2012-01-24

Raquel Freire uma voz indomável


Este Tempo a última crónica de Raquel Freire, na Antena 1, em que anunciou ter sido demitida pelo Governo.

Porquê? Ora porquê! Porque recusou ser a voz do dono, a voz do Relvas, do Passos Coelho, do governo da Troica, do governo dos banqueiros. Porque as suas crónicas são uma fonte de inspiração a todos os que amam a liberdade e acreditam num mundo diferente. Porque ademais luta contra a resignação, apela à esperança e à combatividade de cada cidadão, apela à revolta. E disso, é claro, o capital financeiro não concorda e os seus empregados demitem, despedem. Até um dia.

Ver aqui o post de Ricardo Santos Pinto no 5 dias.
Ou no JN, a entrevista a Helena Teixeira da Silva.


2012-01-22

Álvaro de Campos: "Cruzou por mim..."


Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
E' estar ao lado da escala social,
E' não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!

Tudo menos importar-me com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
E' ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
E' ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma; sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido

2012-01-21

50º Aniversário da Revolta de Beja: Intervenção de António Louçã

O Movimento Não Apaguem a Memória-NAM em cooperação com a Comissão de Participantes (na revolta) organizou uma sessão comemorativa do 50º aniversário e de homenagem aos heróis de Beja, no dia 14 de Janeiro de 2012, na Biblioteca Museu da República e da Resistência, em Lisboa. A assistência ultrapassou muito a lotação da sala e as intervenções couberam aos historiadores Irene Pimentel e António Louçã e ao coronel Carlos Matos Gomes.
Intervenção do historiador António Louçã: 

"Agradeço às pessoas presentes o interesse pelo tema, que sa fez deslocarem-se aqui nesta tarde de sábado. Aos participantes da Revolta de Beja não agradeço que se tenham levantado em armas contra a ditadura salazarista, porque não procuravam gratidão - procuravam apenas fazer o que era preciso e esse “apenas” era muito. Para alguns foi tudo: o sacrifício de si próprios e de familiares seus, dos confortos, das carreiras, da liberdade e até da vida. E continuam hoje, os vinte e três subscritores do comunicado evocativo da Revolta, a dar testemunho contra esta voragem neo-liberal que ameaça as gerações vindouras.

Valha esta referência como declaração de intenções. O historiador, o jornalista, o investigador ou o estudioso, segundo a amável apresentação do Raimundo Narciso, ao debruçar-se sobre uma iniciativa da envergadura que teve a Revolta de Beja, não pode deixar de vibrar com ela e de tomar partido. Eu, partidário dos insurrectos, me confesso e declaro desde já este parti pris.

Agradeço à associação “Não Apaguem a Memória” o convite para participar nesta comemoração. No nome da associação vai toda uma intenção programática.

A memória, desde logo, é apagada ou adulterada neste regime de pensamento único em que hoje vivemos. No Chile, é agora doutrina oficial que não houve uma ditadura, e sim um “regime militar”. Em Portugal, nega-se a resistência e, como não há esquecimento quimicamente puro e a natureza tem horror ao vazio, logo se promove alguma interpretação distorcida da História para preencher o vácuo laboriosamente criado. Quem apaga uma memória está a instalar, no seu lugar, uma memória diferente. Quem apaga a memória do Veiga Simão, ministro dos gorilas, pretende erguer uma estátua ao Veiga Simão, reformador da educação. E era isso que fazia, aqui há uma semana, um texto de Barbara Wong no Público, apresentando o ministro da ditadura como autor de uma “tentativa de democratização da escola”, interrompida – adivinhem – pelo 25 de Abril. O 25 de Abril interrompeu a “democratização da escola”.

