2012-12-16

Artur Baptista da Silva? Será mesmo esse o seu nome?

Depois das conferências no distinto International Club of Portugal, no distintíssimo Grémio Literário, depois de solicitado pela TSF e pelo programa Expresso do Meia Noite, depois da entrevista ao Expresso, depois da excelente animação dos media ficámos a saber que afinal o Sr. Artur Baptista da Silva não é nem foi, como dizia, professor na tal universidade norte-americana, consultor do Banco Mundial, coordenador do Observatório Económico e Social da ONU, a instalar em Portugal, tu cá tu lá com o Secretário Geral da ONU, Ban Ki Moon, ex-Sec Estado do governo português, deputado à Constituinte, membro da Comissão Política do PS, é prudente duvidar que tenha de facto o nome de Artur Baptista da Silva ou até que exista mesmo!
A verdade é que o Sr. enganou meio mundo quanto à identidade mas fez análises políticas e fez propostas que foram consideradas pertinentes.
O insólito acabou por propiciar no meio da desgraça nacional umas boas gargalhadas neste fim de ano de 2012, ano em que o governo do país se revelou ser uma fraude, ser de facto um agente da banca nacional e internacional contra o seu próprio país.
O Sr., supostamente Artur Baptista da Silva, para dizer o que tinha para dizer teve necessidade de se adornar com todas aquelas lustrosas plumagens científicas e políticas. Foram as ideias que expôs muito aplaudidas mas a seguir totalmente desvalorizadas. Afinal parece que mais do que argumentos o que vale é o trajo do conferencista.

Da entrevista dada ao Expresso de 2012-12-15 por (supostamente!) Artur Baptista da Silva ficam aqui uns extratos

 

2012-11-06

João Ferreira do Amaral

Entrevista dada à TSF



Entrevista dada a DINHEIRO VIVO em 03/11/2012.
João Ferreira do Amaral garante que a refundação do Estado é um acelerador da recessão. "O modelo tem de ser outro", diz

"Se agora cortamos 2 mil milhões, daqui a dois anos cortamos 6"

João Ferreira do Amaral
João Ferreira do Amaral
Diana Quintela
03/11/2012 | 00:00 | Dinheiro Vivo 
          
