2005-08-29

Frota da TAP, um mega-negócio

J.A Sousa Monteiro*


Está para breve a decisão sobre quem será o fabricante vencedor na corrida à enovação da frota da TAP: Airbus ou Boeing? No estudo e profunda análise de tão importante decisão, o Governo português devia fazer-se representar, através de uma comissão de acompanhamento


1.O negócio em preparação envolve valores várias vezes superiores aos do tão falado Projecto do Novo Aeroporto. É verdade. Anda toda a gente distraída e entretida a "ralhar" com o TGV e com a Ota. E de tal forma obstinada que nem tem tempo para pensar que há mais mundo... Mas, para o Estado português, as responsabilidades assumidas com a sua participada a 100%, a TAP, no negócio da renovação da frota - uma dezena de grandes e caríssimos aviões de grande porte para longo-curso - poderá constituir um "pé-de-chumbo" de todo o tamanho (aquisição de onze aviões no total, ao que parece)! Segundo a administração da empresa, está para breve a decisão sobre quem será o fabricante vencedor nesta corrida: Airbus ou Boeing? É mais um passo no destino que o Senhor Engenheiro Fernando Pinto e a sua equipa estão a traçar para a TAP, somando-se aos anteriores passos da adesão à Star Alliance, à mudança da imagem pública da companhia, do fair-playcom os sindicatos, do lançamento em força da actividade do tráfego para o Brasil (até me faz lembrar a TAP antes do 25 de Abril, em que era África, África, e que depois falhou, tornando-se essa grande dependência numa enorme dor de cabeça), e, agora, o prometido e mediático negócio Varig/TAP.

2. Escrevo estas linhas para pedir ao Governo português que se faça representar, através de uma comissão de acompanhamento, no estudo e profunda análise de tão importante decisão, uma vez ser o representante do accionista único da empresa, o Estado. Mas entendo-a como necessária, devendo tomar parte activa em todo o processo, não deixando apenas, e só, ao gestor esse estudo e a tão grave quão problemática decisão. Verificar profundamente os estudos subjacentes à decisão. A Parpública não ficaria assim mais tranquila? E está tranquila? O processo de renovação da frota de uma companhia de transporte aéreo desenrola-se em função das suas necessidades efectivas, que as suas administrações vão aferindo, culminando com as eventuais aquisições, que sempre envolvem montantes astronómicos! Ora, que mal tem que tão avultada compra seja acompanhada na sua génese pelo dono da empresa e responsável último pelo seu pagamento? Obviamente que só há vantagens nisso para todas as partes bem intencionadas. Até para informar os contribuintes, se for necessário, pois eles serão na realidade, em último recurso, os pagadores. Não se deseja a discussão na praça pública das cláusulas dos contratos a assinar. Mas a comissão de acompanhamento faria muito bem em saber de tudo, começando pela análise dos estudos da viabilidade económica que sustentam a decisão, e por aí adiante.

3. Quero recordar um outro mega-negócio de renovação da frota da TAP que teve o seu epílogo em finais de 1996 (Ferreira Lima presidente da TAP e António Guterres 1º. ministro) após um longo e agitado processo, que remontou à anterior administração da transportadora aérea nacional presidida pelo engenheiro Santos Martins, e que deu origem a acusações de alegada corrupção envolvendo o então presidente, que entretanto foi substituído por António Guterres com a mudança política observada no contexto do País, sucedendo-lhe Ferreira Lima. Foi tudo muito desagradável e desprestigiante, já que a TAP nunca antes do 25 de Abril havia sido sequer tocada pela dúvida da existência de tais fenómenos (e a culpa não é da data, claro). Mas tudo lá passou, afinal. Até hoje. Sem se saber no que as coisas ficaram, como foi o negócio, os seus intermediários, se os houve, quem beneficiou e se a empresa foi prejudicada por acção ou por falta de acção.

4. E também recordo que já antes, em 1983, a Polícia Judiciária teve de intervir fortemente e os juízos de Instrução Criminal foram assoberbados com processos, tudo por causa das suspeitas da Judiciária sobre a atribuição de "luvas" aos negociadores envolvidos no mega-negócio da aquisição dos cinco Lockeeds para a TAP. Havia uma mensagem de telex enviada da Suíça, detectada pela Judiciária após buscas em Lisboa, que mencionavam a atribuição dessas "luvas", sendo que o telex também mencionava um membro do Governo da altura, que a comunicação social, que me lembre, nunca chegou a divulgar. As comissões atingiriam o valor total de 7% do valor do contrato (uma fortuna). Entrou-se na habitual fase dos desmentidos, das reacções conforme os interesses, etc, etc. A norte-americana Lockeed garantiu que não havia efectuado qualquer pagamento, etc. O habitual. Mas as coisas também ficaram para sempre em banho-maria ou em congelador.

