2004-07-23

Carlos Paredes Morreu. Biografia e notícias.

Três artigos com biografia e testemunhos: 

1) Calou-se a guitarra com dedos de homem
2) Morreu Carlos Paredes
3) Morreu Carlos Paredes «Chorai, guitarras chorai».

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1) Calou-se a guitarra com dedos de homem
Carlos Paredes morreu vítima de doença prolongada
Artigo de João Almeida, jornalista SIC in
:
http://sic.sapo.pt/index.php?article=4127&visual=3&area_id=6#

Morreu Carlos Paredes. O mago da guitarra portuguesa foi vítima de doença prolongada. O homem que Amália considerava um monumento nacional, tinha 79 anos. A SIC Online relembra aqui o perfil do grande guitarrista.
SIC
Não é por acaso que os amigos de Carlos Paredes se referem a ele com certas palavras... como se estivessem combinados. Sobre o homem e sobre a música, é unânime o espanto no momento em que o escutaram pela primeira vez. O jornalista José Carlos Vasconcelos ouviu-o no Teatro Avenida em Coimbra: "Foi um choque para mim como para toda a gente. Todo ele era nervos, emoção, coração. Parecia que tinha mil dedos!" O técnico de som da Valentim de Carvalho, Hugo Baptista, também não queria crer no som que saltava da guitarra de Carlos Paredes no momento de gravar um disco: "Eu ouvia-o e pensava: mas como é que é possível? Eu não percebia como é que ele tirava da guitarra aquele som todo... era a força com que ele tocava, e nem lhe saía uma nota desafinada. Era extraordinário!" Carlos Paredes compôs o primeiro tema de referência, "Movimento Perpétuo", quando tinha 11 anos, em 1936. Muito depois, em 1958, é preso pela PIDE, acusado de pertencer ao Partido Comunista, e passa um ano e meio em Caxias. Um dos companheiros de cela, Severiano Falcão ainda hoje recorda os dias e dias seguidos em que Carlos Paredes percorria a cela, dum lado para o outro, fazendo gestos como se tivesse uma guitarra na mão, enquanto explicava: "Ando a compor música! Por isso é que eles dizem que eu sou maluco!" Paredes, contudo, não gostava de falar dos tempos em que esteve preso. Dizia que não era relevante porque outros tinham sofrido mais do que ele. Depois do 25 de Abril foi reintegrado no Hospital de São José, onde trabalhava numa sala como mero arquivista de radiografias. Uma das ex-colegas, Rosa Semião, recorda-se da mágoa do guitarrista devido à denúncia de que foi alvo, a partir dos desenhos e dos escritos que escondia na secretária do gabinete de trabalho, e onde criticava o regime do Estado Novo: "Para ele foi uma traição, ter sido denunciado por um colega de trabalho do hospital. E contudo, mais tarde, ao cruzar-se com um dos homens que o denunciou, não deixou de o cumprimentar, revelando uma enorme capacidade de perdoar!" O carácter do músico, por outro lado, era rigoroso. Paredes quase nunca se separava da guitarra. Quando, certa vez, isso aconteceu, durante uma viagem aos Estados Unidos, devido ao atraso do avião que era suposto transportar o instrumento, o guitarrista desabafou com o amigo e jornalista José Carlos Vasconcelos: "Fiquei de tal modo transtornado que cheguei a pensar matar-me!" No prisma musical, Paredes conferiu à guitarra, tradicionalmente tida, apenas, como mero instrumento de acompanhamento, um estatuto de primeira grandeza, objecto de concertos executados por ele mesmo um pouco por todo o mundo: na Ópera de Frankfurt, no Olympia de Paris, no Japão... um perfil cosmopolita particularmente inesperado da parte dum simples arquivista que nunca deixou de se considerar funcionário público. Certa vez perguntaram-lhe porque razão não se dedicava exclusivamente à guitarra. Carlos Paredes respondeu: "Porque gosto demasiado da música para viver às custas dela". Um músico que, antes de adoecer, escolheu o seu próprio epitáfio: "Aquilo de que eu gostava, realmente, era que, se alguém ouvisse um disco meu, daqui a muitos anos, pensasse que eu tinha conseguido retratar, de algum modo, esse tempo."

