Baptista Bastos mostra-nos Cavaco. Cavaco por dentro. Cavaco cavaco. Baptista Bastos é um artista da palavra e alia às suas qualidades literárias de grande jornalista e escritor uma larga cultura e uma madura experiência política. Por isso ele lê a alma deste homem que não merecíamos ter por presidente com a mesma facilidade com que eu leio os seus cintilantes artigos.
Para que fique à mão de uma indispensável referência sem as contingências da presença efémera no site do DN aqui o guardo:
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Um alarido inusitado, por injustificável, envolveu o discurso do dr. Cavaco
nas cerimónias oficiais do 25 de Abril. No Parlamento a coisa foi pífia, nas ruas
a festa assumiu o carácter do protesto
contra o que estamos a viver. Ouvi e li
o que disse o dr. Cavaco e não fiquei nem surpreendido nem chocado. É a
criatura que há, o Presidente que se arranja, irremissível e sombrio. Medíocre,
ressentido, mau-carácter, incapaz de compreender a natureza e a magnitude
histórica da revolução. E sempre agiu e se comportou consoante a estreita
concepção de mundo com que foi educado. A defesa da direita mais estratificada
está-lhe no sangue e na alma, além de manter, redondo e inamovível, um verdete
avassalador pela cultura. O possidonismo da sua estrutura comportamental pode
ser aferido naquela cena irremediável, em que, de mão dada com a família, sobe
a rampa que conduz ao Pátio dos Bichos, no Palácio de Belém, quando venceu as
presidenciais.
O homem confunde Thomas Mann com Thomas More; ignora que Os Lusíadas são
compostos por dez cantos; omite o nome de José Saramago, por torpe vingança, na
recente viagem à Colômbia, enquanto o Presidente deste país nomeou o Nobel português
com satisfação e realce; não se lhe conhece o mais módico interesse pela
leitura; e, quando primeiro-ministro, recusou à viúva de Salgueiro Maia uma
pensão, que, jubiloso e feliz, atribuiu a antigos torcionários da PIDE.
Conhece-se a arteirice com a qual acabrunhou Fernando Nogueira, seu afeiçoado;
a inventona das escutas em Belém, montada por um assessor insalubre e por um
jornalista leviano; a confusa alcavala com o BPN, com a qual auferiu uns
milhares de euros; contrariou uma tradição, por ódio e rancor (sempre o ódio e
o rancor), e não condecorou José Sócrates, quando este saiu de
primeiro-ministro. É uma criatura sem amigos; dispõe, apenas, de instantes de
amizade interesseira. Nada mais.
O discurso que tem suscitado tanta brotoeja é o seu normal. Tão mal escrito
quanto os outros; desprovido de conteúdo racional, emocional e ético; e um
atropelo às mais elementares normas de sensatez e equilíbrio exigíveis a quem
desempenha aquelas nobres funções. Espanto e indignação porquê e para quê?, se
ele não tem emenda nem berço que o recomende.
Mas as coisas, ultimamente, têm atingido proporções inquietantes. A ida a
Belém do primeiro-ministro e do ministro das Finanças perturbou o senhor.
Parece julgar-se a rainha de Inglaterra, considerando o papel superior a que a
si mesmo se atribui. A soberba dele sobe de tom, admitindo alguns de nós e
muitos de entre eles que pode haver indícios de oligofrenia, doença incurável.
"Eu bem avisei! Eu bem avisei!", costuma agora dizer, como uma
tenebrosa ameaça. No núcleo estrutural deste homem emerge a complexidade
indecisa de uma alma juvenil irresolvida - e, por isso mesmo, extremamente
perigosa.
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