5. Atendendo a que os actuais 10 aviões da TAP não são nenhuns "chaços", antes pelo contrário (os 4 Airbus-340 até são "super-poupados" em termos de combustível, de grande conforto e com óptimas características para exploração comercial, têm apenas 10 anos e são credores de óptima reputação técnica), eis algumas análises pertinentes que poderiam caber à proposta (e por mim desejada) comissão de acompanhamento: Quais as reais economias globais trazidas pela renovação da frota nas áreas da Manutenção e Engenharia (spares, rotáveis, equipamentos, formação, aumento da produtividade do pessoal, etc); e das Operações de Voo (formação, produtividade do pessoal navegante, etc); e do Pessoal de Terra (equipamentos, incremento da produtividade)? E os custos operacionais unitários da nova frota, fixos e variáveis, em que medida serão reduzidos? Atendendo ao tipo de tráfego da TAP, em que medida é que a nova frota contribuirá para melhorar o yield global da empresa? E vale a pena optar pela titularidade desta frota (aparentemente sim, por várias razões, sendo uma delas a valorização da própria empresa)? E a transparência e razoabilidade das taxa de juro negociadas, se tal aplicável? Haverá intermediários, "consultores", "lobbistas", etc. entre a Airbus ou Boeing e a TAP? Não os havendo, as margens do mega-negócio poderão ser potenciadas, desonerando custos. E tudo isto somado justificará a opção drástica de se proceder à sua renovação nesta amplitude (Portugal é dos europeus mais pobres, mas a TAP tem como ponto de honra possuir sempre a frota mais rica!)? Ora, responder a tudo isto é obra!

6. Pelo passado retira-se que tudo o que se relaciona com aquisição de aviões tem dado azo a polémicas por vezes pouco edificantes, pelo que é necessário que tudo seja límpido e claro. É o culminar do velho adágio: à mulher de César não basta ser séria, também tem de parecê-lo...

7. Por último, não me esqueço de pedir que os negociadores do nosso lado exijam aos futuros fornecedores as devidas contrapartidas para este mega-negócio, as quais poderão trazer grandes benefícios, por exemplo, à criação, definição e desenvolvimento da Indústria Aeronáutica e Aeroespacial portuguesas, entre muitos outros.

*Comandante sénior reformado da TAP, professor na Universidade Lusófona

2005-08-25

Como vão os palestinianos responder à retirada unilateral israelita?

