a Política XXI que hoje integra o Bloco de Esquerda.
Barros Moura foi figura central da relação da Plataforma de Esquerda com o PS nomeadamente no encontro com o seu Secretário Geral, Jorge Sampaio, num almoço em sua casa e algum tempo depois com António Guterres, que lhe sucedeu no cargo.

Em todas estas movimentações políticas pude testemunhar de perto as raras qualidades humanas e políticas de Barros Moura que levaram o PS a convidá-lo e a elegê-lo deputado do Parlamento Europeu nos anos de 1994 a 99 onde prestigiou Portugal e o PS com o seu empenhado e distinto labor.
Também aí e posteriormente, como deputado e vice-presidente da direcção do Grupo Parlamentar do PS, na Assembleia da República, na legislatura de 1999 a 2002, Barros Moura se revelou um parlamentar distinto.

Bem revelador do carácter de Barros Moura é a sua renúncia ao mandato de Presidente da Assembleia Municipal de Felgueiras, quando não lhe pareceram satisfatórias as respostas do executivo às acusações e suspeitas judiciais de que era alvo.
A sua atitude vertical foi tomada por alguns como falta de solidariedade partidária e veio-lhe a custar a sua participação na lista do seu partido, o PS, para as eleições legislativas de 2002, em lugar elegível.
A evolução dos acontecimentos veio dar-lhe razão mas a sua inesperada morte não permitiu a continuação de uma brilhante carreira política que, estou certo, voltaria a encontrar no PS novas e estimulantes oportunidades.

Barros Moura, ainda no auge das suas capacidades, com muito para dar à comunidade, soube enfrentar a chegada abrupta da morte com denodada coragem.

Desde o momento em que me inteirei do verdadeiro tipo de cirurgia que ele me anunciara, como se falasse de algo banal, fiquei com a sensação que enquanto eu julgava gozar em comunhão com ele aquela aprazível noite, no Bairro Alto, ele talvez estivesse já a fazer o balanço da sua vida e a começar a despedir-se dela.
Raimundo Narciso

Depoimento do Dr. José Manuel Correia Pinto:

Depois de 62, durante quase dez anos, Barros Moura é uma figura incontornável do movimento estudantil português na luta contra a ditadura. Quis o acaso que eu o tivesse conhecido no dia seguinte ao da minha chegada a Coimbra, em Outubro de 1962, tendo com ele mantido uma amizade muito intensa e uma relação de muita proximidade. Isso permite-me um conhecimento muito profundo da sua riquíssima personalidade, na qual sublinho como traços distintivos a grandeza de carácter, a coragem e a dedicação com que sempre se entregou à causa pública, quer como dirigente associativo, quer, mais tarde, como deputado.

Dois episódios que vou contar são seguramente mais reveladores da personalidade do Homem que hoje homenageamos do que qualquer análise que eu pudesse fazer da sua intervenção cívica.

Em Novembro de 1964 ganhámos as eleições, em Coimbra, para a Associação Académica. À tangente, mas ganhámos, contrariando assim as expectativas e o grande investimento que a direita tinha posto na vitória daquelas eleições. Logo após a vitória, abriu-se um conflito com o Reitor sobre o modo de composição da Direcção. Barros Moura estava no centro da polémica. Nós tínhamos uma interpretação dos estatutos, o Reitor tentava impor outra solução. Tentou-se a mediação do Ministro. Em vão. Disse-nos cinicamente que prezava muito a autonomia universitária e que, portanto, não interviria na contenda, aconselhando-nos todavia a acatar a posição do Reitor, a fim de se evitarem consequências desagradáveis. Logo se compreendeu que se Barros Moura e outros colegas tomassem posse, a Direcção não seria homologada e haveria castigos para quem desobedecesse. O Barros Moura não teve hesitações. Tomou posse juntamente com outros colegas. Foi imediatamente suspenso e depois expulso, por dois anos, de todas as universidades portuguesas.