João Ferreira do Amaral conhece bem o FMI. Esteve nas primeiras negociações em 1977 e repetiu na crise de 1983, quando Portugal foi obrigado a desvalorizar o escudo. Hoje, não percebe os modelos do Fundo. Nem a insistência na austeridade, que levará o país - garante, em entrevista ao Dinheiro Vivo e à TSF - ainda mais fundo na recessão.
Foi relator do CES num parecer que foi muito crítico à política orçamental e à estratégia deste governo. Agora foi substituído por outro relator. Porquê? Porque foi demasiado crítico?Não, penso que não. Não sei. Não sou eu que me nomeio relator, mas penso que não. Teve que ver com a natural rotação. Já no ano passado também não fui relator do parecer sobre o orçamento para 2012. Tem havido uma rotação que acho muito bem, aliás.
Não acha que estar mais próximo do PS nesta altura, ou ser visto como mais próximo do PS, pode ter influenciado?Não, penso que não. Aliás, não sei se o grau de criticismo que vai aparecer no próximo parecer, que será aprovado brevemente, será inferior ao que constava no documento de estratégia orçamental. E convém dizer que o parecer não é do relator.
Portugal gasta anualmente cerca de oito mil milhões em juros. Se não os pagássemos o défice seria zero. É inevitável renegociarmos a nossa dívida?Dependerá muito do crescimento económico. A grande probabilidade é que, mais cedo ou mais tarde, vamos ter de renegociar prazos e juros, porque não vejo que o crescimento económico se possa acelerar muito rapidamente nos próximos anos - e basta que o crescimento seja zero ou um pouco negativo, como tem sido em termos nominais, isto já incluindo o aumento de preços, para a dívida ir ganhando peso mesmo que o défice seja muito pequeno. Portanto, como esta espiral a certa altura torna-se ingerível, a probabilidade é de que um dia vamos ter de renegociar prazos e juros da dívida.
Mas nunca um corte como foi feito na Grécia, um corte agressivo do montante total da dívida?Bom, isso dependerá da situação. Eu espero que não se chegue a essa situação, porque isso tem sempre consequências muito nefastas a prazo. Um corte, não um reescalonamento mas um corte em si próprio, tem tendência a perpetuar-se em termos de desconfiança durante muito tempo.
Tem defendido que Portugal deveria sair de uma forma organizada do euro. Mas ninguém, nem os partidos mais à esquerda, parece defender isso. Vamos mesmo acabar por sair de uma forma atabalhoada?Há uma grande probabilidade de isso acontecer porque, olhando friamente para as condições em que Portugal está, não vejo como possa sustentar--se dentro da zona euro. Isto muitas vezes não é apontado porque estamos muito focados em questões financeiras, mas as recessões financeiras não surgem por acaso, surgem porque temos um profundo desequilíbrio na estrutura produtiva, que se foi acumulando ao longo do tempo desde a altura em que começou o caminho para a moeda única, e ainda antes de a moeda única estar realizada. Gerámos, desde essa altura, um desequilíbrio muito grande na estrutura produtiva. Há vinte anos, quando começou o caminho para a moeda única, o nosso sector industrial pesava 24% do produto interno bruto (PIB). Hoje pesa 13 %, que é metade do que pesava em 1953, quando começou a haver contas nacionais. Nenhum país consegue prosperar e crescer assim, é impossível.
Não podemos ser um país de serviços?Não podemos ser porque, embora tenhamos vocação para o turismo e o turismo possa subir mais, nenhum país com uma dimensão como o nossa pode sobreviver só de serviços. Para reverter isso é preciso um choque competitivo, é preciso investir na indústria ou na agricultura. Como é que se diz isso aos empresários? Desvalorização da moeda. Se eu desvalorizar a moeda, torno automaticamente muito mais rentáveis este sectores.
De quanto dinheiro é que Portugal precisaria para essa saída organizada da zona euro?Precisaria de dinheiro e precisaria de alguns compromissos europeus, por isso é que tem de ser negociada e organizada. O que acho que vai ser necessário, em qualquer caso, é um empréstimo, para obter o financiamento externo enquanto a desvalorização cambial não der resultado. A desvalorização cambial não dá resultados no dia seguinte, demora um ano e meio e, portanto, é preciso esse empréstimo. Há um segundo aspeto importante: garantir que o Banco Central Europeu (BCE) continuasse a renovar a dívida dos bancos portugueses durante algum tempo. A forma equilibrada de sair seria nós passarmos a pertencer àquilo que se chama o mecanismo de taxas de câmbio dois, que regula as relações entre os países do euro e os países da União Europeia que não estão no euro, o que significa que a moeda teria de ter uma paridade definida em relação ao euro. E, depois, o BCE e o Banco de Portugal seriam responsáveis por manter a moeda no dia a dia dentro de parâmetros.
Os países fortes da zona euro pagavam para ver Portugal fora?Penso que sim. Vão ter de pagar à mesma para nos mantermos na zona euro, com uma vantagem, é que a saída da zona euro, a prazo não muito longo, era menos um problema que teriam. Porque, não tenhamos ilusões, não temos capacidade para estar na zona euro com a estrutura produtiva que temos.
Nesta altura eles já preferiam estar a pagar para sairmos do que estar pagar para continuarmos?Penso que nesta altura não. A zona euro está muito instável e não proponho a saída de Portugal nesta situação. Primeiro é necessário que a zona euro estabilize para depois podermos pensar numa situação sustentável a prazo - e na nossa saída da zona euro. Neste momento, nem por sombras, acho que isso poderia desencadear um processo muito complicado dentro da zona euro.
Grande parte dos economistas defende que a competitividade do país só pode aumentar através da redução do custo no trabalho. Nunca defendeu essa hipótese. O que lhe pergunto é se há outra forma de aumentar a competitividade?Hoje, o problema salarial não é importante do ponto de vista da competitividade. A nossa perda de competitividade teve que ver com o facto de investir em sectores protegidos da concorrência externa, ser mais rentável do que estar a investir em sectores que têm concorrência externa, os chamados bens transacionáveis. A nossa competitividade não tem que ver com salários, tem que ver com o facto de a nossa estrutura produtiva estar desequilibrada. Se eu descer os salários, desço para todos os sectores, não só para aqueles que é preciso de-senvolver. A questão salarial é um mito que não vai resolver em nada a questão da competitividade.
Na Grécia, continuamos a assistir a uma situação muito, muito complicada: o desemprego não para de subir, não há crescimento. Em Portugal também não. Estas previsões do governo são credíveis: 16,4% de desemprego em 2013?Não, não me parece. Já no ano passado, por esta altura, disse e escrevi que não acreditava nos objetivos para este ano - e de facto não se verificaram. O desemprego será bastante superior porque a recessão económica vai ser bastante mais funda do que 1%. Não é só uma questão de se eliminarem postos de trabalho, há também que ter em conta a emigração, portanto, a taxa de desemprego dependerá muito do fluxo de emigração. Mas não ficaria espantado se fosse, por exemplo, aos 18%. A queda do produto interno bruto dificilmente será inferior à deste ano.
Nunca teremos uma recessão inferior a 3% no próximo ano?Se o Orçamento for adiante como está, sim, acho que não teremos menos do que 3% de recessão. O consumo vai descer mais do que o governo prevê. A austeridade é mais funda para o ano que vem do que este ano e as famílias estão muito endividadas. Portanto, medidas de redução de rendimento em geral, quando as famílias estão muito endividadas, amplificam muito os efeitos. Se além disso houver já algum corte de despesas a nível social, as famílias têm mesmo de o fazer - e, portanto, se o Estado obriga a que isso seja financiado pelas famílias, elas deixarão de consumir mais noutros aspetos. O consumo vai descer bastante e isso provocará uma recessão maior e desemprego maior.
Vamos ter eleições mais cedo do que o que estamos à espera?Não sei. Acredito que há uma grande possibilidade de haver uma crise política, se se verificar que os objetivos orçamentais não estão a ser cumpridos. Se isso dá origem a eleições ou não, não tenho uma bola de cristal.
E seria quando?Diria que lá para abril. Ou seja, tendo os dados de janeiro a março, penso que já se vai poder formar uma ideia de como a economia está a evoluir e como é que as finanças públicas estão a evoluir.
Nem o IRS - que tem um aumento enorme até fevereiro - pode dar alguma margem de conforto ao governo? Mesmo com o desconforto das famílias?Poderá dar alguma margem, mas repare: as famílias começaram já a reagir, já com os anúncios - e ainda não entrou em funcionamento o Orçamento. Os indicadores apontam que as famílias começaram a reduzir o consumo. A recessão será muito profunda, o desemprego vai aumentar e, portanto, as despesas do Estado vão crescer; os subsídios de desemprego e as receitas da Segurança Social vão diminuir. Portanto, isto acontece mesmo que o IRS mantenha os níveis que o governo pensa - mas também vai reduzir, porque aqueles que estão empregados e deixam de estar pagarão menos IRS.
Vou citá-lo: "Acho Vítor Gaspar um ótimo economista mas não concordo com ele." O governo já falhou quase todas as previsões para 2012. Como é que um ótimo economista se engana tanto?É um ótimo economista porque tenta acertar, tenta usar os instrumentos que existem para acertar e conhece bem esses instrumentos, tem experiência na sua utilização. Eu não concordo com ele precisamente porque acho que esses instrumentos não dão resultado. Esses modelos, que são utilizados também nas organizações internacionais, nomeadamente pelo Fundo Monetário Internacional, não têm em conta a realidade portuguesa em vários domínios, não têm em conta o alto endividamento das famílias, não têm em conta o facto de o emprego estar muito ligado à procura interna e, portanto, quedas da procura interna fazem aumentar muito o desemprego. Por isso, não admira que o governo e o FMI e a troika em geral tenham ficado surpreendidos com o aumento do desemprego e com a profundidade da recessão.
Acha que o ministro das Finanças ainda está demasiado refém da experiência que teve no BCE e da visão académica que tem?Todos nós somos reféns da nossa experiência passada, e a certa altura é difícil mudar. Eu reconheço... Enfim, com a idade que ele já tem e com o seu percurso, não penso que de repente, um dia, se ilumine como São Paulo e ache que a forma de pensar a economia é outra. Mas a certa altura as pessoas têm tendência a sedimentar os seus conceitos e as mudanças não são muito drásticas.
Este tipo de política económica não acaba por estar também a matar o próprio mercado que se considera que pode salvar a economia?Sim, põe muito bem a questão. Estas medidas são muito drásticas. E a responsabilidade também é do Fundo Monetário Internacional, que neste programa e nos anteriores sempre achou que era assim que se resolvia o problema. A questão é que as medidas drásticas podem fazer disfunções nos mercados, podem dar origem a comportamentos de economia paralela por exemplo, a não cumprimento de regras mínimas de concorrência e por aí fora. E, portanto, não só acaba por ser mau em termos macroeconómicos como muitas vezes acaba por ser mau também em termos microeconómicos, porque faz uma disfunção completa em alguns os mercados. O caso mais evidente é a fuga e a evasão fiscal e a fraude fiscal; quando se tenta forçar as coisas, aumenta-se o incentivo para fugir.
Tem defendido que a diferença entre Portugal e os países do norte da Europa está sobretudo na eficácia da cobrança fiscal. Mas a maior parte das pessoas, sobretudo quem vive só do trabalho, já tem uma carga fiscal enorme em cima.Se aumentar a eficácia fiscal, tenho margem para diminuir os impostos daqueles que pagam , e esse é um dos aspetos mais importantes da justiça: equidade fiscal. Repare, nós temos uma economia paralela que é avaliada em cerca de 25% do PIB. Mas se for a países do Norte terei 10%, 12%. Isto quer dizer que há uma boa parte do PIB que não é sujeita a impostos. E se for à Grécia, então será uma coisa incomensurável. Portanto, se eu conseguir meter dentro da legalidade esses sectores, posso baixar a carga fiscal individual, e isso, do meu ponto de vista, é que é civilizado. Além disso, para além destes aspetos de mais equidade social, há também os aspetos da concorrência. Porque empresas que fogem ao fisco, ao IVA, estão a concorrer deslealmente, além de tudo mais, com as empresas que cumprem. Por isso, penso que esse é um aspeto fundamental. Independentemente das ações punitivas, digamos, que são importantes e fiscalizadoras, é também importante criar um enquadramento em que não seja possível ou útil fugir aos impostos.
Há aqui uma fatia da sociedade que devia ser mais taxada e que não o está a ser nesta altura?Isso é difícil de dizer porque fala-se muito de rendimentos que não são taxados, mas é preciso ver que algumas vezes esses rendimentos, se forem taxados, podem dar origem a comportamentos negativos do ponto de vista da economia, como fuga de capitais. Portanto, as coisas têm de ser feitas com algum cuidado. Eu penso que, com este aumento da carga fiscal, reduziu-se, e esse aspeto é verdadeiro, reduziu-se bastante, digamos, a disparidade entre rendimentos por origens. Agora o grande problema do IRS são os escalões tal como estão feitos, a meu ver estão desequilibrados. É uma carga excessiva para as pessoas que têm realmente rendimentos médios ou baixos.
Nesta semana, a maioria aprovou o Orçamento e o governo convidou o PS a participar de forma ativa naquilo a que chamou refundação do acordo com a troika. São quatro mil milhões de cortes permanentes na despesa a efetuar em 2013 e 2014. Há alguma coisa que o Estado possa deixar de fazer? Ou cortar?O Estado faz hoje, em Portugal, o mesmo, e às vezes até menos, do que faz a generalidade dos Estados na União Europeia. Os Estados da UE têm as funções de soberania, a segurança, a justiça, os negócios estrangeiros, etc. Depois têm as funções sociais, educação e saúde. Não gastamos mais, nem por sombras, do que se gasta por essa Europa fora. Pode-se, evidentemente, melhorar a eficiência e reduzir as despesas para obter o mesmo resultado, mas não creio que isso sejam quatro mil milhões de euros. Creio, sim, que isso é um absurdo e é preciso ver como é que surgem esses quatro mil milhões de euros. Penso que aí o Partido Socialista tem razão: isto resulta em grande parte da estratégia seguida de provocar uma grande recessão. É evidente que quando se provoca uma grande recessão, obviamente, depois as coisas não chegam - cobra-se menos impostos, o défice mantém-se, é preciso cortar mais despesa, depois ainda vai agravar mais a recessão, e por aí fora. Ouvi que já estariam três mil e quinhentos milhões de euros destinados a ser cortados nas funções sociais, mas não nos esqueçamos de que a Segurança Social estava equilibrada. Só se desequilibrou este ano devido justamente à recessão. Esta estratégia não tem futuro nenhum. Se estamos agora a cortar quatro mil milhões, daqui a dois anos estamos a cortar seis mil milhões. Isto vai ser uma bola de neve que nunca mais acabará. Não faz sentido.
O FMI está a ajudar o governo a cortar esses quatro mil milhões. O PS deve aceitar o convite do governo para discutir o Estado?Não sou sequer militante do PS, portanto, o PS fará o que quiser. Agora, se o PS disser que não aceita, dou-lhe 100% razão. Por dois motivos. Em primeiro lugar, porque não faz sentido; colaborar nisto seria dizer que concorda com a estratégia que foi seguida e, a meu ver, isso é errado. Em segundo, se as coisas já estão decididas, o que é que o PS vai lá fazer? O PS fará o que entender, mas percebe-se se disser que não. É um convite envenenado, como é evidente. E aceitar como bom que é preciso cortar quatro mil milhões de euros não é nada líquido. É resultado desta estratégia recessiva.
Esteve, quer com Mário Soares quer com Jorge Sampaio, na Presidência da República e foi assessor deles, aconselhou-os. Acha que nesta altura em que o Estado vai ser refundado a Presidência da República é mais permissiva face a essas duas presidências, face a essa refundação do Estado? Está mais alinhada com a necessidade de reduzir o Estado ou não?Não será, a meu ver, uma diferença muito substancial justamente por aquilo que eu digo, não é muito nítido ver onde é que o Estado pode reduzir as suas funções, porque mesmo dar em concessão não reduz a despesa. Pode é haver melhor prestação do serviço. Eu sou a favor até de concessões em alguns serviços, desde que devidamente estabelecidas. Reconheço que para o Presidente Cavaco Silva, tanto quanto percebo nas suas declarações, isto seja complicado. Se estão recordados, de há uns anos a esta parte, ainda nem era presidente nem candidato a Presidente da República, era adepto de um choque fiscal, um choque fiscal no sentido de uma redução grande de impostos, para impulsionar a economia, e o que está a suceder é justamente o inverso. Portanto, penso que do ponto de vista dele não deve ser fácil, enfim, lidar com esta situação. Também não estou a ver o professor Cavaco Silva, pelo discurso que tem tido, dizer: "Agora o Estado deixa de prestar serviços de saúde ou deixa de prestar serviços de educação", não estou a ver. É uma situação muito complicada mas previsível, quando se provoca uma recessão da profundidade que esta tem. Quando se continua no mesmo caminho, é evidente que as coisas não chegam, a Segurança Social começa a entrar em incumprimento ou a aproximar-se disso, pelo menos, começa a entrar em défice. Depois houve ainda aquelas habilidades deste e dos anteriores governos com os fundos de pensões, que também acabam sempre por se pagar mais tarde. As sociedades modernas não estão feitas para viver em recessão, estão feitas para haver crescimento económico. Eu não digo que possamos ter um crescimento muito grande, mas pelo menos estou plenamente convencido, e digo-o sinceramente: se a carga fiscal não fosse aumentada na proporção que vai ser, teríamos mais chances de cumprir o défice de 4,5% do PIB. Só que assim, porque a recessão provavelmente não existiria, ou seria muito suave, esta vai ser de tal maneira que não vai ser possível cumprir os 4,5% do PIB. A quem é que isto serve? Eu não entendo. É um mistério que não compreendo, que já se deu na Grécia e que está a suceder agora em Portugal.
Este FMI está preparado para desenhar programas de ajuste em países que não têm uma moeda própria?Há uma grande diferença em relação aos programas de 1967, 1968 , 1983 e 1984, que é justamente não termos moeda própria. E esta receita não funciona. Não funciona sem moeda própria. Porque há dois objetivos que só são compatíveis com moeda própria e a desvalorização cambial. O objetivo de redução de défice externo e o objetivo de redução de défice público. O défice externo na economia no seu conjunto, e défice do Estado. Quando não há moeda própria, para se reduzir o défice externo é preciso reduzir muito a procura interna para reduzir as importações e equilibrar a balança de pagamentos. Mas ao fazer-se isso está a pôr-se em causa o objetivo de redução do défice do Estado - porque recebe menos receitas e tem de aumentar as despesas, porque há mais desempregados. As duas coisas não jogam. O FMI sempre se preocupou mais com o défice externo, a Comissão Europeia sempre se preocupou mais com o défice público, que é o que vem nos tratados, e o resultado disto é que as duas coisas acabam por não jogar. Nós reduzimos muito o défice externo este ano - até praticamente o equilibrámos - à custa de uma grande redução da procura interna. Agora, tentar atingir as duas coisas não se vai conseguir. E penso que é isso que o Fundo Monetário Internacional não terá entendido: o problema da dimensão deveria ser compreendido.
Costuma falar com alguma regularidade com António José Seguro. O que é que ele lhe pede?No fundo, o que me pede - o que, aliás, outros secretários-gerais do PS também pediram -, uma opinião sobre a situação económica, e eu dou-lhe aquela que sei e que posso dar. Não sou militante, mas penso que é importante um secretário-geral de um partido ouvir pessoas, mesmo que não sejam militantes. Faço os possíveis para dar a minha visão e não há qualquer diferença entre o que eu digo em privado ou em público.
A atividade política - para ser mais direto, um cargo governativo - é uma atividade que não lhe interessa?Não, não me interessa definitivamente. Já fui convidado em tempos e recusei, não tenho vocação para isso e acho que uma atividade governativa é tão exigente de ponto de vista pessoal que ou se vai muito empenhadamente para lá ou então é um desastre. E eu não tenho esse empenho - e agora com a idade ainda menos teria do que há uns anos, portanto, isso está completamente afastado. É uma coisa que nem sequer me punha. Nem é uma questão de discordância ou concordância política, ponho-me, à partida, pessoalmente fora.
O que sugere a António José Seguro enquanto plano para os próximos dois anos?Aquilo que tenho defendido publicamente: a redução do défice do sector público, justamente pelo facto de que deve ser acompanhada de uma redução do défice externo. Os dois objetivos são importantes, mas, justamente porque são conflituantes na ausência de moeda própria, entram em conflito; deve fazer-se de forma muito gradual. O problema disto foi tentar-se reduzir zero o défice externo e ao mesmo tempo fazer uma grande redução no défice do sector público - as coisa não jogam. Se se fizer gradualmente, obtém-se melhores resultados sem provocar recessão e creio que os credores ficarão muito mais bem defendidos nos seus créditos do que criando o tal clima recessivo de uma tal ordem que depois põe em causa o próprio cumprimento. A minha sugestão é que estes ajustamentos se façam de forma gradual e até podemos ficar surpreendidos. Se calhar até podemos reduzir muito mais o défice público do que à partida queríamos.
Voltando ao início desta entrevista, e ao início também da sua história... Esteve em 1977 com o FMI, esteve em 1983 com o FMI, tem olhado de fora para o trabalho do Fundo. Este FMI é menos esclarecido? São tecnocratas de quinta ou sétima linha, como disse Fernando Ulrich?Não sei o que é a responsabilidade do governo ou do FMI na forma como o memorando foi delineado. Agora que estes programas não fazem sentido nenhum, não fazem. Para mim, pior ainda é a Comissão Europeia, que se tornou numa espécie de capataz da Alemanha em conflito com os países mais débeis, quando não era nada disso que a Comissão Europeia fazia no passado.

