2013-05-12

Como evitar o corte nas pensões

Eis um muito oportuno artigo do Professor Valadares Tavares, publicado no Público de 2013-05-12, que oferece ao governo uma alternativa aos cortes nas pensões e revela, de caminho, a sua profunda ignorância e impreparação para governar. Mas não se trata só de ignorância e impreparação. O 1ºM, o MF e outro pessoal da sua entourage são uns crentes nos dogmas neoliberais, gente muito centrada nos seus interesses e que nutre um colossal desprezo pelos seus concidadãos que vivem do seu trabalho. 

É urgente demitir o Governo e se o PR persistir no seu suporte para lá de toda a razoabilidade e decência então há que pressionar Cavaco a ir de B para B. É simples, é mudar-se de B para B. De Belém para Boliqueime.    
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O Orçamento do Estado é, em qualquer Estado moderno, o seu principal instrumento de governação, pelo que deve ser preparado, verificado, negociado e aprovado antes do início do ano para que possa estruturar as políticas e actuações governativas, inspirar confiança nos mercados e nos agentes económicos, ajudando estes a planear os seus Í investimentos e a programar as suas acções.

Portugal viveu nos primeiros tempos de democracia dificuldades graves de aprovação orçamental, vivendo-se no “regime dos duodécimos” com custos acrescidos para todos, mas nas últimas décadas passou a dispor de orçamentos aprovados atempadamente, embora não executados correctamente, pois em quase todos os exercícios foi necessário aprovar rectificações orçamentais, a partir do 2.º semestre, e ainda não se concluiu qualquer ano com saldo positivo! Infelizmente, no ano de 2013, Portugal regressa às dificuldades passadas, estando-se já em Maio sem saber qual o orçamento que vigora em 2013, o que resulta, não de dificuldades de aprovação na AR, mas sim da dificuldade de construção pelo Governo de propostas orçamentais que respeitem a Constituição.

Com efeito, as recentes declarações governamentais sobre eventuais propostas de alterações orçamentais, frisando-se que “está tudo em cima da mesa”, parecem indiciar um clima de brain storm, talvez útil numa fase muito preliminar de preparação do orçamento - a qual deveria ter ocorrido no Verão passado, mas certamente nunca em Maio do próprio ano. Este experimentalismo orçamental, ainda por cima, novamente, baseado em opções com elevada probabilidade de virem a ser consideradas inconstitucionais por quem tem competência para tal juízo - o Tribunal Constitucional -, lança o país em acrescida incerteza, aumentando a sensação de insegurança em todos os agentes económicos, especialmente consumidores e, por consequência, também nos investidores já que estes planeian os seus desenvolvimentos em função da procura.

Como exemplo, cenarizar novos cortes nas pensões, neste caso do sistema público, e com efeitos retroactivos (!), agudiza o pânico em centenas de milhares de consumidores que dispendem a quase totalidade do seu baixo rendimento disponível médio e gera imediata retracção no seu consumo. Ou seja, é a melhor forma que o Governo podia encontrar para acelerar a espiral recessiva, aumentar o crescimento do desemprego e retrair possíveis investimentos futuros.

Importa agora compreender que a aflição orçamental que vem sendo vivida pelo Governo e pelo país se relaciona, principalmente, com a necessidade real de reduzir a despesa pública, o que exige, como é evidente, que os decisores conheçam muito bem a complexa máquina geradora de despesa mas, infelizmente, as evidências indiciam o oposto, pois, se assim não fosse, como compreender a convicção, rapidamente malograda, de que seria pela fusão de algumas entidades que se faria a reforma do Estado (20l1e 2012)?

Ora todas as análises comparativas feitas mostram que o nosso sistema público é dos mais complexos, pois inclui cinco administrações públicas com histórias, lógicas e quadros legais e regulamentares bem distintos, a Administração Directa (direcões- gerais), desenhada pela Reforma de 1935, as Administrações Regionais e Autárquicas, surgidas nos anos 1970, a dos Institutos Públicos (serviços e fundos autónomos), muito expandida nos anos 1980, a das Empresas Públicas (década de 1990) e a das parcerias público-privadas, já deste século.

Eis por que quem nunca viveu a experiência de administração pública ou não a estudou tende a formar perceções erradas e a não conseguir controlar a própria despesa tal como os factos evidenciam. Talvez o melhor exemplo deste desconhecimento seja pensar que o principal problema da despesa pública seja o montante pago em salários e em pensões quando aqueles já estão aquém da média europeia e abaixo dos 10%. Pelo contrário, toda a soma das despesas contratualizadas com outras entidades (investimentos, bens, serviços e consumos intermédios) totaliza cerca de 17% do PIB, pelo que gerar aí uma poupança de 10% significa poupar quase 2% do PIB.