Também em ambiente académico se omite ou branqueia. Duas obras históricas, de referência, das mais importantes que foram publicadas nos últimos tempos, ilustram esta constatação. A biografia de Filipe Ribeiro de Menezes sobre Salazar, documentada, exaustiva, académica para o melhor e para o menos bom, apenas se refere brevemente à Revolta de Beja pelo ângulo das reacções e comportamentos do ditador: foi acordado, foi à missa de corpo presente pelo subsecretário do Exército, quis investigar um carácter cripto-comunista da revolta. Não custa a crer na obsessão de Salazar com o PCP, embora uma observação atenta do seu comportamento também pudesse ter notado que a Revolta lhe fez perder a fala e que a mensagem de 3 de Janeiro na AN teve de ser lida pelo seu fiel Mário de Figueiredo. O próprio Salazar confessava, aliás, que a mudez não se devia apenas à tomada de Goa, como depois ficou estabelecido na historiografia oficial, mas aos “acontecimentos dos últimos dias”.

A parte de Rui Ramos na História de Portugal refere-se ainda mais brevemente à Revolta de Beja, e apenas pelo ângulo da intervenção de Delgado. A melhor forma de fazer esquecer um acontecimento é o silêncio. E se o silêncio total é demasiado gritante numa obra com as pretensões desta que assina Ramos, então refere-se a Revolta de Beja, apenas como nota de rodapé para um outro tema, que é a humilhação infligida à Pide por Delgado (entrou e saiu do país, fez-se fotografar em frente do Diário de Notícias, foi a Beja).

Ao negacionismo subtil daquele historiador militante, junta-se o negacionismo grosseiro de um poder judicial herdeiro dos Tribunais Plenários. E assim vemos o mesmo Estado que reconstituiu integralmente as carreiras dos pides e lhes paga pensões de reforma sem qualquer beliscadura, a negar o “envolvimento na resistência à ditadura” de um Peralta Bação, com os seus quatro anos de prisão na sequência da Revolta de Beja. A doutrina oficial é, portanto, sancionada por obras com chancela académica e por sentenças com sinete judicial.

Mas uma das marcas de água do negacionismo está em baixar o nível do debate. E por isso devemos desembaraçar-nos dele e reflectir sobre o lugar da Revolta de Beja na História. Respondia essa revolta a um problema específico ou dava corpo a dilemas universais, recorrentes em toda a acção revolucionária?

Num acontecimento de envergadura histórica, como foi a Revolta de Beja, sempre se pode encontrar traços característicos, teimosamente repetidos em todas as grandes encruzilhadas da sociedade contemporânea. A Revolta de Beja não foi um capricho de uma centena de indivíduos – e já seriam demasiados para capricharem todos ao mesmo tempo e todos para o mesmo lado. Ela inseriu-se num fluxo, ou processo, de massas que vinha ao menos da campanha eleitoral de 1958. Os participantes tinham vivido a fraude eleitoral desse ano, alguns deles, operários na sua maioria, tinham vivido uma busca de alternativas por parte da classe trabalhadora que, após ser defraudada nas urnas, se lançara numa imponente vaga de greves contra a ditadura. O esmorecer desse movimento grevista, por falta de direcção, e por uma série de factores que agora não vêm ao caso, deixou esse amargo de boca e essa apetência por novas soluções que só podiam encontrar-se em algum tipo de acção directa.

O ano de 1961 tinha tudo para manter acesa a chama revolucionária. A nível mundial, foi um ano de violentos confrontos com o imperialismo. Depois de ser militarmente derrotado no Vietname, o imperialismo francês foi politicamente derrotado na Argélia. Num momento de superioridade sobre as forças argelinas, De Gaulle teve a lucidez de entender que a colonização estava condenada e mais lhe valia negociar enquanto estivesse em posição de força. Daí resultou o referendo de Janeiro de 1961, que abriu caminho à independência argelina.

A uma escala diferente, a ditadura de Salazar também estava no centro de uma efervescência sem precedente. Habitualmente, 1961 é considerado o seu annus horribilis. Em Janeiro, tomada do Santa Maria; em Fevereiro, começo da guerra colonial em Luanda; em Março, massacres da UPA no norte de Angola; em Novembro, campanha eleitoral com eco de massas considerável; finalmente, em Dezembro, tomada de Goa, Damão e Diu pela União Indiana.