2012-10-12

Akira Kurosawa sonha com Van Gogh

Chama-se Akira Kurosawa' Dreams (Sonhos de Akira Kurosawa)
Akira Kurosawa é um grande realizador de cinema, japonês,e que sonha com Van Gogh. O Video está neste endereço: https://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=We8NpHPXzwI

2012-06-15

Goldman Sachs ou Goldman Sacks* ?

* Sack (to) = saquear, pilhar.
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O CEO do banco, Lloyd Blankfein, diz que ele  "faz o trabalho de Deus!" Lloyd Blankfein assumiu as funções de CEO do GS em 2006, substituindo Henry Paulson que W Bush nomeou Secretário de Estado do Tesouro (Ministro das Finanças dos EUA)

Origem do artigo: http://www.bolsanobolso.com/showthread.php?p=391056
Que reproduz segundo parece um artigo de Ana Rita Faria do Público (sem acesso online) de 31/05/2012 com o título:

O banco que faz o "trabalho de Deus

"Alimentou a máquina do subprime, ajudou a manipular as contas da Grécia, mas continua a dirigir o mundo. Num livro agora editado em Portugal, o jornalista belga Marc Roche desvenda os bastidores do gigante, numa altura em que a sua rede de influência na Europa parece estar mais forte do que nunca.

Está em todo o lado: na maré negra do golfo do México, na bolha da Internet, na falência do Lehman Brothers, na manipulação das contas gregas e na crise do euro. O português António Borges, os italianos Mario Draghi e Mario Monti e o norte-americano Henry Paulson são apenas alguns dos nomes da sua vasta rede de influências. Na "franco-maçonaria" que é o Goldman Sachs (GS) só entram os melhores. A agressividade e o puritanismo são as regras de ouro num mundo onde se trabalha em equipa e 24 horas por dia.

Ninguém envelhece no banco americano. Antes disso, saltam para os corredores do poder político e das organizações internacionais. Num mundo povoado de "ex-Goldmans", o grande banco gira habilmente a roleta do casino. Reina sobre a finança mundial. "Eu faço o trabalho de Deus", ironizou um dia Lloyd Blankfein, o presidente executivo do Goldman Sachs. Agora, em cerca de 200 páginas, o jornalista de economia belga Marc Roche explica como é que o banco americano se tornou omnipresente e, tantas vezes, omnipotente. O seu livro "O Banco: Como o Goldman Sachs Dirige o Mundo" acaba de ser lançado em Portugal. E tem logo um aperitivo nacional nas primeiras páginas: as ligações de António Borges ao banco americano.

Marc Roche escreve que o actual consultor do Governo para as privatizações, parcerias público-privadas e banca terá deixado o cargo de director europeu do FMI não por "razões pessoais", segundo reza a versão oficial, mas devido às suas ligações ao GS. António Borges foi durante oito anos (entre 2000 e 2008) um dos dirigentes do Goldman Sachs International, a filial europeia do banco americano. Para Marc Roche, o Goldman poderá ter interesse em ter um dos seus "ex-alunos" ligado às privatizações portuguesas e, consequentemente, retirar algum proveito daí enquanto assessor financeiro. "É óbvio que Portugal não é um grande mercado para o GS, mas fica no CV do banco e é, sobretudo, uma boa publicidade, depois de ter estado ligado à manipulação das contas gregas", explicou o autor em entrevista ao PÚBLICO.

Mas António Borges é apenas um dos nomes de uma extensa rede de influências. Na Europa, o banco não perde tempo com diplomatas, antigos primeiros-ministros ou ministros das Finanças. O alvo são ex-comissários europeus e antigos banqueiros centrais. E, olhando para a lista de intermediários, "o GS nunca esteve tão forte", considera Marc Roche. Apesar das crescentes imposições de regulação do sistema financeiro nos EUA e na Europa. Apesar de algumas limitações nos bónus dos banqueiros. Apesar de a má imagem que o banco deixou na opinião pública ter sido identificada como "um novo factor de risco" nos negócios no relatório anual do grupo.

Mario Draghi, um dos ex-vice-presidentes europeus do banco (e responsável pelo departamento que, pouco antes da sua chegada, tinha ajudado a Grécia a maquilhar as contas), é presidente do Banco Central Europeu (BCE). Mario Monti foi conselheiro do GS até se tornar primeiro-ministro de Itália, abrindo as portas da Europa ao banco. Entre os nomes associados ao GS está ainda Otmar Issing (antigo economista-chefe do BCE e ex-membro do banco central alemão) e Peter Sutherland (antigo comissário europeu da Concorrência que teve um papel importante no resgate à Irlanda).