Amos Oz - Escritor israelita
Público 2005-08-24

Os colonos judeus na Faixa de Gaza e na Cisjordânia têm um sonho para o futuro de Israel. Também eu tenho um sonho para o futuro de Israel. Mas o doce sonho deles é o meu pesadelo, enquanto os meus sonhos são, para eles, veneno.
O sonho dos colonos é criar um "Grande Israel" com colonatos judaicos colados uns aos outros. Nesses colonatos só os judeus podem viver e os palestinianos só lá podem trabalhar, empregos modestos com salários baixos. Num Estado assim, a democracia teria de se submeter aos rabis. O Knesset [Parlamento], o Governo, o Supremo Tribunal só seriam autorizados a existir se os rabis aprovassem as suas decisões. Os colonos acreditam que, logo que o Grande Israel se torne numa entidade religiosa e numa "Nação Sagrada", o Messias virá e a total redenção do povo judeu se materializará.
Nesta fantasia dos colonos não há lugar para o povo palestiniano excepto como humildes servos e trabalhadores agradecidos. Mais, na fantasia dos colonos não há lugar para mim, não há lugar para um Israel secular, moderno. Eu e os meus amigos estamos "fora" a não ser que nos arrependamos. Pelo menos não devemos ser obstáculo à construção de mais colonatos nem à expansão dos que já existem. Se nós, israelitas laicos, apagarmos a nossa própria existência, os colonos farão cair sobre nós o seu amor fraterno. Mas se insistirmos que temos uma visão diferente para Israel, imediatamente nos tornaremos traidores, amigos dos árabes, ou até nazis.
No entanto, também nós temos um sonho para Israel, totalmente diferente da fantasia religiosa dos colonos. Queremos viver em paz e em liberdade, mas não sob o poder dos rabis, nem sequer sob o poder do Messias, mas sujeitos a um governo eleito por nós.Temos um sonho de nos libertarmos da longa ocupação dos territórios palestinianos. Israel e Palestina são, há quase 40 anos, como um carcereiro e um prisioneiro, algemados um ao outro. Depois de tantos anos já quase não há diferença - o carcereiro não é livre e o prisioneiro não é livre. Israel só será uma nação livre quando acabarem a ocupação e os colonatos e a Palestina se tornar um país vizinho independente.
Há 30 anos que os colonos controlam Israel através de vários governos. Eles impuseram a sua visão e esmagaram os nossos sonhos. Eles eram os senhores do país.
O primeiro-ministro Ariel Sharon anda por estes dias a tentar lançar uma espécie de putsch contra o poder dos colonos. Esta é uma tentativa de restaurar a autoridade do governo eleito. Se isto resultar, o sonho dos colonos poderá ser bloqueado e a visão dos israelitas seculares poderá reviver.A luta em Gaza não é, no essencial, uma luta entre o exército e os colonos, nem sequer entre "falcões" e "pombas". Não. É uma luta entre Igreja e Estado (para ser mais fiel, entre Sinagoga e Estado). Isto é algo por que passaram muitas nações: quais devem ser a posição e a influência da religião e dos clérigos na governação de um país? Alguns países já resolveram isto há séculos. Outras nações andam a tentar resolver isto há tempos infindáveis. O mundo muçulmano, à excepção da Turquia, nem sequer começou.Nestes últimos dias, em Gaza, testemunhámos o que pode, em retrospectiva, ser a primeira batalha entre a Sinagoga e o Estado em Israel, o primeiro confronto sobre o carácter judaico do único Estado judaico. Somos nós, acima de tudo, uma religião, ou somos nós, acima de tudo, uma nação? Neste primeiro round parece que o Israel pragmático, racional, secular prevaleceu dolorosamente sobre o Israel fanático. Mas não esqueçamos de que este é apenas o primeiro round. Os colonos e os outros israelitas como nós podem sentir-se orgulhosos com o facto de, ao contrário de muitas guerras sangrentas entre a Igreja e o Estado em vários países, ao longo da História, o primeiro round em Gaza ter sido violento mas não mortífero. Houve muita fúria e ruído mas não massacre. As outras fases serão assim? Será assim quando chegar a altura de desistir da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental em troca da paz com os palestinianos? Estas questões dependem não só dos israelitas, religiosos e laicos, "falcões" e "pombas", da esquerda e da direita. Estas questões dependem muito da resposta dos palestinianos. Será que os palestinianos olham para tudo isto como um corajoso passo de Israel em direcção a um compromisso histórico com eles? Irão eles retribuir dando passos corajosos em relação aos seus próprios fanáticos? Ou será que eles olham para os confrontos entre judeus e judeus como o primeiro síndroma da desintegração de Israel e vão tentar inflamar a situação interna israelita lançando uma nova vaga de violência e terrorismo?
Diz um velho provérbio árabe que "não se bate palmas só com uma mão". Muito vai depender do modo como os palestinianos interpretarão a luta entre judeus e judeus em Gaza.

2005-08-23

Novo aeroporto: estudos e decisões

João Cravinho

Está ao rubro a discussão sobre a Ota. Raramente a partir do conhecimento sólido de um dossier acumulado ao longo de mais de 30 anos, com mais de uma centena de peças, alguns de grande desenvolvimento e densidade técnica. Na ignorância desse dossier, a discussão segue frequentemente caminhos que só podem baralhar ou induzir em erro a opinião pública. Pesem embora os objectivos de clarificação que presidem a muitas intervenções, incluindo de personalidades prestigiadas, que acabam por usar e abusar de repetidas afirmações feitas sem conhecimento de causa. Em relação ao novo aeroporto, tem-se dito não importa o quê, passe o galicismo. Temos de sair desses moldes. Aproveite-se o enorme interesse público que o tema já suscitou para reconduzir a discussão a um ambiente de seriedade e bom-- senso na apreciação dos argumentos a favor ou contra, cada um deles explicado e avaliado de acordo com a metodologia específica apropriada. E já agora, com conhecimento de causa e sem ridículos preconceitos ideológicos, como a patetice de acusar o projecto de ser uma típica manifestação de keynesianismo "obsoleto". É excelente confrontar informações e opiniões, factos e expectativas. Mas com racionalidade e método. De contrário, o País apenas ficará mais confuso.