Ora a designação do ano e a enumeração de desaires políticos sugere um quadro de facilidades irreal. A nível global, o imperialismo norte-americano não se dava por vencido. No mês de Janeiro, era a sua mão que estava por trás do assassínio de Lumumba, no Congo. Em Abril apadrinhava e apoiava a invasão de Cuba, derrotada na Baía dos Porcos. Em Maio, impulsionava o golpe militar de Park Chung Hee, na Coreia do Sul. Passados alguns meses, em Dezembro, oficializava a sua escalada no Vietname: para já, era um movimento ofensivo, embora acabasse por conduzi-lo à sua maior derrota histórica.

Tal como o império norte-americano contra-atacava, também a ditadura portuguesa, à sua escala, se defendia com unhas e dentes. Os trabalhadores da Baixa do Cassange eram brutalmente reprimidos e mesmo bombardeados com napalm. Ao 4 de Fevereiro seguiam-se os massacres nos musseques de Luanda. Os massacres da UPA davam o sinal para uma contra-ofensiva política e militar em larga escala.

A intoxicação propagandística não falhou o alvo. A velha oposição era colocada entre a determinação de lutar pelo restabelecimento de valores republicanos ou pela tradição colonialista que também tinha existido, entre outras, na Primeira República. Um sopro de união sagrada sentiu-se numa parte da oposição burguesa: não seria a defesa da pátria mais urgente do que o derrubamento da ditadura? Mesmo o protagonista da tomada do Santa Maria e do desvio do avião da TAP, Henrique Galvão, fez causa comum com a odiada ditadura salazarista para repudiar o restabelecimento da soberania indiana em Goa.

Perante este quadro, que orientação devia adoptar-se? Seria de preparar melhores condições para um levantamento? Ou seria de passar imediatamente à acção? Este é um dilema clássico da acção revolucionária. Um certo objectivismo marxista distinguiu-se pela sua elevada exigência sobre a maturação das condições. A certa altura, a exigência era tanta que sempre se considerava faltar alguma condição essencial. E, no momento da verdade, os marxistas da escola de Plekhanov sentenciavam que era “um erro” pegar em armas. A iniciativa revolucionária passava a ser, para eles, invariavelmente uma prova de “blanquismo”. E, na verdade, Blanqui, com toda a sua exemplaridade, tinha estado na origem de vários fracassos ao longo do século XIX.

Mas o voluntarismo blanquista, tantas vezes inadequado, era noutras ocasiões indispensável para forçar um desenlace e impedir que apodrecessem condições já sobejamente amadurecidas. Disso tinha plena consciência Thiers, ao recusar a troca de mais de 70 prisioneiros da Comuna por um só prisioneiro em mãos dos versalheses: o próprio Auguste Blanqui (que isso equivaleria a oferecer à Comuna todo um regimento, explicou na altura Thiers). Alguma coisa desse suposto blanquismo existia também em Lenine, que a partir das Jornadas de Julho insistiu contra Zinoviev e Kamenev na necessidade de “marcar uma data” para a insurreição.

O mesmo ingrediente blanquista que nas mãos de Lenine foi ferramenta de vitória encontra-se presente em vários fracassos posteriores. Na Alemanha, em Março de 1921, “marcou-se a data”, contra todos os mandamentos do bom senso e avançou-se desse modo para um fiasco. No Outono de 1923, tentou-se “marcar a data”, mas os potenciais insurrectos recuaram no último instante. Em 1953, Fidel e Raul Castro marcaram a data e atacaram o Quartel de Moncada – sem êxito. Mas os insurrectos de Beja podiam ter presente a vitória do Ejército Rebelde, fazia então exactamente três anos. Apesar de tudo, Moncada tinha valido a pena ou, pelo menos, não tinha deitado tudo a perder.