Qual sociedade secreta, os ex-membros do GS têm por regra omitir que trabalharam no banco, mas mantêm-se em contacto depois de saírem. A cultura do trabalho em equipa é, aliás, uma das traves-mestras do sucesso do Goldman. Num banco que é simultaneamente consultor de empresas e governos, faz trading de matérias-primas e taxas de juro, opera no mercado cambial e dos derivados e gere fundos de investimento, a informação é o bem mais valioso. Circula de departamento em departamento. Potencia negócios. E também conflitos de interesses.

A isso junta-se um rigoroso processo de recrutamento (os candidatos têm de passar por 20 a 30 entrevistas de selecção) e uma rigorosa "dieta" de trabalho. "Não há outro banco onde se sacrifique assim a vida pessoal", conta o correspondente do jornal francês Le Monde em Londres há mais de 20 anos. As férias sem telemóvel e email são mal-vistas, as ligações extraconjugais afastam pretensões de ascensão. A própria alimentação é controlada. Fora das paredes do banco, reina o secretismo.

Mas não é só a cultura do GS que justifica o seu sucesso e poder. "Os governos são fracos e, por isso, ficam fascinados pelo Goldman", resume Marc Roche. A relação de poderes está desequilibrada, avisa o jornalista, mas não há aqui "um plano pré-concebido pelo Goldman para dominar o mundo" ou "uma teoria da conspiração". Não é o poder que motiva o banco e sim os lucros. O primeiro serve para chegar ao segundo. Foi isso que conduziu o GS à Grécia. Foi isso que o levou a negligenciar a maré negra do golfo do México. Foi isso que o levou a enganar os seus próprios clientes na crise do subprime. Três episódios reveladores do poder do banco.

A incendiária grega

Em 1999, quando se decide a criação do euro, a Grécia não pode aderir à moeda única. Infringe dois critérios do tratado de Maastricht: dívida pública inferior a 60% do produto interno bruto (PIB) e défice abaixo dos 3% do PIB. É então que o Governo grego pede ajuda ao Goldman Sachs. Antigone Loudiadis, de origem grega e uma das especialistas em produtos financeiros complexos no Goldman Sachs International em Londres, desencanta um esquema financeiro que colocará a Grécia dentro dos critérios europeus. E que, nove anos mais tarde, ajudará a desencadear uma crise ainda sem fim à vista em toda a zona euro.

O jogo do crude

Pior: depois de receber dinheiro da Grécia como consultor do Governo, o banco irá especular sobre a dívida do país e do euro e pôr mesmo em marcha a sua rede de influências para tentar contrariar uma operação de resgate a Atenas, que lhe estragaria o negócio.

Mas o rol de conflitos de interesse em que o Goldman se tem visto envolvido é bem mais extenso. O caso da petrolífera britânica BP é um deles. Uma semana depois do derrame de crude no golfo do México, em Abril de 2010, e perante a queda a pique da cotação da empresa, os analistas do GS continuam a recomendar a compra de acções da BP. Na origem do optimismo estão vários cordões umbilicais: um deles é Peter Sutherland (que presidia à BP e dirigia também a filial europeia do GS); o outro é Lorde Browne, na altura director-geral da BP e com assento no conselho de administração da petrolífera. Foi, aliás, a filosofia "goldmaniana" deste último que levou a empresa a apostar fortemente na actividade de mercados. O contraponto foi uma política de redução de custos que fragilizou as questões da segurança e lançou "as premissas da catástrofe futura" - o derrame no golfo do México.

Fintar a crise

O episódio mais revelador do poder do Goldman Sachs parece ser, contudo, a forma como escapou praticamente incólume à crise financeira de 2008-2009. À custa de dois gigantes: a AIG e o Lehman Brothers. Apesar de ser o banco consultor da seguradora, o GS apostou contra ela logo a partir de 2007. Em 2008, dá um último abalo à confiança dos mercados na AIG, pondo em dúvida a sua solvabilidade. Mas é apanhado na própria armadilha. Com os investidores receosos do impacto que uma falência da AIG teria no banco, Lloyd Blankfein recorre a um antigo "goldmaniano": o secretário do Tesouro Henry Paulson.

O resultado é conhecido: o Governo americano acaba por salvar a AIG e assegurar que esta pagará aos seus credores, entre os quais o GS. O mesmo não acontecerá com o Lehman Brothers. O presidente do Goldman faz parte do grupo de banqueiros que se reúnem para decidir o destino daquele banco. É de opinião que se deve deixar cair. Sem bancos interessados em ficar com o Lehman, Paulson decreta a falência do banco. Menos um concorrente para o Goldman Sachs. Mais terreno livre para estender o seu império."

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Apesar de ser de 16/10/11 ainda é actual este artigo do Diário Económico.
http://economico.sapo.pt/noticias/afinal-o-goldman-sachs-manda-no-mundo_129099.html

Afinal, o Goldman Sachs manda no mundo?
Rui Barroso
Coloca ex-funcionários nos lugares de topo que decidem o rumo da economia global, o que leva muitos a dizerem que domina o mundo.
"Sou um banqueiro a fazer o trabalho de Deus". É a forma como o presidente do maior banco de investimento do mundo vê a sua missão no comando do Goldman Sachs. Mas na opinião de um número cada vez maior de pessoas, o "trabalho de Deus" do Goldman Sachs é a encarnação do lado negro da força em Wall Street. E há até quem defenda que é este banco que manda no mundo e não os governos

"Não há dúvida que Wall Street tem uma força cada vez mais poderosa no governo americano. Não são apenas os milhões que vão para os bolsos de políticos atrás de políticos para ajudá-los a ganhar as eleições, mas os banqueiros de Wall Street são frequentemente escolhidos para posições de poder na Casa Branca, no Tesouro, na SEC [regulador dos mercados financeiros] e noutros reguladores", observa William D. Cohan, que passou 16 anos a trabalhar na banca de investimento antes de se dedicar ao jornalismo de investigação.
O banco reconhece no seu site que os antigos colaboradores contribuíram para a rica história e tradição da empresa e "orgulhamo-nos de muitos continuarem activamente ligados. Isto não ajuda apenas a validar a nossa cultura mas também a fornecer um valor real e tangível que transcende uma geração". E não é só nos EUA que ex-Goldmans dão o salto para altos cargos políticos e económicos. Um dos exemplos é o futuro presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, que desempenhou o cargo de director-geral do Goldman International entre 2002 e 2005, levando-o mesmo a ser questionado no Parlamento Europeu sobre as ligações do banco de investimento à Grécia.

Duas crises de proporções épicas, duas epopeias de escândalos
O mundo enfrentou duas das maiores crises das últimas décadas em quatro anos. E, tanto na crise financeira de 2008 como na tragédia grega, o Goldman Sachs foi alvo de acusações de actuações menos correctas.
Começando por Atenas, o Goldman Sachs ajudou, a partir de 2002, a Grécia a encobrir os reais números do défice, através de ‘swaps' cambiais com taxas de câmbio fictícias, o que na prática permitiu a Atenas aumentar a sua dívida sem reportar esses valores a Bruxelas. Segundo o "Der Spiegel", o banco cobrou uma elevada comissão para fazer esta engenharia financeira e, em 2005, vendeu os ‘swaps' a um banco grego, protegendo-se assim de um eventual incumprimento por parte de Atenas. No início de 2010, os analistas do Goldman recomendaram aos seus clientes a apostar em ‘credit-default swaps' sobre dívida de bancos gregos, portugueses e espanhóis. Os CDS são instrumentos que permitem ganhar dinheiro com o agravamento das condições financeiras de determinado país. "É um escândalo se os mesmos bancos que nos trouxeram para a beira do abismo ajudaram a falsear as estatísticas", referiu a chanceler alemã Angela Merkel.
As autoridades europeias e a SEC abriram investigações ao logro das contas gregas, mas isso não impediu que Petros Christodoulou, um antigo empregado na divisão de derivados do Goldman, assumisse em Fevereiro de 2010 o cargo de director da entidade que gere a dívida pública grega. Além disso, o Goldman tem ajudado o Fundo Europeu de Estabilização Financeira a colocar dívida para financiar Portugal, Irlanda ao abrigo do programa de assistência financeira. O FEEF justifica a escolha com o alcance global do banco. Além do Goldman, também o BNP Paribas e o Royal Bank of Scotland costumam ser escolhidos para liderar estas operações.
O escândalo grego levou alguns deputados europeus a questionarem o futuro presidente do BCE sobre a sua independência para assumir o cargo. Queriam saber se teve conhecimento das operações feitas com a Grécia e se o cargo no Goldman não poderia afectar a percepção sobre a sua integridade para substituir Trichet. Draghi negou as ligações aos negócios com Atenas e defendeu o seu registo em alertar para os riscos que o sector financeiro estava a tomar.
Manifestações à porta do Goldman apesar de ameaça de prejuízos
Mas é nos EUA que há mais sinais de raiva contra o Goldman Sachs. Esta semana, o movimento dos "Ocupas" de Wall Street manifestou-se à frente do banco. A fúria contra o banco deve-se à actuação do Goldman durante a crise financeira. O banco chegou mesmo a ser condenado por fraude pela SEC por estar a apostar contra instrumentos ligados ao mercado imobiliário, ao mesmo tempo que vendia esses mesmos instrumentos aos seus clientes. Além disso, recorreu a fundos públicos e foi acusado de ser beneficiado com o resgate da AIG, coordenado pelo Tesouro dos EUA, liderado na altura por um antigo presidente do Goldman. "Os banqueiros e ‘traders' de Wall Street foram recompensados por tomarem riscos elevados com o dinheiro de outras pessoas. Como consequência, os bancos foram salvos e os banqueiros receberam os seus bónus de milhões de dólares. É difícil de acreditar que foram recompensados pelo seu falhanço, mas foi o que aconteceu", defende William D. Cohan.
Uma das respostas aos que acusam o Goldman de dominar o mundo financeiro é que, afinal, o banco também sofre com a crise. Os analistas de mercado esperam que o banco tenha registado o segundo prejuízo trimestral da sua história entre Julho e Setembro. Isto depois de ter lucrado mais de mil milhões de dólares no segundo trimestre. Em 2010 e 2009, conseguiu receitas de 39,2 mil milhões de dólares e de 45,2 mil milhões de dólares, respectivamente. Mais de 35% destes valores foram utilizados para pagar bónus aos seus empregados. O salário e bónus do presidente do banco, Lloyd Blankfein, situou-se em 13,2 milhões de dólares no ano passado.

