2004-07-20

Um Pouco Mais de Razão

Post de Rui Carreteiro no Puxapalavra em 2004-07-11 que devido à extensão continua aqui. (Em itálico o que está publicado no PUXAPALVRA)

Das sempre fascinantes conversas com o Raimundo Narciso, as que mais me deixam lastro para meditar são sem dúvida as notáveis lições de História. Na voragem do imediato, os tempos não são de olhar para trás, é verdade. Mas é pena. Por mim, não consigo evitar que me venha constantemente à memória a Primavera de 1987. Após a aprovação da Moção de Censura apresentada pelo bizarro PRD, Soares decide convocar as eleições antecipadas que a 19 de Julho dão a primeira maioria absoluta de mandatos, mas também de votos, ao PSD de Cavaco. Tive a minha primeira zanga séria com o meu grande referencial político. Então o homem é eleito após a mais sangrenta batalha à esquerda e o embate mais decisivo contra a direita(só 12 anos após o 25 e Abril) e passado apenas um ano não dá hipótese à esquerda de formar um governo liderado pelo seu partido?! Alguns amigos falaram-me até de um conflito edipiano. Custou a sarar aquela ferida. Mas o que não nos mata, torna-nos mais fortes.
Dito isto, pensarão que apoio a decisão de


Sampaio. Enganam-se e de que maneira, mas já lá vamos. O que gostaria de ver era um pouco mais de racionalidade na reacção à decisão do PR. Eu que abomino o pragmatismo interesseiro da nossa direita, não posso contudo deixar de lhe admirar a eficácia. Compreendo e até apoio em parte a decisão de Ferro. Há necessariamente muito de visceralmente pessoal numa liderança. E Ferro pessoalmente deu-se à luta além de todos os limites individualmente razoáveis. Outros há muito que teriam desertado. Mesmo no abandono foi fiel à sua coragem e à convicção. Coisa que rareia cada vez mais. Já a excomunhão a que se dedicaram outros altos dirigentes do PS e da esquerda em geral, e não só, renegando o Presidente que elegeram, me parece manifestamente exagerada. Mesmo discordando em absoluto, e já verão o quanto, a decisão está tomada e é irrevogável, Sampaio continuará a ser PR e parte do património do País, da esquerda e do PS. O PS tem de combater os 3 PPs(os dois partidos populares, o Pedro e o Paulo) e não o PR. A raiva só é válida se transformada em energia para a luta.
A esquerda portuguesa é de uma auto-exigência infantil. Entretanto, a direita governa ou no mínimo leva a sua avante(Recordam-se da oposição de Marcelo?)Não me agrada nada concordar com Pacheco Pereira, sobretudo porque na maior parte das vezes discordo radicalmente. Mas o que tem dito sobre esta crise é infelizmente muito acertado. De facto, ainda nem sequer se sabia se haveria eleições e já o PS hesitava sobre a política de alianças pré e pós-eleitorais, o Bloco armava-se em guardião da moral e da virtude e o PC esforçava-se por dizer que existia. À direita, Santana era um anjo, Portas fidelíssimo e Ferreira Leite renegava as suas convicções. Gostava de acreditar que Sampaio não terá tido estes dados em conta, mas em nome da lucidez não posso.
Respeito e até compreendo a decisão do Presidente, mas, sobretudo na forma, tenho de a contestar. Sampaio hesita e gosta de ponderar, é genético. Mas bastar-lhe-ia evocar a Constituição, a prática europeia e a estabilidade. Tremulente, optou por fazer umas considerações sobre a fidelidade ao Programa Eleitoral e ao rumo do Governo cessante. Tretas! Ora não renegou Durão o famoso choque fiscal? Não traiu o compromisso assumido com os portugueses? Votaram os eleitores do PSD na aliança com o PP? Sampaio comprometeu-se com uma solução sobre a qual tem as maiores dúvidas. Compromissos com estes 3ps?!Amarrou-se inexoravelmente. Ainda mais quando jurou obrigá-los a cumprir o Programa de Governo, lhes condiciona a escolha dos ministros e ameaça com o poder de dissolução. A autoridade não se anuncia, exerce-se. Se esta solução falhar, sendo as probabilidades e as variáveis que para aí concorrem esmagadoras, Sampaio terá de assumir o falhanço clamoroso no seu final de mandato. E então, por muito que me doa dize-lo, mas também acreditem que hesitei e ponderei, só lhe resta uma atitude digna. Ou seja, fazer história, demitindo-se. Há talvez contudo um inseperado efeito desta errada decisão que porventura o salvará. Mas lá iremos.
Ainda Pacheco Pereira. Tem infelizmente também toda a razão quando diz que os próximos tempos acentuarão uma tendência que se verifica desde os últimos meses de Guterres como PM. Isto é, a radicalização do combate político, a extremização do discurso e o consequente apagamento do centro. Pergunta simples: europeísta convicto como sou, acreditam ser possível fazer campanha a favor da Constituição Europeia ao lado dos 3ps? Sampaio já disse que faz campanha pelo sim. Haja alguém! Acontece que, sendo de esquerda, sou de centro-esquerda. Eu e apenas mais uns quantos milhões que decidem eleições, coisa pouca... Tem o PS agora uma oportunidade de ouro para, como fez ao escolher Sousa Franco para cabeça de lista nas Europeias, reconquistar o centro político vital para as vitórias eleitorais. Com o encostar do PSD ainda mais à direita com Santana e com o descalabro expectável, pode até atingir um nível de apoio inimaginável.
É por isso que, apesar do sebastianismo parolo e da preocupação com o trabalho de base partidário(Volta em Força, Jorge Coelho!), ainda assim, eu e mais os muitos milhões do tão mal-amado centro anseiam para que IMEDIATAMENTE um homem assuma as rédeas do PS e se torne rapidamente Primeiro-Ministro. António Vitorino, pois claro!
Escrevendo direito por linhas muito tortas, talvez Sampaio ainda consiga o que Soares conseguiu na despedida de Belém. Em 2006 eu acredito que será o ano dos Antónios. Vitorino PM, Guterres Presidente. Querem apostar? Redimir-se-á assim Sampaio, quiçá.
O diálogo à esquerda de que falava no meu anterior post? Pois esfumou-se entre a arrogância imberbe do Louçã, o delírio fantasista do Carvalhas e a decisão de Sampaio, apesar do esforço titânico de Ferro. É pena dizer isto poucas horas após a morte de Pintasilgo, essa mulher que tinha o dom de nos fazer acreditar em todas as quimeras. Mas, infelizmente, como lhe disse Soares no memorável debate de 1986, a política não é o país das maravilhas. Não é mesmo, é apenas a humana arte do possível. Há é possíveis preferíveis a outros.

# posted by Rui Carreteiro @ 1:57 AM 1 comments

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