Não interessa discutir agora se se tratou ou não de uma acção demasiado vanguardista, como alguns, mais tarde, a caracterizaram. O que contou e o que conta, o que fica para a história e para exemplo dos demais foi a coragem de afrontar a ditadura. O que contou foi a acção – que a ele se lhe impôs como imperativo ético – de combate à prepotência, de luta pela liberdade, mesmo com as consequências que antecipadamente se tinham por certas.

Em Coimbra ele continuou, sempre na luta académica, até se licenciar, mantendo-se combativo e actuante em todos os domínios da vida associativa, sem esquecer o importantíssimo papel desempenhado na crise de 69, ocorrida em plena “primavera marcelista”.

Alguns anos mais tarde, em 1973, estava eu na Guiné, a cumprir o serviço militar na Marinha, bateram-me à porta ao fim da tarde. Era o Barros Moura. Foi uma surpresa e uma festa! “Tu também em Bissau!”, exclamei. “Em Bissau, mas de passagem para o mato”, respondeu ele. Não havia memória de um alferes miliciano, licenciado em direito, ser mobilizado para o mato. Normalmente ficavam em Bissau.Com a experiência que cerca de um ano de Guiné me dava sobre o perfil político-psicológico do Governador e Comandante-chefe da Guiné, General António de Spínola, aconselhei-o a pedir-lhe uma audiência. Era para mim quase certo que o General o colocaria em Bissau. Lembro-me de lhe ter dito: “Tens de ficar em Bissau. Esta guerra não é nossa. A nossa guerra é a paz, a descolonização. Nós estamos aqui para ajudar a acabar com a guerra. E nesta “guerra” tu é muito mais útil em Bissau do que no mato.” E, acrescentado: “Certamente que ele vai tentar seduzir-te, utilizar-te, porventura instrumentalizar-te. Mas contra isso tu não precisas de prevenções. Sabes muito bem o que tens a fazer”.

O Barros Moura hesitou, certamente terá falado com outras pessoas. Uns dias mais tarde comunicou-me que tinha tido uma entrevista com o Spínola e que tudo havia corrido conforme previsto. O General insurgiu-se contra aqueles que na Metrópole encaravam a defesa da Pátria como um castigo e terminou a entrevista com uma pergunta claramente ambígua, de modo a permitir ao Barros Moura – penso eu – manter a ambiguidade com uma resposta igualmente clara. “ A mim o que me interessa é saber se você é um patriota”, perguntou o General. “Claro que sou um patriota”, respondeu o Barros Moura”. Ainda a tinta do despacho que colocava o Barros Moura no Comando-chefe não tinha secado, já ele estava intensamente empenhado, como era seu hábito, na mobilização dos milicianos para uma acção de contestação ao Congresso dos Combatentes. Recolheu dezenas de assinaturas, num abaixo-assinado paralelo ao promovido pelos homens do Spínola, entre os oficiais do quadro permanente, e que foi, como se sabe, apresentado no Porto, ao Congresso, pelo então Major Fabião.

O nosso, apesar de enviado ao Congresso, não teve nele, como é óbvio, qualquer relevância, nem tão-pouco na comunicação social, porque a República, jornal para onde também foi remetido, à época muito empenhada em promover contra a ditadura a figura do general Spínola, estava mais interessada em fazer-se eco das posições do General do que das nossas.Estava, porém, dado o primeiro sinal. O Spínola, embora tendo tido conhecimento do que se havia passado, entendeu não agir, certamente por entender que o nosso movimento não contendia directamente com a sua acção, antes de certo modo a complementava. Mas não terá gostado. Por esta altura a luta militar estava ao rubro na Guiné. O PAIGC, na sequência do assassinato de Amílcar Cabral, atacava fortemente as nossas tropas a sul e a norte. No sul, num posto militar avançado, perto da fronteira com a Guiné Conacri, o Comandante encarregado da defesa do fortim de Guilege, perante a intensidade dos ataques, a dificuldade de abastecimento, a proximidade da época das chuvas e a situação de cerco eminente, resolveu retirar-se para um posto mais recuado (Gadamael), salvando assim os seus homens de uma mais que provável carnificina e o exército português de mais uma derrota humilhante. Como as ordens do General eram para aguentar firme, logo a situação foi por ele qualificada como um dos mais graves crimes previstos no Código de Justiça Militar. Em consequência, prendeu o Comandante, enviou-o sob custódia para Bissau e por lá ficou detido no quartel de Engenharia.