O homem que denunciou o Goldman em directo
Alessio Rastani, um ‘trader' em ‘part-time', defendeu em directo na BBC que não eram os governos que mandavam no mundo, mas sim o Goldman Sachs. (Rui Barroso).
Alessio Rastani transformou-se num fenómeno. O ‘trader' em ‘part-time' surpreendeu tudo e todos numa entrevista à BBC. Além de vários cenários catastrofistas sobre a crise, Rastani defendeu que "este não é o momento para pensar que os governos irão resolver as coisas. Os governos não mandam no mundo, o Goldman Sachs manda no mundo". Bastaram pouco mais de três minutos para tornar Rastani num fenómeno na Internet. O vídeo tornou-se viral e levantou a controvérsia sobre o poder que o banco liderado por Lloyd Blankfein tem na economia e na política. Isto apesar de haver quem defendesse que Rastani estaria apenas a pregar uma partida à BBC e que pertencesse a um grupo satírico chamado Yes Men. O próprio ‘trader' refutou esta tese, apesar de reconhecer que gosta mais de falar do que de fazer negociação em bolsa, algo que vê apenas como um ‘hobbie'.
Esta semana, numa entrevista ao "Huffington Post", Rastani teceu uma série de ideias sobre o papel do Goldman no mundo. E diz que as teorias da conspiração que aparecem sobre o banco não são uma coincidência.
"Os governos dependem dos bancos, os bancos dependem dos governos. A relação é tão cinzenta e quem controla quem? Quem é o marionetista e quem é a marioneta? As pessoas podem ter as suas ideias sobre isto. Eu apenas expressei a minha perspectiva", disse.
Rastani não é o primeiro a atacar o papel do Goldman no mundo. Em Abril de 2010, um jornalista da "Rolling Stone" escreveu um artigo que se tornou famoso, tanto para os contestatários ao banco como para os que defendem o Goldman e utilizam a caracterização feita pelo repórter para ironizar com os detractores do banco. Matt Taibbi descreveu o Goldman como um "grande vampiro" que se alimenta da humanidade, com um apetite sanguinário implacável por tudo o que envolva dinheiro.

Do Goldman para o poder
O Goldman Sachs é uma escola que permite a muitos economistas e gestores atingir cargos de poder um pouco por todo o mundo.
Hank Paulson, antigo secretário de Estado do Tesouro dos EUA
Saiu da liderança do Goldman Sachs para ser secretário de Estado do Tesouro durante a administração Bush. Paulson delineou o programa de ajuda à banca durante a crise financeira de 2008, que também resgatou o Goldman.
Mario Draghi, futuro presidente do BCE
O futuro presidente do BCE, Mario Draghi, foi director-geral da Goldman Sachs International entre 2002 e 2005. A ligação levou-o a enfrentar perguntas dos eurodeputados sobre se esteve envolvido na ocultação do défice grego.
Mark Carney, governador do Banco Central do Canadá
O actual governador do banco central do Canadá passou 30 anos no Goldman.Foi responsável pelas áreas relacionadas com risco soberana e foi o homem com a tarefa de delinear a estratégia do banco durante a crise russa de 1998.
Romano Prodi, antigo presidente da comissão europeia
O antigo presidente da Comissão e ex-primeiro-ministro italiano esteve no Goldman nos anos 90. A ligação valeu-lhe críticas da Oposição quando rebentou um escândalo a envolver o Goldman e uma empresa italiana.
Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial
O actual presidente do Banco Mundial foi director-geral do Goldman.Antes de se juntar ao banco tinha trabalhado no Departamento do Tesouro norte-americano. Lidera o Banco Mundial desde Julho de 2007.
Robert Rubin, antigo Secretário de Estado do Tesouro dos EUA
Robert Rubin teve cargos de topo na administração do Goldman. Após 26 anos no banco foi escolhido por Bill Clinton como secretário de Estado do Tesouro. Após passar pelo Governo, trabalhou no Citigroup.
Ducan Niederauer, presidente da NYSE Euronext
O presidente da NYSE Euronext, Duncan Niederauer, que detém as bolsas de Nova Iorque e de Paris, Bruxelas, Amesterdão e Lisboa, foi responsável do Goldman pela área da execução de ordens dadas sobre títulos financeiros.
Mark Patterson, Chefe de Staff do Tesouro dos EUA
Mark Patterson é o chefe de gabinete do actual secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner. Antes de se juntar ao governo estava registado como lóbista, intercedendo para defender os interesses do Goldman.
António Borges, director do Departamento Europeu do FMI
O economista foi vice-presidente e director-geral do Goldman entre 2000 e 2008. Após sair do banco foi da associação que delineia a regulação dos ‘hedge funds'. Em Outubro de 2010, foi nomeado director do FMI para a Europa.
Carlos Moedas, Secretário de Estado adjunto do Primeiro Ministro
Após acabar o MBA em Harvard, no ano 2000, o actual responsável pelo acompanhamento do programa da ‘troika' foi trabalhar para a divisão europeia de fusões e aquisições do Goldman Sachs. Saiu do banco em 2004.
António Horta Osório, presidente do Lloyds Bank
O primeiro emprego de Horta Osório após terminar o MBA no Insead foi no Goldman, centrando-se na área de ‘corporate finance'. Actualmente é presidente do banco britânico Lloyds depois de ter estado no Santander.

2012-05-19

Miguel Relvas ameaça e censura o jornal Público

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O Ministro Miguel Relvas que tutela a comunicação social ameaçou o jornal Público de boicote por parte do Governo e ameaçou a jornalista Maria José Oliveira de que divulgaria, na Internet, dados da vida privada,  para impedir a publicação por esta jornalista naquele jornal de uma notícia sobre incongruências das declarações do governante ao Parlamento.

É o que afirma o comunicado do Conselho de Redação do Público que repudia as pressões do ministro e o comportamento da direção do Público que se vergou às intoleráveis pressões do ministro.

(Fonte: http://www.agenciafinanceira.iol.pt/economia/relvas-ameaca-publico-secretas-noticia-ministro/1349417-4058.html )

COMUNICADO DO CONSELHO DE REDACÇÃO [do Público]

A jornalista Maria José Oliveira pediu ao Conselho de Redacção que analisasse umasérie de episódios ocorridos na passada quarta-feira, na qual o ministro Adjunto e dosAssuntos Parlamentares, Miguel Relvas, queixou-se ao jornal de estar a ser perseguido,ameaçando a jornalista e o PÚBLICO se fosse publicada uma determinada notícia, relacionada com o caso das “secretas”.

A notícia não foi publicada. O CR ouviu a jornalista, a editora de Política e os directores Bárbara Reis e MiguelGaspar e, destas auscultações, entende considerar o assunto em duas vertentes: asameaças de Miguel Relvas e a não publicação da notícia.

As ameaças

As ameaças foram confirmadas pela editora de Política, que recebera um telefonemade Relvas depois de Maria José Oliveira ter enviado ao ministro questões para umanotícia de follow-up às incongruências das declarações do governante ao Parlamento,um dia antes. Relvas terá dito que, se o jornal publicasse a notícia, enviaria uma queixa à ERC, promoveria um “black out” de todos os ministros em relação ao PÚBLICO e divulgaria, na Internet, dados da vida privada da jornalista. Estas ameaças foramreiteradas num segundo contacto telefónico .

A editora de Política afirma que, ao longo dos anos, sempre recebeu ameaças de governantes e sempre as tratou da mesma maneira, ignorando-as. De qualquer forma, a jornalista foi informada pela editora do teor da conversa com o ministro e ambas, apedido da jornalista, levaram o caso à directora Bárbara Reis, que não atribuiu relevo às ameaças, por também lidar com situações do género com muita frequência. Posteriormente, Miguel Relvas falou com Bárbara Reis, a contestar o conteúdo da notícia saída no papel naquele dia, sobre a qual a jornalista pretendia fazer um follow-up .

A directora não interpelou o ministro sobre as ameaças feitas no telefonema àeditora. Até ontem, quinta-feira, a direcção editorial não tinha tomado posição, nemfeito qualquer diligência sobre as ameaças em si. Segundo a directora, é um assunto que tem de ser tratado com calma, e não “a quente”.
O director Miguel Gaspar considera que o caso é grave e vai ser tratado pela direcção.
O Conselho de Redacção é da opinião que ameaças como aquelas, vindas de um dos ministros mais importantes do Governo e que, além disso, tem o pelouro da Comunicação Social, não deviam ter sido tratadas como se fosse um episódio normal,igual a tantos outros. Pelo contrário, o CR considera que as ameaças, cujo único fim era condicionar a publicação de trabalhos incómodos para o ministro, são intoleráveis e revelam um desrespeito inadmissível do governante em relação à actividade jornalística, ao jornal PÚBLICO e à jornalista Maria José Oliveira. Mostram, ainda, uma grosseira distorção do comportamento de um governante que, ao invés de zelar pela liberdade de imprensa, vale-se de ameaças – um acto essencialmente cobarde – para tentar travar um órgão de comunicação social que cumpre o seu inalienável papel decontra-poder.