 
Do Jornal de Notícias edição digital, in:
http://jn.sapo.pt/2004/07/23/ultimas/sexparedes.html

2) Morreu Carlos Paredes

O mestre da guitarra portuguesa Carlos Paredes morreu com "a tranquilidade de quem sabe que está com a missão cumprida", disse hoje à agência Lusa Luísa Amaro, companheira de Paredes desde há 20 anos. Pai de seis filhos, Carlos Paredes padecia de doença degenerativa que o deixou acamado durante 11 anos, acabando por morrer às 5:45 de hoje, dois dias depois de um dos rins ter deixado de funcionar."Chegou ao ponto em que o organismo não podia dar mais. Anteontem um dos rins deixou de funcionar", afirmou a companheira de Paredes, que desde 1983 o acompanhou à guitarra clássica."Portugal teve no Carlos Paredes a genialidade, sensibilidade, poder de composição, uma belíssima técnica, e interpretação. Ele cumpriu os pontos que tinha a cumprir nesta passagem pela terra", disse Luísa Amaro.Era um homem "muito bom e muito simples", que deu uma contribuição muito grande para a cultura portuguesa, disse Luísa Amaro, adiantando que quem ouve a música de Carlos Paredes reconhece-a de imediato.Há 10 anos que deixou de produzir obra, mas ao longo deste período a sua música ajudou a caminhar para a frente a nova geração de músicos, que lhe dedicou muita coisa, disse Luísa Amaro.Lutador pela liberdade e pela democracia, o génio da música portuguesa foi preso pela PIDE, que o manteve enclausurado durante dois anos.
O corpo de Carlos Paredes estará em câmara ardente na Basílica da Estrela, desconhecendo-se para já a hora e o local do enterr.O mestre da guitarra portuguesa Carlos Paredes morreu hoje às 6:00 aos 79 anos, em Lisboa, após doença prolongada, disse à agência Lusa uma fonte da Fundação-Lar Nossa Senhora da Saúde, onde o compositor estava internado.
Carlos Paredes nasceu em Coimbra a 16 de Fevereiro de 1925, tendo dedicado quase toda a sua vida à guitarra portuguesa.Filho e neto dos guitarristas Artur e Gonçalo Paredes, Carlos Paredes começou a estudar guitarra portuguesa aos quatro anos, aprendendo a tocar com o pai, apesar de a mãe querer que estudasse piano.Em 1934, com nove anos, muda-se para Lisboa com a família, onde em 1957 grava o seu primeiro disco, a que chamou simplesmente "Carlos Paredes". Três anos depois a sua música é utilizada como banda sonora no filme "Rendas de Metais Preciosos", de Cândido da Costa Pinto.Pelo caminho compõe a banda sonora de outros filmes, como "Verdes Anos", de Paulo Rocha, em 1962, "Fado Corrido", de Jorge Brum do Canto, em 1964, e a de "As pinturas do meu irmão Júlio", em 1965.Em 1967, edita "Guitarra Portuguesa", o seu primeiro álbum, com Fernando Alvim à viola, e no ano seguinte "Romance Nº 2", "Fantasia", "Porto Santo" e "Guitarra Portuguesa".Três anos depois, em 1971, grava o disco "Movimento Perpétuo".Na altura da revolução dos cravos, durante e após Abril de 1974, toca em diversos pontos do país, só voltando a editar um disco em 1987, quando saiu "Espelho de Sons".No entanto, em 1975 edita "É preciso um país", poemas lidos por Manuel Alegre acompanhados à guitarra por Carlos Paredes.Até à década de 90 conciliou a guitarra com a sua actividade como administrativo no Hospital de São José, Lisboa."As pessoas gostam de me ouvir tocar guitarra, a coisa agrada-lhes e eles aderem. Não há mais nada", disse ao Público em Março de 1990.Em Dezembro de 1993 é-lhe diagnosticada uma mielopatia, doença que lhe atacou a estrutura óssea e que o impediu de tocar a guitarra, tendo ficado internado desde então na Fundação-Lar Nossa Senhora da Saúde, em Campo de Ourique, Lisboa.

 

3) Morreu Carlos Paredes
«Chorai, guitarras chorai». Aos 79 anos e após mais de uma década doente, o grande mestre da guitarra portuguesa morreu, deixando uma obra notável
VISAOONLINE    23 Jul. 2004
In http://visaoonline.clix.pt/paginas/conteudo.asp?CdConteudo=35174