O Barros Moura, quando soube do sucedido, arranjou modo de entrar em contacto com o Comandante detido – Major Coutinho e Lima – e propôs-lhe assumir a sua defesa como advogado. Constitui uma equipa, composta pelo Sacadura Botte e por mim (eventualmente por outro colega), que de imediato desencadeou diversas diligências forenses tendentes à libertação do Major. O Spínola, mal teve conhecimento do que se estava a passar, com aquele espírito democrático que sempre caracterizou a sua actuação, ordenou que renunciássemos de imediato a procuração, pois não admitia que “um traidor e um cobarde” – palavras suas – fosse defendido por advogados oriundos das forças armadas. Quando muito, ser-lhe-ia designado um defensor oficioso. As ordens eram terminantes. Ponderámos as consequências – que para mim e para o Sacadura Botte seriam quase nulas, mas para o Barros Moura evidentes – mato e guerra. Mais uma vez o Barros Moura não teve hesitações. Não renunciou. Não renunciámos. Só que ele foi de imediato colocado numa região da Guiné habitada por uma etnia onde o exército português recrutava grande parte dos seus comandos africanos, conhecida pelas suas tendências antropofágicas, e por coleccionar, como troféus de guerra, as cabeças dos inimigos.Felizmente, o Barros Moura regressou inteiro… inteiro e íntegro, tendo sido com exemplos como estes que caminhou até ao fim da sua vida.

Bem hajas, Zé Barros Moura!
JMCPinto

Mensagem enviada à BMRR pelo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Eng. Mário Lino:

A minha convivência com o José Barros Moura foi relativamente curta, cobrindo apenas cerca de doze anos, mais precisamente o período de 1991 a 2003.
É certo que, antes disso, percorremos sempre caminhos muito próximos e do mesmo lado da barricada, seja no movimento estudantil, na luta contra o fascismo e a ditadura ou na militância no PCP.
No movimento estudantil, o facto de eu ter mais cinco anos de idade e de estudar engenharia em Lisboa enquanto ele estudava direito em Coimbra não proporcionou grandes contactos, embora tivéssemos ambos participado intensamente na crise académica de 1964-1965.

Depois do 25 de Abril, a nossa intervenção política e o nosso enquadramento no PCP decorreram em áreas bastante diferentes que também não proporcionaram grandes contactos. Mas já nesse período sempre recolhi as melhores referências sobre o seu carácter íntegro, as suas elevadas qualidades humanas e políticas, a sua inteligência acutilante, a sua grande frontalidade e combatividade na defesa de boas causas, valores e princípios, o seu espírito solidário.
Mas foi em 1991, quando nos envolvemos, juntamente com muitos outros militantes do PCP, no movimento de repulsa contra o golpe reaccionário contra Gorbachov, então apoiado pela Direcção do PCP, e de que resultou o nosso processo de expulsão daquele Partido, juntamente com o Raimundo Narciso e o José Luís Judas, que a nossa convivência e amizade se estreitaram.

Posteriormente, entre 1992 e 1995, estivemos intensamente envolvidos no aprofundamento da reflexão, já há algum tempo iniciada, sobre a experiência histórica do comunismo, e no lançamento e actividade da Plataforma de Esquerda, de que resultou a nossa aproximação ao PS, partido a que viemos a aderir em 1999, juntamente com muitos outros ex-membros do PCP.
Ao longo destes anos, e até ao seu falecimento em 2003, tive a grata oportunidade de privar mais intensamente com o José Barros Moura e de comprovar as suas grandes qualidades de homem íntegro, de cidadão consciente e empenhado e de político sério, esclarecido e determinado, que constituíam um exemplo e um poderoso estímulo para todos os que com ele tinham o privilégio de conviver.
Foi, por isso, com sentida consternação que acompanhei as últimas semanas da sua vida, disfarçada pelas sempre estimulantes e interessadas conversas que tínhamos quando o visitava no hospital onde estava internado, e em que passávamos em revista os factos e acontecimentos mais relevantes da situação política nacional e internacional.
É, por isso, com profunda saudade e admiração que continuo a recordar o José Barros Moura, inegavelmente um homem íntegro e honrado, um grande democrata, um político sempre consequente, e um bom amigo e companheiro.
Mário Lino