O PÚBLICO teve três oportunidades para lidar com as ameaças: no primeiro telefonema à editora de Política, numa segunda conversa telefónica com a directora e nas próprias páginas do jornal do dia seguinte, através de uma notícia, um editorial,uma nota da direcção, ou qualquer outra forma pela qual o PÚBLICO manifestasse o repúdio pelos actos do ministro, que é de manifesto interesse público divulgar. Os portugueses têm o direito de saber quem é e como age o seu ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, e o PÚBLICO tem a obrigação de revelar este triste episódio, no âmbito da cobertura que tem feito do caso das “secretas”. Nada, no entanto, foi feito nem no dia em que as ameaças foram proferidas, nem nodia seguinte.
Editores e directores têm toda a legitimidade para tratar dos assuntos sob a sua tutela de acordo com o seu modo e juízo pessoal. Mas, neste caso, o jornal falhou ao não repudiar imediata e publicamente a inaceitável atitude de pressão daquele que é considerado o “número 2” do Governo da República.
O PÚBLICO não pode nunca aceitar, calado, tal tipo de pressões e é lamentável que o tenha feito. Os elementos do CR irão estudar o caso com o advogado do jornal e com o Sindicatodos Jornalistas para definir acções futuras junto das entidades competentes.
A não publicação do artigo O artigo que não chegou a ser publicado era um follow-up da notícia que apontavaincongruências no depoimento de Relvas no Parlamento, publicada no papel naquelaquarta-feira. Maria José Oliveira enviou ao ministro perguntas que não tinham sido feitas ou respondidas no Parlamento. O resultado foi uma notícia cujo “lead” era o de que o ministro se recusava a esclarecer ao PÚBLICO sobre as incongruências,acrescentando mais alguns detalhes sobre as mesas.

A editora de Política, antes de receber o telefonema do ministro, disse que não valeriaa pena publicar a notícia no papel, pois não trazia nada de substancialmente novo em relação ao que já tinha sido escrito. A editora reiterou várias vezes ao CR que decidira não publicar no papel antes do telefonema de Miguel Relvas, com as ameaças. Não se opôs, de qualquer forma, que fosse publicada no online, porque o texto que constava na edição escrita do jornal (e onde eram já mencionadas as incongruências nas respostas do ministro) não estava disponível na edição electrónica.

Segundo a directora Bárbara Reis, a relevância do artigo levantou dúvidas desde omeio da tarde junto dos editores do online. A jornalista foi questionada várias veze sobre a redacção da notícia ao longo da tarde e o próprio texto que saíra no jornal naquele dia foi alvo de reconfirmação, na sequência de um telefonema de Miguel Relvas à directora a dizer que a notícia era falsa.
A direcção confirmou que a notícia já publicada no papel estava correcta. Só já à noite é que o director Miguel Gaspar, a quem o assunto foi passado horas depois de ter sido discutido por editores e pela directora, decidiu não publicar anotícia. Miguel Gaspar disse ao CR que a decisão baseou-se única e exclusivamente na sua interpretação de que dizer apenas que o ministro não respondera ao PÚBLICO não era uma notícia – em consonância com opiniões já expressas pela directora e pela editora-substituta do online.
A editora de Política, como referido, não se opôs à notícia sair no online, dizendo ao CR que não interfere na edição electrónica. Miguel Gaspar afirmou ainda ter sugerido à jornalista que continuasse a investigar o caso, fazendo eventualmente um trabalho mais sistematizado, com mais dados, sobre as incongruências do ministro Miguel Relvas.

Os membros do Conselho de Redacção consideram que existia relevância noticiosa notexto de Maria José Oliveira, que fez o que qualquer jornalista deve fazer: não deixou cair a história e trabalhou para aprofundá-la, procurando esclarecimentos junto do ministro.

O CR é da opinião que, mesmo que os telefonemas do ministro não tenham tido aqui qualquer influência, a não publicação da notícia passará a imagem para fora, quando o assunto vier a tornar-se público, como é expectável, de que foi justamente isto o que aconteceu: que o PÚBLICO vergou- se perante ameaças do “número 2” do Governo. Independentemente da mais-valia de se aguardar por um follow-up mais aprofundado,a publicação da notícia, juntamente com a divulgação pública das pressões doministro, teria certamente evitado este possível dano na imagem de independência do PÚBLICO, imagem esta que o jornal tem o dever de preservar.
Bruno Prata
Clara Viana
João D’Espiney
João Ramos de Almeida
Luís Francisco
Luís Miguel Queirós
Ricardo Garcia
Rita Siza
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Miguel Relvas acusado de ameaçar jornalista

Link

Ministro terá ameaçado revelar vida privada de jornalista do «Público», caso fosse publicada notícia sobre «secretas». Relvas assume telefonema, desmente pressões

O conselho de redação do jornal «Público» acusa o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, de ter ameaçado a jornalista Maria José Oliveira, e o jornal, «se fosse publicada uma determinada notícia, relacionada com o caso das secretas», sendo que a notícia «não foi publicada».

A direção do jornal contesta a divulgação pública desse comunicado, apesar de reconhecer que essa pressão existiu. À Agência Financeira o assessor de Miguel Relvas diz que o ministro «desmente categoricamente qualquer tipo de ameaça», mas admite que o governante telefonou à diretora e à editora do jornal, «que decidiram não publicar a notícia». «A publicação ou não da notícia é uma decisão interna do jornal», disse António Valle, que não quis revelar o teor dos telefonemas feitos por Miguel Relvas.

Segundo o conselho de redação do diário, «Relvas terá dito que, se o jornal publicasse a notícia, enviaria uma queixa à ERC, promoveria um black out de todos os ministros em relação ao "Público" e divulgaria, na Internet, dados da vida privada da jornalista. Estas ameaças foram reiteradas num segundo contacto telefónico».

A direcção do «Público» diz ter sido «surpreendida» com a divulgação do comunicado do conselho de redação, que foi descrito como «inaceitável e que representa uma manipulação intolerável dos factos».

«O comunicado insinua que o "Público" não publicou uma notícia sobre o caso das secretas na sequência de pressões do ministro Miguel Relvas. Até hoje nenhuma notícia sobre o caso das secretas deixou de ser publicada e nenhum facto relevante sobre esta matéria deixou de ser do conhecimento dos leitores», lê-se na nota.

O jornal justificou a não publicação da notícia por considerar que «não havia matéria publicável». Uma avaliação feita pela direção e por três editores.

Em causa nessa notícia está, de acordo com o conselho de redação, um «follow-up às incongruências das declarações do governante ao Parlamento, um dia antes». O ministro não terá aceitado responder às questões de Maria José Oliveira, a que seguiram os telefonemas em causa por parte de Relvas.

O mesmo órgão diz ainda que «a diretora não interpelou o ministro sobre as ameaças feitas». Na resposta, a direção assegura que Bárbara Reis «protestou junto do ministro Miguel Relvas por ter exercido uma pressão que toda a direcção considera inaceitável». E explica que a regra é não publicar pressões, a não ser que estas constituam uma violação da lei.

«A direção consultou o advogado do jornal, Francisco Teixeira da Mota, que considerou não ser esse o caso», lê-se na nota.

2012-04-27

Manifesto sobressalto

 FERNANDA CÂNCIO  Fernanda Câncio, pois claro. No DN de 2012 04 27. Muitos como ela e Portugal sairia da crise!
...
"É altura de os Portugueses despertarem da letargia em que têm vivido e perceberem claramente que só uma grande mobilização da sociedade civil permitirá garantir um rumo de futuro."(1)
"É oportuno tomar uma posição clara contra a iniquidade, o medo e o conformismo que se estão a instalar na nossa sociedade."(2)
"Precisamos de uma política humana, orientada para as pessoas concretas, para famílias inteiras que enfrentam privações absolutamente inadmissíveis num país europeu do século XXI."(3)
"Portugal é já o país da União Europeia com maiores desigualdades sociais."(4)
"Precisamos de um combate firme às desigualdades e à pobreza que corroem a nossa unidade como povo."(5)
"O rumo político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho."(6)
"A expectativa legítima dos Portugueses é a de que todas as políticas públicas e decisões de investimento tenham em conta o seu impacto no mercado laboral, privilegiando iniciativas que criem emprego ou que permitam a defesa dos postos de trabalho. [...] Exige-se, em particular, um esforço determinado no sentido de combater o flagelo do desemprego."(7)
"As medidas e sacrifícios impostos aos cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa humana."(8)
"Sem crescimento económico, os custos sociais da consolidação orçamental serão insuportáveis. [...] Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos."(9)
"O contrato social estabelecido na Constituição da República Portuguesa foi rompido pelo poder."(10)
"Precisamos de gestos fortes que permitam recuperar a confiança nos governantes e nas instituições."(11) "Queremos apelar ao Povo português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e ajam, em unidade patriótica, para salvar Portugal, a liberdade, a democracia."(12)
"É necessário um sobressalto cívico."(13)
"Queremos reafirmar a nossa convicção quanto à vitória futura, mesmo que sofrida, dos valores de Abril no quadro de uma alternativa política, económica, social e cultural que corresponda aos anseios profundos do Povo português."(14)
"Façam ouvir a vossa voz. Este é o vosso tempo. [... ] Mostrem que não se acomodam nem se resignam."(15)
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(Ímpares: discurso de tomada de posse de Cavaco Silva, 9 de março de 2011; Pares: Comunicado da Associação 25 de Abril, 23 de abril de 2012)
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Conclusão: "Com o espírito do 25 de Abril, juntos iremos vencer. Obrigado." - Cavaco Silva, 25 de abril de 2012.

