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link: https://nit.pt/coolt/livros/controlada-seita-abusada-pai-historia-rachel-jeffs Texto Andreia Costa 03/04/2018
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Foi educada na poligamia e o líder mórmon, o pai, era um dos mais procurados pelo FBI. “Filha do Profeta” conta tudo e a NiT mostra-lhe um capítulo em exclusivo.
O Pai (é assim, com letra maiúscula, que é referido)
controlava tudo, desde os nomes e a educação dos miúdos — mesmo os que não eram
dele — àquilo que os maridos podiam ou não praticar com as inúmeras mulheres na
intimidade. Pior do que tudo isso era o que fazia na sua própria família:
começou a abusar da filha Rachel quando ela tinha oito anos e casou com
crianças de 12.
Warren Jeffs, líder da Igreja
Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (um culto dentro da
igreja mórmon), fazia parte da lista das dez pessoas mais procuradas pelo FBI.
Foi condenado a prisão perpétua mas, mesmo preso, continua a controlar o que se
passa na sua seita poligâmica.
Rachel com os filhos (fotos de editora Planet
Rachel Jeffs, uma de 53 filhos,
conseguiu fugir e decidiu contar a sua experiência em “Filha do Profeta”
Em miúda, o pai levava-a a bibliotecas
para lhe mostrar pornografia e depois recriar com ela as
imagens; conheceu o marido na véspera casamento e dividiu-o com esposas-irmãs,
que não gostavam dela e lhe trancavam os filhos em closets escuros; acusada de crimes falsos, foi enviada para casas de
refúgio e afastada da família; a própria mãe foi considerada indigna quando lhe
diagnosticaram cancro.
As histórias macabras e surreais
sucedem-se nas cerca de 300 páginas deste livro. A NiT mostra-lhe, em
exclusivo, um dos capítulos de “Filha do Profeta"
12. Terra de Refúgio
“Assim que fiquei apta a viajar, o Rich
levou-me e ao nosso novo bebé de volta ao R23. Depois de cinco semanas no R17,
no Texas, com a família do Pai, estava ansiosa por partir. Senti-me mal pelos
meus irmãos e irmãs, que tinham de viver lá, rodeados de stress e do medo de
serem expulsos à mínima infracção.
Mas a distância pouco fez para nos
livrar do controlo do Pai. Quando ele deu o nome de Martha à minha segunda
filha, eu disse ao Rich:
– Gostava tanto que pudéssemos ser nós a
dar nomes aos nossos bebés. O Pai dá-lhes nomes tão feios e antiquados.
(A mãe do Rich chamava-se Martha.)
– Não digas isso, Rachel. É um
privilégio ter o teu Pai a escolher os nomes para os nossos filhos. É o Pai do
Céu que o inspira e devias sentir-te grata.
Graças ao antibiótico que a parteira me
deu, desenvolvi uma infecção fúngica grave, chamada candidíase, que fez com que
os meus mamilos inchassem de forma dolorosa e começassem a sangrar. Por isso,
tornou-se difícil amamentar a minha recém-nascida. A intervenção médica não era
uma opção, já que era suposto que nos mantivéssemos escondidos do mundo
exterior e o Pai dizia que os médicos estavam guardados apenas para situações
de vida ou de morte (e mesmo aí, como provara com a doença da minha mãe, podia
ser que ele não permitisse). Em vez disso, devíamos rezar a Deus pela cura.
O Rich ficou contente por eu não poder
dar de Com o marido, Rich mamar, porque em Fevereiro o Pai tinha dado formação aos homens
em «moral celestial» e tinha-lhes dito que nunca deveriam ter relações sexuais
com uma mulher que estivesse grávida ou
a amamentar. O Rich encorajou-me a alimentar a Martha com
a amamentar. O Rich encorajou-me a alimentar a Martha com
biberão.
A minha infecção durou vários meses, até
que o Rich pediu a um dos homens que ia a Short Creek para pedir Diflucan a uma
das enfermeiras certificadas que trabalhavam no Centro de Saúde de Hildale. O
Diflucan acabou com a infecção mas nunca mais pude amamentar a minha bebé,
porque tinha perdido o leite.