No nosso arquivo
Ondas não derrubam paredes
  
O mestre da guitarra portuguesa Carlos Paredes morreu esta sexta-feira, 23, aos 79 anos, em Lisboa, após doença prolongada, disse à agência Lusa uma fonte da Fundação-Lar Nossa Senhora da Saúde, onde o compositor estava internado.
Carlos Paredes nasceu em Coimbra a 16 de Fevereiro de 1925, tendo dedicado quase toda a sua vida à guitarra portuguesa.
Carlos Paredes morreu com «a tranquilidade de quem sabe que está com a missão cumprida», disse à agência Lusa Luísa Amaro, companheira de Paredes desde há 20 anos.
Pai de seis filhos, Carlos Paredes padecia de doença degenerativa que o deixou acamado durante 11 anos, acabando por morrer às 5h45 de hoje, dois dias depois de um dos rins ter deixado de funcionar.
«Chegou ao ponto em que o organismo não podia dar mais. Anteontem um dos rins deixou de funcionar», afirmou a companheira de Paredes, que desde 1983 o acompanhou à guitarra clássica.
«Portugal teve no Carlos Paredes a genialidade, sensibilidade, poder de composição, uma belíssima técnica, e interpretação. Ele cumpriu os pontos que tinha a cumprir nesta passagem pela terra», disse Luísa Amaro.
Era um homem «muito bom e muito simples», que deu uma contribuição muito grande para a cultura portuguesa, disse Luísa Amaro, adiantando que quem ouve a música de Carlos Paredes reconhece-a de imediato.
Há 10 anos que deixou de produzir obra, mas ao longo deste período a sua música ajudou a caminhar para a frente a nova geração de músicos, que lhe dedicou muita coisa, disse Luísa Amaro.
Lutador pela liberdade e pela democracia, o génio da música portuguesa foi preso pela PIDE, que o manteve enclausurado durante dois anos.
O corpo de Carlos Paredes estará em câmara ardente na Basílica da Estrela, desconhecendo-se para já a hora e o local do enterro.
Filho e neto dos guitarristas Artur e Gonçalo Paredes, Carlos Paredes começou a estudar guitarra portuguesa aos quatro anos, aprendendo a tocar com o pai, apesar de a mãe querer que estudasse piano.
Em 1934, com nove anos, muda-se para Lisboa com a família, onde em 1957 grava o seu primeiro disco, a que chamou simplesmente «Carlos Paredes».
Três anos depois a sua música é utilizada como banda sonora no filme «Rendas de Metais Preciosos», de Cândido da Costa Pinto. Pelo caminho compõe a banda sonora de outros filmes, como «Verdes Anos», de Paulo Rocha, em 1962, «Fado Corrido», de Jorge Brum do Canto, em 1964, e a de «As pinturas do meu irmão Júlio», em 1965.
Em 1967, edita «Guitarra Portuguesa», o seu primeiro álbum, com Fernando Alvim à viola, e no ano seguinte «Romance Nº 2», «Fantasia», «Porto Santo» e «Guitarra Portuguesa». Três anos depois, em 1971, grava o disco «Movimento Perpétuo».
Na altura da revolução dos cravos, durante e após Abril de 1974, toca em diversos pontos do país, só voltando a editar um disco em 1987, quando saiu «Espelho de Sons».
Além dos discos e dos concertos, os sons da guitarra de Carlos Paredes chegaram também ao cinema e ao bailado através de cineastas como Paulo Rocha, Augusto Cabrita e Manoel de Oliveira e do coreógrafo Vasco Wellenkamp.
Cândido da Costa Pinto foi o primeiro realizador a aproveitar a música do compositor e guitarrista na curta-metragem «Rendas de Metais Preciosos», datada de 1960.
Dois anos depois, Carlos Paredes compôs a obra sonora do filme de Paulo Rocha «Verdes Anos», e, na mesma altura, em 1962, a sua música sonorizou uma curta-metragem de Pierre Kast e Jacques Doniol- Valcroze.
A banda sonora de «Fado Corrido», filme de Jorge Brun do Canto, de 1964, ficou também a cargo do guitarrista que, um ano depois, voltou a compor para «As Pinturas do meu Irmão Júlio», uma curta-metragem de Manoel de Oliveira.
Em 1966, o músico compõe para o filme de Paulo Rocha «Mudar de Vida», ao mesmo tempo que alguma da sua obra é aproveitada por António de Macedo na sua curta-metragem «Crónica do Esforço Perdido».
José Fonseca e Costa e Manuel Guimarães foram outros realizadores a quererem os sons da guitarra de Carlos Paredes para sonorizarem «A Cidade» e «Tráfego e Estiva», respectivamente, em 1968.
Um ano depois, José Fonseca e Costa volta a sonorizar um filme seu - «The Columbus Route» - com música do guitarrista e, em 1970, é a vez de Augusto Cabrita, na obra «Hello Jim».
Também no teatro se ouviu a obra de Carlos Paredes. Em 1971, Carlos Paredes compôs a música da peça «O Avançado Centro Morreu ao Amanhecer», da autoria de Augustin Cuzzani, interpretada pelo Grupo de Teatro de Campolide, que até 1977 contou com as escolhas musicais do músico.
«Danças para uma Guitarra», o bailado coreografado por Vasco Wallenkamp, marcou em 1982, a estreia da música de Carlos Paredes nestes palcos.
Até à década de 90, Carlos Paredes conciliou a guitarra com a sua actividade como administrativo no Hospital de São José, Lisboa.
«As pessoas gostam de me ouvir tocar guitarra, a coisa agrada-lhes e eles aderem. Não há mais nada», disse ao Público em Março de 1990.
Em Dezembro de 1993 é-lhe diagnosticada uma mielopatia, doença que lhe atacou a estrutura óssea e que o impediu de tocar a guitarra, tendo ficado internado desde então na Fundação-Lar Nossa Senhora da Saúde, em Campo de Ourique, Lisboa.