2012-01-24

Raquel Freire uma voz indomável


Este Tempo a última crónica de Raquel Freire, na Antena 1, em que anunciou ter sido demitida pelo Governo.

Porquê? Ora porquê! Porque recusou ser a voz do dono, a voz do Relvas, do Passos Coelho, do governo da Troica, do governo dos banqueiros. Porque as suas crónicas são uma fonte de inspiração a todos os que amam a liberdade e acreditam num mundo diferente. Porque ademais luta contra a resignação, apela à esperança e à combatividade de cada cidadão, apela à revolta. E disso, é claro, o capital financeiro não concorda e os seus empregados demitem, despedem. Até um dia.

Ver aqui o post de Ricardo Santos Pinto no 5 dias.
Ou no JN, a entrevista a Helena Teixeira da Silva.


2012-01-22

Álvaro de Campos: "Cruzou por mim..."


Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
E' estar ao lado da escala social,
E' não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!

Tudo menos importar-me com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
E' ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
E' ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma; sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido

2012-01-21

50º Aniversário da Revolta de Beja: Intervenção de António Louçã

O Movimento Não Apaguem a Memória-NAM em cooperação com a Comissão de Participantes (na revolta) organizou uma sessão comemorativa do 50º aniversário e de homenagem aos heróis de Beja, no dia 14 de Janeiro de 2012, na Biblioteca Museu da República e da Resistência, em Lisboa. A assistência ultrapassou muito a lotação da sala e as intervenções couberam aos historiadores Irene Pimentel e António Louçã e ao coronel Carlos Matos Gomes.
Intervenção do historiador António Louçã: 

"Agradeço às pessoas presentes o interesse pelo tema, que sa fez deslocarem-se aqui nesta tarde de sábado. Aos participantes da Revolta de Beja não agradeço que se tenham levantado em armas contra a ditadura salazarista, porque não procuravam gratidão - procuravam apenas fazer o que era preciso e esse “apenas” era muito. Para alguns foi tudo: o sacrifício de si próprios e de familiares seus, dos confortos, das carreiras, da liberdade e até da vida. E continuam hoje, os vinte e três subscritores do comunicado evocativo da Revolta, a dar testemunho contra esta voragem neo-liberal que ameaça as gerações vindouras.

Valha esta referência como declaração de intenções. O historiador, o jornalista, o investigador ou o estudioso, segundo a amável apresentação do Raimundo Narciso, ao debruçar-se sobre uma iniciativa da envergadura que teve a Revolta de Beja, não pode deixar de vibrar com ela e de tomar partido. Eu, partidário dos insurrectos, me confesso e declaro desde já este parti pris.

Agradeço à associação “Não Apaguem a Memória” o convite para participar nesta comemoração. No nome da associação vai toda uma intenção programática.

A memória, desde logo, é apagada ou adulterada neste regime de pensamento único em que hoje vivemos. No Chile, é agora doutrina oficial que não houve uma ditadura, e sim um “regime militar”. Em Portugal, nega-se a resistência e, como não há esquecimento quimicamente puro e a natureza tem horror ao vazio, logo se promove alguma interpretação distorcida da História para preencher o vácuo laboriosamente criado. Quem apaga uma memória está a instalar, no seu lugar, uma memória diferente. Quem apaga a memória do Veiga Simão, ministro dos gorilas, pretende erguer uma estátua ao Veiga Simão, reformador da educação. E era isso que fazia, aqui há uma semana, um texto de Barbara Wong no Público, apresentando o ministro da ditadura como autor de uma “tentativa de democratização da escola”, interrompida – adivinhem – pelo 25 de Abril. O 25 de Abril interrompeu a “democratização da escola”.

Também em ambiente académico se omite ou branqueia. Duas obras históricas, de referência, das mais importantes que foram publicadas nos últimos tempos, ilustram esta constatação. A biografia de Filipe Ribeiro de Menezes sobre Salazar, documentada, exaustiva, académica para o melhor e para o menos bom, apenas se refere brevemente à Revolta de Beja pelo ângulo das reacções e comportamentos do ditador: foi acordado, foi à missa de corpo presente pelo subsecretário do Exército, quis investigar um carácter cripto-comunista da revolta. Não custa a crer na obsessão de Salazar com o PCP, embora uma observação atenta do seu comportamento também pudesse ter notado que a Revolta lhe fez perder a fala e que a mensagem de 3 de Janeiro na AN teve de ser lida pelo seu fiel Mário de Figueiredo. O próprio Salazar confessava, aliás, que a mudez não se devia apenas à tomada de Goa, como depois ficou estabelecido na historiografia oficial, mas aos “acontecimentos dos últimos dias”.

A parte de Rui Ramos na História de Portugal refere-se ainda mais brevemente à Revolta de Beja, e apenas pelo ângulo da intervenção de Delgado. A melhor forma de fazer esquecer um acontecimento é o silêncio. E se o silêncio total é demasiado gritante numa obra com as pretensões desta que assina Ramos, então refere-se a Revolta de Beja, apenas como nota de rodapé para um outro tema, que é a humilhação infligida à Pide por Delgado (entrou e saiu do país, fez-se fotografar em frente do Diário de Notícias, foi a Beja).

Ao negacionismo subtil daquele historiador militante, junta-se o negacionismo grosseiro de um poder judicial herdeiro dos Tribunais Plenários. E assim vemos o mesmo Estado que reconstituiu integralmente as carreiras dos pides e lhes paga pensões de reforma sem qualquer beliscadura, a negar o “envolvimento na resistência à ditadura” de um Peralta Bação, com os seus quatro anos de prisão na sequência da Revolta de Beja. A doutrina oficial é, portanto, sancionada por obras com chancela académica e por sentenças com sinete judicial.

Mas uma das marcas de água do negacionismo está em baixar o nível do debate. E por isso devemos desembaraçar-nos dele e reflectir sobre o lugar da Revolta de Beja na História. Respondia essa revolta a um problema específico ou dava corpo a dilemas universais, recorrentes em toda a acção revolucionária?

Num acontecimento de envergadura histórica, como foi a Revolta de Beja, sempre se pode encontrar traços característicos, teimosamente repetidos em todas as grandes encruzilhadas da sociedade contemporânea. A Revolta de Beja não foi um capricho de uma centena de indivíduos – e já seriam demasiados para capricharem todos ao mesmo tempo e todos para o mesmo lado. Ela inseriu-se num fluxo, ou processo, de massas que vinha ao menos da campanha eleitoral de 1958. Os participantes tinham vivido a fraude eleitoral desse ano, alguns deles, operários na sua maioria, tinham vivido uma busca de alternativas por parte da classe trabalhadora que, após ser defraudada nas urnas, se lançara numa imponente vaga de greves contra a ditadura. O esmorecer desse movimento grevista, por falta de direcção, e por uma série de factores que agora não vêm ao caso, deixou esse amargo de boca e essa apetência por novas soluções que só podiam encontrar-se em algum tipo de acção directa.

O ano de 1961 tinha tudo para manter acesa a chama revolucionária. A nível mundial, foi um ano de violentos confrontos com o imperialismo. Depois de ser militarmente derrotado no Vietname, o imperialismo francês foi politicamente derrotado na Argélia. Num momento de superioridade sobre as forças argelinas, De Gaulle teve a lucidez de entender que a colonização estava condenada e mais lhe valia negociar enquanto estivesse em posição de força. Daí resultou o referendo de Janeiro de 1961, que abriu caminho à independência argelina.

A uma escala diferente, a ditadura de Salazar também estava no centro de uma efervescência sem precedente. Habitualmente, 1961 é considerado o seu annus horribilis. Em Janeiro, tomada do Santa Maria; em Fevereiro, começo da guerra colonial em Luanda; em Março, massacres da UPA no norte de Angola; em Novembro, campanha eleitoral com eco de massas considerável; finalmente, em Dezembro, tomada de Goa, Damão e Diu pela União Indiana.

Ora a designação do ano e a enumeração de desaires políticos sugere um quadro de facilidades irreal. A nível global, o imperialismo norte-americano não se dava por vencido. No mês de Janeiro, era a sua mão que estava por trás do assassínio de Lumumba, no Congo. Em Abril apadrinhava e apoiava a invasão de Cuba, derrotada na Baía dos Porcos. Em Maio, impulsionava o golpe militar de Park Chung Hee, na Coreia do Sul. Passados alguns meses, em Dezembro, oficializava a sua escalada no Vietname: para já, era um movimento ofensivo, embora acabasse por conduzi-lo à sua maior derrota histórica.

Tal como o império norte-americano contra-atacava, também a ditadura portuguesa, à sua escala, se defendia com unhas e dentes. Os trabalhadores da Baixa do Cassange eram brutalmente reprimidos e mesmo bombardeados com napalm. Ao 4 de Fevereiro seguiam-se os massacres nos musseques de Luanda. Os massacres da UPA davam o sinal para uma contra-ofensiva política e militar em larga escala.

A intoxicação propagandística não falhou o alvo. A velha oposição era colocada entre a determinação de lutar pelo restabelecimento de valores republicanos ou pela tradição colonialista que também tinha existido, entre outras, na Primeira República. Um sopro de união sagrada sentiu-se numa parte da oposição burguesa: não seria a defesa da pátria mais urgente do que o derrubamento da ditadura? Mesmo o protagonista da tomada do Santa Maria e do desvio do avião da TAP, Henrique Galvão, fez causa comum com a odiada ditadura salazarista para repudiar o restabelecimento da soberania indiana em Goa.