Infelizmente, esta componente da despesa pública não tem vindo a ser analisada ou controlada pois, senão, como compreender que a despesa com aquisições de bens e serviços dos institutos públicos tivesse aumentado mais de 10% em 2012, no ano de todos os cortes em salários e pensões, segundo os próprios dados do Ministério das Finanças? Ou compreender o aumento de mais de 50% desta rubrica na Administração Regional da Madeira? Quais os esclarecimentos do Governo sobre este descontrole?

Na verdade, urge não só rever toda a fundamentação desta vasta gama de despesas como também aumentar a sua transparência e eficiência. Para tal, uma das medidas mais evidentes consistirá em substituir a esmagadora maioria actual de ajustes directos, opacos, e evitando a competitividade e transparência, por procedimentos electrónicos, abertos a todos os potenciais fornecedores, o que, segundo dados recentes, permitirá reduzir a sua despesa em mais de 10%,

Atendendo a que o primeiro- ministro convidou à apresentação de propostas alternativas ao corte das pensões, aqui fica a primeira sugestão: reduzir a despesa nas aquisições de bens e serviços dos institutos públicos, das regiões, das empresas públicas em 10%, o que irá gerar uma poupança superior à necessária, potenciando a contratação electrónicas compensando os aumentos inacreditáveis que ocorreram em 2011 e.2012.
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Professor catedrátioo emérito do IST, ex-presidente do INA e presidente da APMEP.

2013-05-01

Cavaco ele mesmo

Baptista Bastos mostra-nos Cavaco. Cavaco por dentro. Cavaco cavaco. Baptista Bastos é um artista da palavra e alia às suas qualidades literárias de grande jornalista e escritor uma larga cultura e uma madura experiência política. Por isso ele lê a alma deste homem que não merecíamos ter por presidente com a mesma facilidade com que eu leio os seus cintilantes artigos.
Para que fique à mão de uma indispensável referência sem as contingências da presença efémera no site do DN aqui o guardo:

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Um alarido inusitado, por injustificável, envolveu o discurso do dr. Cavaco nas cerimónias oficiais do 25 de Abril. No Parlamento a coisa foi pífia, nas ruas a festa assumiu o carácter do protesto
contra o que estamos a viver. Ouvi e li o que disse o dr. Cavaco e não fiquei nem surpreendido nem chocado. É a criatura que há, o Presidente que se arranja, irremissível e sombrio. Medíocre, ressentido, mau-carácter, incapaz de compreender a natureza e a magnitude histórica da revolução. E sempre agiu e se comportou consoante a estreita concepção de mundo com que foi educado. A defesa da direita mais estratificada está-lhe no sangue e na alma, além de manter, redondo e inamovível, um verdete avassalador pela cultura. O possidonismo da sua estrutura comportamental pode ser aferido naquela cena irremediável, em que, de mão dada com a família, sobe a rampa que conduz ao Pátio dos Bichos, no Palácio de Belém, quando venceu as presidenciais.
O homem confunde Thomas Mann com Thomas More; ignora que Os Lusíadas são compostos por dez cantos; omite o nome de José Saramago, por torpe vingança, na recente viagem à Colômbia, enquanto o Presidente deste país nomeou o Nobel português com satisfação e realce; não se lhe conhece o mais módico interesse pela leitura; e, quando primeiro-ministro, recusou à viúva de Salgueiro Maia uma pensão, que, jubiloso e feliz, atribuiu a antigos torcionários da PIDE. Conhece-se a arteirice com a qual acabrunhou Fernando Nogueira, seu afeiçoado; a inventona das escutas em Belém, montada por um assessor insalubre e por um jornalista leviano; a confusa alcavala com o BPN, com a qual auferiu uns milhares de euros; contrariou uma tradição, por ódio e rancor (sempre o ódio e o rancor), e não condecorou José Sócrates, quando este saiu de primeiro-ministro. É uma criatura sem amigos; dispõe, apenas, de instantes de amizade interesseira. Nada mais.

O discurso que tem suscitado tanta brotoeja é o seu normal. Tão mal escrito quanto os outros; desprovido de conteúdo racional, emocional e ético; e um atropelo às mais elementares normas de sensatez e equilíbrio exigíveis a quem desempenha aquelas nobres funções. Espanto e indignação porquê e para quê?, se ele não tem emenda nem berço que o recomende.
Mas as coisas, ultimamente, têm atingido proporções inquietantes. A ida a Belém do primeiro-ministro e do ministro das Finanças perturbou o senhor. Parece julgar-se a rainha de Inglaterra, considerando o papel superior a que a si mesmo se atribui. A soberba dele sobe de tom, admitindo alguns de nós e muitos de entre eles que pode haver indícios de oligofrenia, doença incurável. "Eu bem avisei! Eu bem avisei!", costuma agora dizer, como uma tenebrosa ameaça. No núcleo estrutural deste homem emerge a complexidade indecisa de uma alma juvenil irresolvida - e, por isso mesmo, extremamente perigosa.