O dilema de preparar as condições ou tomar a iniciativa manifesta-se também na forma de lidar com o problema da guerra. Deve a revolução antecipar-se à guerra? Ou será a guerra a parteira da revolução? Na mesma Rússia czarista, chegara a haver a expectativa de que a grande vaga de greves de 1914 derrubasse a autocracia antes de esta entrar na guerra. Nesse cenário, o país seria poupado à fome, às privações de todo o tipo e a milhares de mortes. Mas a embriaguez chauvinista da guerra veio precisamente cortar o fio da revolução e adiar por mais três anos o confronto decisivo com o czarismo. Em 1962, uma revolta bem sucedida em Beja, e depois no resto do pais, teria poupado as colónias portuguesas a perdas humanas e materiais incalculáveis e teria poupado a metrópole colonial a mais de 9.000 mortos – um número mais pesado, tendo em conta o tamanho do país, que as perdas dos EUA no Vietname. Mas ao fim de um ano de guerra, ainda concentrada numa só colónia, a ditadura tinha conseguido retomar o terreno perdido. Já podia agitar o espantalho da descolonização e ainda não era chamada a responder pelo preço da guerra.

A primeira madrugada de 1962, uma data marcada pelo imperativo categórico de poupar milhares de vidas, era, ao contrário do que sugere o rótulo do annus horribilis, o momento em que os insurrectos teriam de enfrentar a mais adversa das marés. Tomaram a decisão obedecendo a um elevado sentido de dever revolucionário – contra ventos e marés, como titula a recente biografia de Maria Eugénia Varela Gomes. Como em Moncada, o sacrifício dos seus mortos, feridos, torturados e condenados não foi inútil. Entre o ensaio geral de Janeiro de 1962 e a acção vitoriosa de Abril de 1974 decorreram os mesmos doze anos que entre o ensaio geral de 1905 e a revolução russa de Fevereiro. Aqueles que vivemos a revolução vitoriosa no limiar da nossa vida adulta temos essa dívida para com os insurrectos de Beja.

2012-01-01

Salvem oa cidadãos antes dos bancos


James K. Galbraith e Aurore Lacq em  Le Monde 2011-12-13 
 [La crise de la zone euro est une crise bancaire qui a pris la forme d'une série de crises des dettes souveraines. Une crise aggravée par des idées économiques réactionnaires, une architecture défectueuse et un climat politique toxique. Comme la crise américaine, elle est le fruit de ...]

(tradução)

A crise da zona euro é uma crise bancária que assumiu a forma de uma série de crises de dívida soberana. Uma crise agravada pelas ideias reaccionárias em economia, por uma arquitectura com falhas e um clima político tóxico. Como a crise americana, é o resultado de empréstimos laxistas destinados a mutuários de fracos rendimentos: a habitação em Espanha, o imobiliário comercial na Irlanda, o sector público na Grécia. Os bancos europeus beneficiaram com os efeitos de alavancagem oferecidos pelos activos tóxicos americanos.

Quando os países entraram em colapso, os bancos decidiram livrar-se das obrigações dos Estados mais frágeis em benefício dos países mais fortes para preservarem a sua rentabilidade, o que mergulhou a União Europeia na crise.

Neste tipo de crise, o primeiro reflexo dos bancos é o de fingir surpresa antes de culparem os seus clientes pela sua imprudência ou até mesmo pelo seu engano. Isto esconde o fato de que durante muito tempo os banqueiros concederam empréstimos com demasiada facilidade, com a intenção de embolsarem óptimas comissões. Esta estratégia dos bancos funciona muito melhor na Europa que os Estados Unidos, devido às fronteiras nacionais que separam devedores dos credores e às ligações entre os dirigentes políticos e os grandes bancos nacionais que de repente nem sequer hesitem em difundir estereótipos racistas.