Reacções
Manuel Alegre
O deputado socialista Manuel Alegre recordou o guitarrista Carlos Paredes como um «homem de génio» que "deu uma dimensão universal à guitarra portuguesa".
Manuel Alegre gravou, em 1975, o disco intitulado «É preciso um país», onde lia poemas acompanhado à guitarra por Carlos Paredes.
«Falo sobretudo da vida do artista genial que deu uma dimensão universal à guitarra portuguesa, que através da sua música exprimiu a alma portuguesa, a opressão dos anos negros, mas também a luta e a esperança», afirmou Manuel Alegre.
«As suas variações foram para muitos de nós a música de fundo da nossa vida», afirmou Manuel Alegre ao caracterizar o trabalho do guitarrista.
Segundo o deputado do PS, Carlos Paredes «parecia pedir desculpa pelo seu próprio talento» já que era uma pessoa «ao mesmo tempo, de uma grande humildade e timidez».
«Foi uma das grandes figuras portuguesas do século XX», concluiu Manuel Alegre.
Luís Cília
O músico Luís Cília, que acompanhou o guitarrista Carlos Paredes como amigo e profissional em vários recitais, faz votos que «a guitarra do Paredes fique e seja para sempre lembrada».
«Conheci o Paredes quando cheguei de Paris e uma das coisas que me chocou foi que um homem com o seu génio não vivesse da sua arte», disse Luís Cília à agência Lusa, lamentado que, em Portugal, artistas como Carlos Paredes «não vivam no paraíso que os merece».
O músico, que também esteve presente na vida do guitarrista durante a doença, afirmou que «era absurdo vê-lo imóvel numa cama».
Fernando Alvim
Fernando Alvim, o guitarrista que durante 25 anos acompanhou Carlos Paredes, lembra «com saudade» o amigo que considera ter sido um «grande português, que amava profundamente o seu país».
«É com grande saudade que o vejo partir», afirmou à agência Fernando Alvim, lembrando que «a música dele reflectiu muito o amor que tinha ao país». O guitarrista acrescentou que «em qualquer parte do mundo onde se oiça, a guitarra do [Carlos] Paredes faz lembrar Portugal».
Fernando Alvim, que acompanhou Carlos Paredes entre 1959 e 1984, lembrou ainda o concerto de Sidney, Austrália, que considera «um dos melhores» que fizeram.
«Faltavam 10 minutos para o início do concerto e o Paredes foi tomar um duche para ficar mais desperto. Eles são muito pontuais e a organização estava muito aflita, mas ele chegou a tempo», contou.
Mário Nunes
O vereador da Cultura da Câmara de Coimbra, Mário Nunes, lamentou a morte de Carlos Paredes, sublinhando que o mestre da guitarra portuguesa deu à música «um esplendor que será difícil igualar».
«É uma perda irreparável. Foi um exímio conimbricence que deu à música um esplendor que será difícil igualar», afirmou o autarca em declarações à Agência Lusa.
Ao vincar que Carlos Paredes é um dos expoentes da Canção de Coimbra, o vereador da Cultura lembrou que terá um lugar de destaque na candidatura deste género musical à categoria de Obra Prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade, a conceder pela UNESCO, que a autarquia está a preparar.
«Tudo o que dedilhava na guitarra vibrava nas partes mais ínfimas do nosso ser», salientou ainda Mário Nunes.
Paulo Rocha
O realizador Paulo Rocha recorda Carlos Paredes como um guitarrista perfeccionista que se tornou «quase tão importante como a Amália Rodrigues».
Paulo Rocha, que realizou «Os Verdes Anos» (1963) e «Mudar de Vida» (1967) com banda sonora de Carlos Paredes, recordou a forma «violenta» como o guitarrista gravou em estúdio os temas do primeiro filme.
«Era um louco e um perfeccionista.Ficámos completamente presos em estúdio porque ele inventava muito e quase ficava com os dedos em sangue de tocar tanto», afirmou Paulo Rocha.
O realizador lembra que foi António da Cunha Telles, produtor de «Os Verdes Anos», que o apresentou a Carlos Paredes e lhe propôs que o guitarrista compusesse os temas do filme.
