2009-10-10

O QUE FAREMOS COM ESTE PRESIDENTE?

Artigo de Victor Malheiro no Público de 3ª feira 6 de Outubro de 2009
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«Na terça-feira passada passei a integrar as fileiras, em termos políticos, de uma imensa maioria. Essa maioria é constituída pelos portugueses que ficaram estarrecidos depois de ouvir a declaração do Presidente do República sobre a questão das escutas. Estarrecidos não porque o Presidente tenha feito quaisquer revelações bombásticas (que não fez), não porque o Presidente tenha deixado “muitas coisas por esclarecer”, como disseram com inexcedível benevolência vários analistas, mas simplesmente porque o discurso do Presidente não fazia qualquer sentido.


Não estou a dizer que discordo do ponto de vista, da análise, da intenção, da estratégia do estilo ou do timing do presidente ou de qualquer outra coisa. O que digo é mais simples: seja qual for a análise que se faça da situação política do momento, da intenção do Presidente ou da sua estratégia, o discurso não fazia sentido. O texto não fazia sentido em termos de lógica formal, em termos retóricos ou em termos políticos - e está na Internet para quem o queira comprovar.

Se se tivesse tratado de uma declaração de improviso, à saída de casa, a incoerência e a incongruência seriam aceitáveis - poderiam desiludir-nos, porque todos gostaríamos de ter um Presidente com o pensamento organizado e um discurso articulado, mas seriam compreensíveis.

Num discurso anunciado repetidamente com dramatismo, que abordava urna questão que parecia tão momentosa como o “watergate”, ansiosamente esperado, que não pode deixar de ter sido escrito com enorme cuidado e analisado com o maior rigor, o facto é não só inaceitável como bizarro .

Um discurso presidencial não costuma ser fruto de um esforço individual e a explicação seria fácil se o Presidente se tivesse rodeado, em Belém de um staff escolhido entre as pessoas menos aptas do país (tanto em termos de retórica como o de puro raciocínio, como de análise política), mas esse não parece ser o caso. A explicação restante é que o texto foi de facto discutido com os seus assessores, mas estes não tiveram coragem, de lhe dizer que o discurso não fazia sentido, que não se pode dizer a mesma coisa e o seu contrário, etc.

Todos os Presidentes, e todos os políticos têm momentos infelizes e deslizes patéticos. É mais raro que planeiem cuidadosamente, um momento totalmente patético (o adjectivo, usado, por Ana Gomes, é rigoroso)

O discurso de Cavaco Silva levanta questões de grande relevância política para além das que têm sido abordadas. Pessoalmente, é-me indiferente se o Presidente e o primeiro-ministro se sentem mais ou menos constrangidos nos seus encontros semanais e se está ou não em causa uma “cooperação institucional” que nunca existiu.

O que é mais importante é que Cavaco Silva, antes das eleições, estava obviamente encantado consigo mesmo e antecipava com deleite a resposta que tinha preparado para dar a Sócrates (repare-se no seu sorriso nas televisões, quando repete que não falará, com ar de quem garante que o primeiro-ministro não espera pela demora).

Como é possível que o Presidente, garante do normal funcionamento das instituições democráticas e chefe supremo das Forças Armadas, manifeste um tão grande desfasamento com a realidade? Como é possível que alguém a quem se pede que consiga mediar e solucionar os problemas mais graves de relacionamento institucional que se revelem no pais faça uma intervenção tão trapalhona, tão tonta e tão contente consigo como o presidente fez na semana passada? Cavaco Silva parece bafejado pelos deuses: conseguiu criar uma imagem de rigor por ser hirto, uma imagem de seriedade politica por não ter sentido de humor e uma imagem de prudência por se exprimir como laconismo de um jogador de futebol. Mas de que maneira poderá capitalizar o facto, que agora se tornou ululantemente óbvio, de que não possui um mínimo de bom senso? E quanto tempo, em nome do sectarismo político, vão os seus apoiantes levar a admiti-lo»
José Vítor Malheiros
jvmalheiros@gmail.com