A nossa família vivia num apartamento no armazém com
uma pequena cozinha/zona de refeições, uma pequena sala de estar e quatro
quartos. O Rich pôs-me no quarto junto ao dele, e tanto a Susan como a Molly
tinham os seus próprios quartos. A Trish ainda estava em Short Creek, mas
tínhamos as duas filhas dela connosco, o que significava que todas as mulheres
tinham duas ou mais crianças a partilhar os quartos.
As minhas esposas-irmãs estavam cada vez
mais ciumentas. Elas pensavam que como não estava a amamentar eu e o
Rich tínhamos sexo todas as vezes que estávamos sozinhos. Por causa disso,
estavam sempre a inventar formas
criativas de se vingarem de mim e das minhas
filhas. Por vezes, o Rich levava-me com ele para tratar de recados para o meu
Pai e dizia-me para deixar em casa a Barbie, que ainda não tinha dois anos.
Quando voltava, via que a tinham deixado por sua conta durante a minha
ausência. Ela tinha de se vestir sozinha e perceber como se limpar quando sujava
as calças. Os sinais não deixavam margem para dúvidas: ela tinha um ar
desgrenhado e o meu quarto e casa de banho estavam uma confusão.
Ficava furiosa, mas não havia nada que
pudesse fazer. O Rich dizia-me apenas:
– Ama e perdoa as tuas esposas-irmãs. É
a única maneira de ajudar a Barbie.
Quando não estávamos a competir pela
atenção do Rich, todas nós aprendemos muito sobre sobrevivência durante aqueles
primeiros anos no Dakota do Sul. A nossa água tinha de ser transportada de uma
cidade distante e havia alturas em que o camião se avariava e chegávamos a
passar dois dias sem água. No Inverno, juntávamos neve em panelas e
derretíamo-la para termos água para limpar e cozinhar. Fez-me perceber quão
ingrata tinha sido sempre em relação ao luxo de ter água corrente.
As quatro passávamos muito tempo a coser
roupas para a nossa família. De início tudo parecia bastante terrível e amador,
mas lá acabámos por aprender a coser depressa e bem. Até nos divertíamos ao
fazê-lo, desde que o Rich não estivesse por perto, para nos tornar a todas
ciumentas.
O Rich estava encarregue do armazém e
pediu-me para gerir os registos do inventário e a contabilidade. Aprendi
sozinha a usar o QuickBooks para registar tudo. Também me pôs na estufa, onde
eu semeava sementes e colhia as plantas de flores, frutos e vegetais para o
nosso jardim. Não percebia muito do assunto, mas aprendi através da tentativa e
erro e Com três das esposas-irmãs de todos e quaisquer livros que encontrasse sobre o assunto.
As minha esposa-irmã Molly mugia as
vacas e tomava conta das galinhas. Levava muitas vezes as crianças com ela para
a ajudar a dar comida e levar a cabo outras tarefas relacionadas com os
animais. Elas gostavam muito.
Isto revelou-se uma bênção, uma vez
que no início de 2005 o Pai nos enviou uma revelação de que o Senhor
não queria que as crianças tivessem qualquer tipo de brinquedo. Ele disse
que Deus considerava as bonecas uma paródia da Sua imagem e um ídolo.
Bicicletas, skates, jogos – qualquer coisa divertida ou que as mantivesse
entretidas era vista como obra do diabo.
[…]
A única coisa que nos restava para fazer
era trabalhar, e havia trabalho de sobra, mesmo que fosse só para assegurar que
tínhamos tudo aquilo de que precisávamos, incluindo medicamentos. Cultivávamos
todas as ervas que o clima do Dakota do Sul permitia. Quando as crianças
adoeciam, fazíamos-lhes chás de ervas e desenvolvíamos os nossos remédios
naturais para as curarmos. Certo dia, enquanto fui a uma reunião geral, deixei
as minhas filhas com a minha irmã Melanie, que agora vivia lá. A Melanie
irrompeu pela reunião, com a Martha ao colo, que gritava sem parar. A minha
irmã tinha adormecido enquanto a pequena Martha saltava na cama. Ela tinha
saltado para fora da cama, aterrado num aquecedor e o pé ficara preso. A
Melanie acordou quando ouviu os gritos da Martha.
