Post de Raimundo Narciso publicado no Puxa Palavra em 2004-07-11
A parte não publicada no PUXA PALAVRA está aqui a seguir à que se apresenta em itálico.
Terá Sampaio pensado que após uma muito provável vitória do PS em eleições antecipadas não estaria este partido, devido à crise de liderança, em condições de governar bem o país nos próximos quatro anos e portanto preferir um Governo de dois anos de Santana-Portas como um mal menor?
Era uma razão, má porque muito subjectiva àcerca do PS e imprudente àcerca do direita populista, mas enfim era uma explicação para, como Presidente eleito, ter actuado contra a manifesta vontade de quem o elegeu e também de alguns que não votaram nele.
Mas julgo que a razão foi outra. A razão está na sua acanhada interpretação do papel do PR no quadro Constitucional português e no seu estilo pouco voluntarioso. Sampaio tem uma concepção
reducionista do papel político do PR. Concepção tendente a valorizar o carácter parlamentarista do regime em detrimento dos efectivos poderes de um presidente eleito pelo sufrágio popular. E revela pouca apetência para exercer os seus poderes quando isso implica o confronto. Tão lúdico, para alguns, como Soares!
Pela primeira vez Sampaio, em oito anos e meio de presidência, é confrontado com a oportunidade (para ele talvez a contrariedade)de usar os seus plenos poderes para intervir e tomar uma decisão que a situação do país dele exigia. E que faz Sampaio? Leva as mãos à cabeça, consulta durante quinze dias um rol infindável de gente (sinal evidente de dificuldade na capacidade de decisão) cria expectativas contraditórias e debabafa para o país dramaticamente que o momento é dos mais difíceis de toda a sua magistratura.
Ora bolas. Momento difícil mas normal, próprio, expectável, nas funções de qualquer Presidente da República. Deveria estar feliz por finalmemte poder dar alguma valia à sua presidencial figura e aos votos que recolheu dos Portugueses.
Sampaio decidiu da forma que mais lhe poupava a decisão. Decidiu o mínimo que era possível decidir. Que se encontre a solução na Assembleia da República e lhe poupem a tremenda responsabilidade de ter de ser ele a decidir! Como para quem o ideal era mesmo não ter de decidir nada. Talvez a abulia lhe saia cara e lhe custe um fim de mandato em desassossego.
Depois há outra questão em que seria bom meditar. O Presidente é o Presidente de todos os Portugueses?
Isto é um logro para não lhe chamar uma vigarice. É Presidente de todos os Portugueses num conjunto de funções de representação nacional bem definidas na Constituição e que obviamente não é necessário nem conveniente sublinhar (não se sublinha o óbvio)e é Presidente desta ou daquela parte dos Portugueses, em certas situações políticas, de forma exclusiva, no sentido de tomar decisões políticas favoráveis a esta ou àquela parte dos Portugueses. É por isso que os Portugueses votam para eleger este ou aquele Senhor com opções políticas diferentes ou opostas para Presidente. Se uma vez eleito fosse o Presidente de todos os Portuguese de forma absoluta, seria a Rainha de Inglaterra e dispensava-se o trabalho de o eleger. Sendo eleito não tem o dever, como parece que Sampaio julga ter, de se mostrar isento relativamente ao seu eleitorado e ao que se lhe opôs. Ao contrário, tem o dever de agir, nos casos de opção política que lhe estão reservados na Constituição, de acordo com quem o elegeu, sob pena de frustrar ou esvaziar de significado o acto eleitoral ou denegar quem o fez presidente.
# posted by Raimundo Narciso @ 2:19 AM 2 comments
Comentários: (também presentes no Puxa Palavra)
Comments:
Aduziria um ponto que não é dispiciente, Raimundo.
Já comentei lá mais para baixo (a quente e com linguagem pontualmente brejeira) essa visão minimalista da presidência, e a nossa praxis minimalista da cidadania, perante instituições-pessoas como o PR.
Mas acontece também que o discurso presidencial tem, nestos últimos oito anos e meio, uma outra linha de força: o permanente apelo à participação e envolvimento democráticos dos cidadãos, à sua responsabilização e tomada em mãos do futuro do país.
A incongruência é evidente; as consequências dela (para além da descredibilização do próprio JS) são contudo mais marcantes e essenciais.
Não sei qual a eficácia prática dessa repetida linha de discurso do JS, embora a suspeite muito reduzida. Não obstante, é das poucas ou a única coisa que, até anteontem, o tal de cidadão comum compreendia e sabia existir no discurso presidencial.
Neste quadro, da incongruência entre discurso e decisão do JS resulta necessariamente a descredibilização e esvaziamento do primeiro (e dos seus eventuais efeitos motivadores e mobilizadores), a descrebilização da participação e responsabilidade democráticas. E uma nova "prova" (envolvendo agora o JS) da batida frase popular "os políticos são todos iguais", neste caso na sua variante de "todos uns aldrabões" e tendo como corolário "não vale a pena votar" - quanto mais participar para lá do voto.
Para além das consequências políticas directas e imediatas, esta decisão matou anos de pedagogia democrática que pressuponho sincera. Matou, com ela, o que positivo se pudesse descortinar em dois mandatos presidenciais.
Paulo Granjo
# posted by Anonymous : 11:50 AM
Acho que tens razão Paulo. Quando ouvi o Durão Barroso, nos primórdios da crise, dizer que o Sampaio o tinha felicitado considerei que ou o PR disse isso num contexto em que fal felicitação adquiriria outro significado ou então a atitude era grave e não teríamos PR à altura das circunstâncias. Quando DB acrescentou há 15 dias atrás que saiu da reunião com Sampaio convicto de q o PR não convocaria eleições pensei o pior. Mais recentemente Durão reafirmou com ênfase que saiu de Belém profundamente convicto de q o PR não convocava eleições. Depois Jorge Sampaio ao tomar a decisão q tomou só posso entender todo este suspense como uma tentativa canhestra para justificar o compromisso que insensatamente assumira com Barroso. Andei muito tempo sem querer dizer isto receando q era um desprimoroso juizo de intensões. Mas agora que tanta gente o diz...olha também o digo.
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