Perante este quadro, que orientação devia adoptar-se? Seria de preparar melhores condições para um levantamento? Ou seria de passar imediatamente à acção? Este é um dilema clássico da acção revolucionária. Um certo objectivismo marxista distinguiu-se pela sua elevada exigência sobre a maturação das condições. A certa altura, a exigência era tanta que sempre se considerava faltar alguma condição essencial. E, no momento da verdade, os marxistas da escola de Plekhanov sentenciavam que era “um erro” pegar em armas. A iniciativa revolucionária passava a ser, para eles, invariavelmente uma prova de “blanquismo”. E, na verdade, Blanqui, com toda a sua exemplaridade, tinha estado na origem de vários fracassos ao longo do século XIX.

Mas o voluntarismo blanquista, tantas vezes inadequado, era noutras ocasiões indispensável para forçar um desenlace e impedir que apodrecessem condições já sobejamente amadurecidas. Disso tinha plena consciência Thiers, ao recusar a troca de mais de 70 prisioneiros da Comuna por um só prisioneiro em mãos dos versalheses: o próprio Auguste Blanqui (que isso equivaleria a oferecer à Comuna todo um regimento, explicou na altura Thiers). Alguma coisa desse suposto blanquismo existia também em Lenine, que a partir das Jornadas de Julho insistiu contra Zinoviev e Kamenev na necessidade de “marcar uma data” para a insurreição.

O mesmo ingrediente blanquista que nas mãos de Lenine foi ferramenta de vitória encontra-se presente em vários fracassos posteriores. Na Alemanha, em Março de 1921, “marcou-se a data”, contra todos os mandamentos do bom senso e avançou-se desse modo para um fiasco. No Outono de 1923, tentou-se “marcar a data”, mas os potenciais insurrectos recuaram no último instante. Em 1953, Fidel e Raul Castro marcaram a data e atacaram o Quartel de Moncada – sem êxito. Mas os insurrectos de Beja podiam ter presente a vitória do Ejército Rebelde, fazia então exactamente três anos. Apesar de tudo, Moncada tinha valido a pena ou, pelo menos, não tinha deitado tudo a perder.

O dilema de preparar as condições ou tomar a iniciativa manifesta-se também na forma de lidar com o problema da guerra. Deve a revolução antecipar-se à guerra? Ou será a guerra a parteira da revolução? Na mesma Rússia czarista, chegara a haver a expectativa de que a grande vaga de greves de 1914 derrubasse a autocracia antes de esta entrar na guerra. Nesse cenário, o país seria poupado à fome, às privações de todo o tipo e a milhares de mortes. Mas a embriaguez chauvinista da guerra veio precisamente cortar o fio da revolução e adiar por mais três anos o confronto decisivo com o czarismo. Em 1962, uma revolta bem sucedida em Beja, e depois no resto do pais, teria poupado as colónias portuguesas a perdas humanas e materiais incalculáveis e teria poupado a metrópole colonial a mais de 9.000 mortos – um número mais pesado, tendo em conta o tamanho do país, que as perdas dos EUA no Vietname. Mas ao fim de um ano de guerra, ainda concentrada numa só colónia, a ditadura tinha conseguido retomar o terreno perdido. Já podia agitar o espantalho da descolonização e ainda não era chamada a responder pelo preço da guerra.

A primeira madrugada de 1962, uma data marcada pelo imperativo categórico de poupar milhares de vidas, era, ao contrário do que sugere o rótulo do annus horribilis, o momento em que os insurrectos teriam de enfrentar a mais adversa das marés. Tomaram a decisão obedecendo a um elevado sentido de dever revolucionário – contra ventos e marés, como titula a recente biografia de Maria Eugénia Varela Gomes. Como em Moncada, o sacrifício dos seus mortos, feridos, torturados e condenados não foi inútil. Entre o ensaio geral de Janeiro de 1962 e a acção vitoriosa de Abril de 1974 decorreram os mesmos doze anos que entre o ensaio geral de 1905 e a revolução russa de Fevereiro. Aqueles que vivemos a revolução vitoriosa no limiar da nossa vida adulta temos essa dívida para com os insurrectos de Beja.

2012-01-01

Salvem oa cidadãos antes dos bancos


James K. Galbraith e Aurore Lacq em  Le Monde 2011-12-13 
 [La crise de la zone euro est une crise bancaire qui a pris la forme d'une série de crises des dettes souveraines. Une crise aggravée par des idées économiques réactionnaires, une architecture défectueuse et un climat politique toxique. Comme la crise américaine, elle est le fruit de ...]

(tradução)

A crise da zona euro é uma crise bancária que assumiu a forma de uma série de crises de dívida soberana. Uma crise agravada pelas ideias reaccionárias em economia, por uma arquitectura com falhas e um clima político tóxico. Como a crise americana, é o resultado de empréstimos laxistas destinados a mutuários de fracos rendimentos: a habitação em Espanha, o imobiliário comercial na Irlanda, o sector público na Grécia. Os bancos europeus beneficiaram com os efeitos de alavancagem oferecidos pelos activos tóxicos americanos.

Quando os países entraram em colapso, os bancos decidiram livrar-se das obrigações dos Estados mais frágeis em benefício dos países mais fortes para preservarem a sua rentabilidade, o que mergulhou a União Europeia na crise.

Neste tipo de crise, o primeiro reflexo dos bancos é o de fingir surpresa antes de culparem os seus clientes pela sua imprudência ou até mesmo pelo seu engano. Isto esconde o fato de que durante muito tempo os banqueiros concederam empréstimos com demasiada facilidade, com a intenção de embolsarem óptimas comissões. Esta estratégia dos bancos funciona muito melhor na Europa que os Estados Unidos, devido às fronteiras nacionais que separam devedores dos credores e às ligações entre os dirigentes políticos e os grandes bancos nacionais que de repente nem sequer hesitem em difundir estereótipos racistas.

Na base deste poder bancário, há uma corrente de pensamento e de políticos que consideram os excedentes como um sinal de virtude e consideram os défices como sendo um sinal de vício, um fetiche da desregulamentação, das privatizações e dos ajustamentos pelo mercado. O norte da Europa realmente tem esquecido que a integração económica tem sempre como seu efeito a concentração da indústria nas regiões mais ricas.

A Alemanha e a França estão agora armados em professores face aos países endividados: rigor salarial, cortes orçamentais. Lições que se tornaram as injunções do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu (BCE): os novos pobres endividados já não vivem numa democracia.

A arquitectura da zona euro agrava a crise de duas maneiras: primeiro, os fundos estruturais são demasiado fracos para corrigir as desigualdades regionais e os seus pagamentos estão bloqueados, porque as condições de co-financiamento são difíceis de preencher. Faltam também os mecanismos inter-regionais de redistribuição para as famílias, como aqueles que são criados nos Estados Unidos: reformas, Medicare, Medicaid, etc.

Em seguida, o BCE recusa-se a resolver esta crise através da compra de títulos dos países fragilizados – em nome do princípio segundo o qual ajudar estes Estados é estar a incentivá-los a endividarem-se, um argumento reforçada pelos temores de inflação. A zona euro, portanto, preferiu lançar-se na criação de um gigantesco CDO (títulos de dívida colateralizados - Collateralized Debt Obligation) que é o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira.

No entanto, existem soluções técnicas, por exemplo a "modesta proposta" de Yanis Varoufakis (Professor de economia, Universidade de Atenas) e de Stuart Holland (antigo parlamentar britânico e professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra) que sugere converter até 60% do PIB da dívida de cada um dos países da zona do euro em títulos europeus emitidos pelo BCE, de recapitalizar e de europeizar o sistema bancário e de lançar um New Deal com o Banco Europeu de Investimento. Pode se também pensar em estabelecer um direito de falência nacional (Raffer. Kunibert), em fazer do BCE um "grupo público para o serviço de interesse geral e do desenvolvimento" como a Caisse de dépôts (Thomas Palley) ou um imposto sobre os lucros dos bancos (Jan Toporowski).

Destas boas ideias nenhuma será posta em prática. Porque na Europa, os termos do debate são completamente fechados, às novas ideias, enquanto a sobrevivência política assenta na capacidade de " arrumar a casa" quanto às contas públicas. Tudo é feito para não enfrentar a realidade: a crise bancária. Cada reunião europeia conduz à adopção de submedidas pérfidas e de verdadeiras fugas para a frente. Quanto ao destino dos países mais fracos, é melhor ser considerado como dano colateral, ou mesmo como um mal necessário.

A Grécia e a Irlanda estão em vias de ficarem destruídos. Portugal e a Espanha estão em farrapos, a crise propaga-se à Itália e a França debate-se para tentar retardar a perda do seu AAA. Se houvesse uma forma simples de sair do euro, a Grécia já o teria feito. O único país que poderia optar por esta via é a Alemanha.

Para os outros, trata-se de escolher entre o cancro ou um ataque cardíaco, a menos que haja uma mudança radical na Europa do Norte mas dado que nenhum dos partidos socialistas alemão ou francês está em condições de aceder ao poder , estes não parecem estar em condições de ser capaz de a fornecer. Então, caminha-se para uma explosão social, acompanhada de um pânico financeiro e de um retorno inexorável de emigração. Resta apenas poder contar com a capacidade dos cidadãos europeus em se defenderem.

Não façam o mesmo erro histórico do que nós. Quando os Estados Unidos decidiram intervir no Iraque, a velha Europa não hesitou em dizer que o nosso país cometia um erro. Isto foi um alívio para os adversários da guerra, mas foi uma afronta para o governo. Hoje, é um americano da velha América, um americano da guerra civil, um americano do New Deal, que tenta dizer aos seus amigos europeus que eles estão a cometer um erro histórico ao recusarem-se a ouvir ideias de bom senso que consistem em fazerem, na verdade, rapidamente frente a uma situação excepcional.