«Ele [Carlos Paredes] leu a história e compôs a música antes de eu filmar, uma música impressionante, e quando eu estava a rodar já tinha a música na minha cabeça.Fiquei com suores frios quando ouvi», explicou Paulo Rocha.
«Na altura, era uma pessoa ainda sem muita experiência, mas muito forte - o que chocou imenso a minha geração - tornando-se depois quase tão importante como a Amália», reforçou.
Gilberto Grácio
O instrumentista Carlos Paredes fez a diferença na interpretação da guitarra portuguesa, salientou o construtor de guitarras Gilberto Grácio.
«As guitarras que construí para o Carlos eram iguais a todas as outras, a diferença era ele que a fazia, com a força e o sentimento que imprimia quando tocava», disse à agência Lusa Gilberto Grácio.
Paredes, numa entrevista à emissora de rádio Antena 1 nos anos 1980, afirmou que um bom executante é aquele que integra o instrumento na sua própria sensibilidade. «Carlos Paredes marcou a diferença», frisou o artesão.
Gilberto Grácio, sucedeu a seu pai, João Pedro Grácio Júnior, na construção de guitarras, tal como Carlos Paredes sucedeu ao seu, Artur Paredes, que já encomendava guitarras à família Grácio.
«[Carlos Paredes] era um homem reservado e fechado, nunca colocava problemas, aceitava o instrumento a que depois dava alma», rematou Gilberto Grácio, adiantando que o seu legado musical será «uma constante inspiração».
Fernando Seabra Santos
O reitor da Universidade de Coimbra (UC), Fernando Seabra Santos, lamentou que o estudo da guitarra portuguesa não tenha tido a consagração académica que merece ainda durante a vida de Carlos Paredes.
«Tenho pena que o estudo da guitarra portuguesa não tenha chegado ao lugar que merece na Universidade portuguesa», afirmou Seabra Santos, ao aludir à «falta de reconhecimento a nível académico» da música de Carlos Paredes.
Caracterizando Carlos Paredes como «um vulto da cultura portuguesa muito incompreendido em alguns aspectos», o reitor lembrou o seu papel, bem como do pai e do avô, Artur e Gonçalo Paredes, para a revitalização da guitarra de Coimbra.
«Ainda não há substitutos à altura», frisou o reitor da mais antiga universidade portuguesa e uma das mais antigas a nível mundial.
O catedrático recordou ainda que a entrada em campo da equipa de futebol da Académica, nos anos 1960 e 1970, era feita ao som da música de Carlos Paredes, que nasceu e viveu em Coimbra.
«Era um desfecho esperado, mas não deixa de ser um choque», disse sobre a morte do músico, uma pessoa de «extrema humildade» com quem Seabra Santos, na qualidade de antigo membro da Brigada Victor Jara, teve oportunidade de colaborar em várias iniciativas.
David Ferreira
O editor David Ferreira, que lançou há quatro anos o último disco de Carlos Paredes, afirmou que o guitarrista tocava com um outro fôlego o que o tornou num marco histórico. David Ferreira, director-geral da EMI-VC que em 2000 editou o CD «Na corrente», em declarações considerou haver «um antes e um depois de Paredes. Ele é um marco histórico no percurso da guitarra portuguesa».
«A guitarra portuguesa depois de Paredes nunca mais foi mesma», sentenciou David Ferreira. «O Paredes parece que tocava com um outro fôlego, havia nele uma força visceral, algo interior que fazia toda a diferença».
O editor discográfico considera que Paredes é «uma personalidade tão forte que se sentirá sempre a sua falta e, se escola deixa, faltará nela sempre o professor».
David Ferreira assegurou que, «indiscutivelmente, todos os instrumentistas e compositores irão reflecti-lo no futuro».
Para além de «tecnicamente perfeito», Paredes «impulsionava sentimentos inimagináveis na guitarra, quer ao nível da execução, quer da composição».
Carlos Paredes gravou para a EMI-Valentim de Carvalho na década de 1960 e 1970 dois álbuns, respectivamente «Guitarra portuguesa» e «Movimento perpétuo». Fruto de várias sessões de gravação, foi editado em 2000, «Na corrente».

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