Agarrei na minha filha e corri para a
casa de banho, para pôr o pé dela debaixo de água fria. Assisti à pele dela a
cair do pequeno tornozelo e da parte de baixo do pé.
As outras mulheres trancavam uma das filhas de Rachel um
closet o dia todo
A Melanie sentiu-se culpada e ajudou-me
a cuidar da Martha. Fiz-lhe um unguento com ervas e mudava-lho a cada cinco
horas. Por sorte, passados dois dias já a Martha andava e as queimaduras
sararam tão bem que quase não deixaram cicatrizes, embora ela tenha perdido a
sensibilidade em algumas zonas por causa da gravidade dos ferimentos em certas
terminações nervosas.
A maior parte das mulheres da igreja
ficava de esperanças quando o filho mais novo tinha cerca de um ano. Mas depois
da Martha não fui capaz de engravidar, o que fez as minhas esposas-irmãs
ficarem ainda mais ciumentas e mais inclinadas a acharem que eu e o Rich
andávamos a ter sexo a toda a hora. (Não andávamos.) Comecei a ficar
desesperada por engravidar, nem que fosse porque não queria que estivessem
todos zangados comigo. As esposas também estavam zangadas com o Rich e ele
começou a passar cada vez menos tempo comigo para lhes agradar.
Entretanto, os problemas do Pai
agravavam-se. Em Junho de 2005, as autoridades agiram por fim contra ele.
Um grande júri do condado de Mohave, no Arizona, acusou-o de má conduta sexual
com uma menor, de conspiração para cometer má conduta sexual com uma menor e de
arranjar um casamento plural entre uma adolescente e um homem mais velho. Nesse
mesmo mês, procuradores federais acusaram-no de fuga ilícita para evitar a
acusação. O procurador-geral do Utah pediu a um juiz para congelar os bens da
igreja, que ascendiam a mais de 100 milhões de dólares. Durante anos a igreja
deteve e operou uma série de negócios, incluindo construção e usinagem, que
resultaram em enormes receitas usadas para
financiar a compra e construção das várias terras de refúgio e outras
propriedades da igreja. Em Julho, o Utah e o Arizona juntaram-se para
anunciar em conjunto uma recompensa de 10 mil dólares por inf. que levasse à
detenção do pai.
Em Novembro, o irmão mais novo do Pai, Seth, foi
mandado parar no Colorado, com mais de 140 mil dólares em dinheiro, cartões de
telefone pré-pagos e cartões de crédito, e molhos de cartas dirigidas ao Pai,
fosse como «Warren Jeffs» ou como «O Profeta». Seth admitiu às autoridades
estar a levar estas coisas ao Pai mas recusou-se a revelar-lhes o seu
paradeiro.
[…]
O Pai veio ao Dakota do Sul visitar-nos
em Maio de 2006, mais ou menos na mesma altura em que o procurador-geral dos
EUA o acusou de fuga ilícita e que o FBI o incluiu na lista dos 10 mais
procurados, com uma recompensa de 100 mil dólares por informações que
conduzissem à sua captura.
O Pai não nos contou nada disto e, uma
vez que não tínhamos acesso à televisão ou à rádio, não tínhamos maneira de
saber. Em vez disso, disse-nos a todos para escrevermos cartas de confissão, enume- Ao lado do pai, Warren Jeffs. Com 12 anos rando-lhe os nossos pecados. Na minha carta, disse-lhe que estava zangada
com as minhas esposas-irmãs por causa da forma como me tratavam e às minhas
filhas. O Pai,
que agora era procurado pelo governo federal, lado a
lado com assassinos e traficantes de droga,
mandou-me uma mensagem de penitência,
onde dizia que eu não era digna de o ver e que toda a nossa família tinha
pecado.
O nosso castigo seria insano.”
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