Tânia Laranjo in Público 2005 08 12
José Faria fez descrição escrita dos negócios imobiliários em que terá sido testa-de-ferro do autarca de Marco de Canaveses
Duas longas cartas, escritas por José Faria - o funcionário da Câmara de Marco de Canaveses, ex-braço-direito de Ferreira Torres, que na terça-feira à tarde tentou o suicídio -, estão agora na Polícia Judiciária do Porto e poderão revelar-se fundamentais para esclarecer alguns dos polémicos negócios que nos últimos anos envolveram o autarca.
José Faria fez descrição escrita dos negócios imobiliários em que terá sido testa-de-ferro do autarca de Marco de Canaveses
Duas longas cartas, escritas por José Faria - o funcionário da Câmara de Marco de Canaveses, ex-braço-direito de Ferreira Torres, que na terça-feira à tarde tentou o suicídio -, estão agora na Polícia Judiciária do Porto e poderão revelar-se fundamentais para esclarecer alguns dos polémicos negócios que nos últimos anos envolveram o autarca.
As cartas contêm uma descrição exaustiva dos negócios imobiliários feitos pelo modesto funcionário (que tem um vencimento de 550 euros) e a explicação de onde lhe vinham os recursos inesgotáveis. "O que ele explica nas cartas é que comprava por dez e depois vendia por cem, mas quem estava por detrás de tudo era Ferreira Torres. O meu irmão nunca teve nada, apenas ganhou uma comissão pela compra e venda de um terreno nos anos 90. De resto, eram só promessas e mais promessas. E agora o meu irmão tem de pagar milhões de euros ao Estado, em impostos sobre mais-valias, por negócios que nunca foram dele", adiantou, ao PÚBLICO, o irmão de José Faria, a quem se destinavam as cartas."Os envelopes estavam em meu nome. Abri-os na PJ e li as cartas à frente dos inspectores. Depois, entreguei-as, até porque era isso que o meu irmão queria. Dizia no final para entregar toda aquela documentação à PJ, para que a verdade viesse ao de cima", sublinhou o mesmo interlocutor.Confirmar as denúnciasOs negócios imobiliários de Avelino Ferreira Torres não são novidade para a PJ.
Em 2003, uma denúncia entrada na Procuradoria-Geral da República dava conta de que José Faria servia como testa-de-ferro do presidente da câmara. "Pela sua dependência hierárquica, o funcionário tem sido obrigado a participar em negócios em nome do autarca, designadamente como comprador de diversas propriedades no concelho que depois revende, de forma pouco clara, a alguns empreiteiros que praticamente só trabalham com a câmara. (...) Os terrenos serão vendidos a preços muito superiores ao seu real valor (...) e muitos estão valorizados pela abertura de caminhos a expensas da autarquia", pode ler-se na denúncia.
No entanto, segundo o PÚBLICO apurou, um dos problemas com que os investigadores foram confrontados no decorrer do inquérito foi com o silêncio de José Faria. Diversas escrituras anexas à denúncia confirmam que efectivamente José Faria era o proprietário dos terrenos, ou agiu em representação dos proprietários, em muitos negócios imobiliários, mas o funcionário sempre recusou a possibilidade de o autarca estar por detrás de qualquer negócio. O resultado foi o fisco cair sobre os seus parcos rendimentos, reclamando o pagamento dos impostos sobre as mais-valias. "O presidente sugeriu-lhe, há dias, que se divorciasse. Seria a única forma de o Estado não reclamar parte do vencimento da sua mulher. Recusou, mas a proposta deixou-o transtornado. Percebeu o estado a que a sua vida tinha chegado no momento que tinha um terço do seu ordenado penhorado", continuou o irmão de José Faria.Segundo os documentos a que o PÚBLICO teve acesso, estão em causa diversos negócios imobiliários. Em 2003, por exemplo, José Faria, na posse de uma procuração, negociou, com a empresa imobiliária de Ferreira Torres e dos seus dois filhos, cinco prédios rústicos em Marco de Canaveses: o Monte do Alto dos Reis, na freguesia de Avessadas; a Mata da Fonte do Marão, na mesma freguesia; a Quinta da Várzea, em Tuías; o Campo da Portela, também em Tuías; e a Quinta de Vilar e Campo, na mesma freguesia. A mesma procuração dava ainda poderes a José Faria para vender o prédio rústico da Sorte da Vinhola, composto por pinhal e com uma área de 20.500 metros quadrados, que só mais tarde passou para as mãos da empresa detida pela família do autarca.
Outro prédio negociado por José Faria com a mesma empresa imobiliária (mas enquanto proprietário) foi a Leira e Mata da Nespereira, com 3500 metros quadrados, comprada em Novembro de 2002 e vendida quatro meses depois à imobiliária da família Torres.
Autarca voltou ao hospital contra a vontade de José Faria
Autarca voltou ao hospital contra a vontade de José Faria
Ontem de manhã, Ferreira Torres esteve novamente no Hospital de S. João, no Porto, a visitar o ex-funcionário, que se encontra a recuperar. "É uma vergonha. Pedimos expressamente ao hospital para não autorizar a visita. Esteve lá, ficou encostado à parede sem falar e o meu irmão ficou muito perturbado. Parece que entrou com um cartão de dador de sangue", contou o irmão de José Faria.
O PÚBLICO tentou ontem, e por diversas vezes, contactar Ferreira Torres para ouvir a sua versão sobre os negócios imobiliários denunciados por José Faria. No entanto, o autarca manteve-se incontactável, tendo também o assessor de imprensa recusado questionar Ferreira Torres, por considerar que as denúncias "nada tinham a ver com a câmara".
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