Na base deste poder bancário, há uma corrente de pensamento e de políticos que consideram os excedentes como um sinal de virtude e consideram os défices como sendo um sinal de vício, um fetiche da desregulamentação, das privatizações e dos ajustamentos pelo mercado. O norte da Europa realmente tem esquecido que a integração económica tem sempre como seu efeito a concentração da indústria nas regiões mais ricas.

A Alemanha e a França estão agora armados em professores face aos países endividados: rigor salarial, cortes orçamentais. Lições que se tornaram as injunções do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu (BCE): os novos pobres endividados já não vivem numa democracia.

A arquitectura da zona euro agrava a crise de duas maneiras: primeiro, os fundos estruturais são demasiado fracos para corrigir as desigualdades regionais e os seus pagamentos estão bloqueados, porque as condições de co-financiamento são difíceis de preencher. Faltam também os mecanismos inter-regionais de redistribuição para as famílias, como aqueles que são criados nos Estados Unidos: reformas, Medicare, Medicaid, etc.

Em seguida, o BCE recusa-se a resolver esta crise através da compra de títulos dos países fragilizados – em nome do princípio segundo o qual ajudar estes Estados é estar a incentivá-los a endividarem-se, um argumento reforçada pelos temores de inflação. A zona euro, portanto, preferiu lançar-se na criação de um gigantesco CDO (títulos de dívida colateralizados - Collateralized Debt Obligation) que é o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira.

No entanto, existem soluções técnicas, por exemplo a "modesta proposta" de Yanis Varoufakis (Professor de economia, Universidade de Atenas) e de Stuart Holland (antigo parlamentar britânico e professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra) que sugere converter até 60% do PIB da dívida de cada um dos países da zona do euro em títulos europeus emitidos pelo BCE, de recapitalizar e de europeizar o sistema bancário e de lançar um New Deal com o Banco Europeu de Investimento. Pode se também pensar em estabelecer um direito de falência nacional (Raffer. Kunibert), em fazer do BCE um "grupo público para o serviço de interesse geral e do desenvolvimento" como a Caisse de dépôts (Thomas Palley) ou um imposto sobre os lucros dos bancos (Jan Toporowski).

Destas boas ideias nenhuma será posta em prática. Porque na Europa, os termos do debate são completamente fechados, às novas ideias, enquanto a sobrevivência política assenta na capacidade de " arrumar a casa" quanto às contas públicas. Tudo é feito para não enfrentar a realidade: a crise bancária. Cada reunião europeia conduz à adopção de submedidas pérfidas e de verdadeiras fugas para a frente. Quanto ao destino dos países mais fracos, é melhor ser considerado como dano colateral, ou mesmo como um mal necessário.

A Grécia e a Irlanda estão em vias de ficarem destruídos. Portugal e a Espanha estão em farrapos, a crise propaga-se à Itália e a França debate-se para tentar retardar a perda do seu AAA. Se houvesse uma forma simples de sair do euro, a Grécia já o teria feito. O único país que poderia optar por esta via é a Alemanha.

Para os outros, trata-se de escolher entre o cancro ou um ataque cardíaco, a menos que haja uma mudança radical na Europa do Norte mas dado que nenhum dos partidos socialistas alemão ou francês está em condições de aceder ao poder , estes não parecem estar em condições de ser capaz de a fornecer. Então, caminha-se para uma explosão social, acompanhada de um pânico financeiro e de um retorno inexorável de emigração. Resta apenas poder contar com a capacidade dos cidadãos europeus em se defenderem.

Não façam o mesmo erro histórico do que nós. Quando os Estados Unidos decidiram intervir no Iraque, a velha Europa não hesitou em dizer que o nosso país cometia um erro. Isto foi um alívio para os adversários da guerra, mas foi uma afronta para o governo. Hoje, é um americano da velha América, um americano da guerra civil, um americano do New Deal, que tenta dizer aos seus amigos europeus que eles estão a cometer um erro histórico ao recusarem-se a ouvir ideias de bom senso que consistem em fazerem, na verdade, rapidamente frente a uma situação excepcional.