2005-04-01

Sistema de comunicações está sob investigação

O texto abaixo foi copiado daqui no Público.
30.03.2005 - 09h53 Mariana Oliveira (PÚBLICO)


O Ministério Público abriu um inquérito ao negócio de mais de 500 milhões de euros relativo ao sistema de comunicações que o ex-ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, e o ex-titular da pasta das Finanças, Bagão Félix, adjudicaram três dias após as legislativas, apurou o PÚBLICO. A abertura do inquérito surge na sequência de uma notícia do PÚBLICO, na qual se revelava que o consórcio vencedor é liderado pela Sociedade Lusa de Negócios, uma holding que detém a Pleiade, uma empresa administrada por Daniel Sanches até integrar o Governo.


Dias Loureiro, antigo ministro da Administração Interna de Cavaco Silva, é administrador não executivo do grupo presidido por Oliveira e Costa, antigo secretário de Estado da Administração Fiscal. O actual Governo está a reavaliar o processo.

A comissão de avaliação responsável por analisar as propostas para a criação deste Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança (SIRESP) - que permitirá a interligação entre as diversas forças policiais, a emergência médica e a protecção civil - obrigou o único consórcio candidato, liderado pela Sociedade Lusa de Negócios, a baixar em cerca de um quarto o preço inicial. Concretamente: o consórcio reduziu aquele valor em mais de 173 milhões de euros, para justificar a parceria público-privada do SIRESP. Em suma, as análises financeiras da comissão concluíram que, se o Estado entrasse só no negócio, poderia poupar cerca de 170 milhões de euros, pelo que forçou a descida do valor da proposta.

Esta descida resulta do cálculo do custo público comparado, uma análise financeira que permite avaliar que gastos teria a administração se optasse por levar a cabo o projecto sozinha. Só assim é que o Estado sabe se será ou não vantajosa uma parceria com os privados. No entanto, segundo o presidente da comissão, almirante Alves Correia, o valor da adjudicação do SIRESP é apenas "ligeiramente inferior" ao valor que o Estado desembolsaria sozinho para criar o sistema, pelo que esta parceria com os privados não será muito vantajosa.

O consórcio - composto pela Sociedade Lusa de Negócio (43 por cento), PT Ventures (30 por cento), Motorola (15 por cento) e Esegur (empresa do grupo Espírito Santo com 12 por cento do capital) - apresentou uma proposta de candidatura de 711 milhões de euros (custo total que o Estado teria de pagar ao longo de 15 anos), o que ultrapassava em cerca de 170 milhões de euros o custo público comparado. Para Alves Correia, este valor era "demasiado caro" face ao pretendido. "Entrámos em negociações para levar o preço do sistema para valores considerados minimamente adequados ao interesse público", sustenta. As negociações duraram mais de um ano e os 711 milhões de euros iniciais baixaram para 538 milhões.

O presidente da comissão alega que preferia ter recebido mais do que uma candidatura e admite que a concorrência poderia ter trazido condições mais vantajosas para o Estado. No entanto, lembra que o facto de haver apenas um candidato - os outros não chegaram a apresentar uma proposta, alegando alguns que tudo estava previamente decidido - não era suficiente para cancelar o concurso. Contesta, porém, a justificação dada por alguns dos desistentes. "As empresas não concorreram, mas não é pelas razões que apresentam", sustenta. O almirante revela que houve uma intenção por parte da comissão em apressar a conclusão dos trabalhos. "Não queríamos que o processo ficasse suspenso à espera de um outro Governo", justifica.