Independentemente das ideias de cada interveniente, é preciso ter presente o quadro metodológico representativo das melhores práticas em função da razão de ser, do contexto e da natureza das escolhas a fazer. Decidir sobre o novo aeroporto obedece a procedimentos próprios, diferentes dos procedimentos aplicáveis, a outras decisões de investimento. Nomeadamente, sobre o TGV. O país pode fazer ou deixar de fazer o TGV. Mas terá de fazer um novo aeroporto quando o actual se esgotar. A questão não é decidir se, mas quando, onde e como.

Não se tem suficientemente em conta que os procedimentos de decisão referentes a estes três aspectos decorreram separadamente numa perspectiva sequencial, cada um sujeito a estudos técnico-económicos próprios.

O quando está praticamente à vista, embora alguns se deleitam em querer fazer desse aspecto matéria altamente controversa. Invoca-se que a Portela poderia chegar a 20/21 milhões de passageiros. Mas com que degradação da qualidade de serviço? A que custos económicos e financeiros? E quem os pagaria? Note-se que isso apenas esticaria a Portela por pouco mais de dois anos. A peso de ouro. De qualquer modo, será sempre preciso lançar novo aeroporto nesta legislatura.

Sobre a fase de localização, há que comparar várias localizações possíveis em termos de vantagens e desvantagens dos chamados lado do ar, lado de terra, acessibilidades, inserção na estratégia de macroordenamento territorial, impactos ambientais e melhor estimativa de custos. Foi nessa base que se escolheu a localização, indispensável para podermos passar à ultima fase do processo de escolha e decisão, o como. Não chegámos ainda aí.

Na última fase, uma vez que se terá de optar por uma parceria público-privada, a primeira tarefa é fazer os estudos técnicos e sobretudo económicos e financeiros, na óptica pública e na óptica privada, necessários à elaboração de um bom caderno de encargos abrangendo a construção e a exploração aeroportuária até perto de 2050. Segue-se a abertura do concurso público internacional, a recepção e avaliação das propostas. Só então, mas só então, é que se poderão apresentar estudos fiáveis sobre a rendibilidade económica, financeira e social do novo aeroporto. Mas também só então se tomará a decisão final. Estamos longe disso.

Compreendo que se conteste a Ota, por boas ou más razões. O Governo tem de esclarecer as dúvidas com lisura e pôr na Net a informação disponível. O que já deveria ter sido feito. Agora o que não faz qualquer sentido é exigir para a fase de localização a ava- liação em profundidade da rendibilidade económica e social de uma inexistente parceria público-privada a escolher através de futuro concurso internacional de que nem sequer existe ainda caderno de encargos. Responder-me-ão que poderão ser avaliados vários cenários hipotéticos. Podem, e isso será muito útil. Mas para orientar a elaboração do caderno de encargos, em primeiro lugar. Na vida real, longe das poltronas das redacções e das academias, as avaliações que levam a este tipo de decisões incidem sobre propostas concretas, não sobre cenários hipotéticos. Não vale continuar a baralhar fases e procedimentos.

joaocravinho@hotmail.com

2005-08-13

Cartas entregues na PJ acusam Ferreira Torres



Tânia Laranjo in Público 2005 08 12

José Faria fez descrição escrita dos negócios imobiliários em que terá sido testa-de-ferro do autarca de Marco de Canaveses
Duas longas cartas, escritas por José Faria - o funcionário da Câmara de Marco de Canaveses, ex-braço-direito de Ferreira Torres, que na terça-feira à tarde tentou o suicídio -, estão agora na Polícia Judiciária do Porto e poderão revelar-se fundamentais para esclarecer alguns dos polémicos negócios que nos últimos anos envolveram o autarca.
As cartas contêm uma descrição exaustiva dos negócios imobiliários feitos pelo modesto funcionário (que tem um vencimento de 550 euros) e a explicação de onde lhe vinham os recursos inesgotáveis. "O que ele explica nas cartas é que comprava por dez e depois vendia por cem, mas quem estava por detrás de tudo era Ferreira Torres. O meu irmão nunca teve nada, apenas ganhou uma comissão pela compra e venda de um terreno nos anos 90. De resto, eram só promessas e mais promessas. E agora o meu irmão tem de pagar milhões de euros ao Estado, em impostos sobre mais-valias, por negócios que nunca foram dele", adiantou, ao PÚBLICO, o irmão de José Faria, a quem se destinavam as cartas."Os envelopes estavam em meu nome. Abri-os na PJ e li as cartas à frente dos inspectores. Depois, entreguei-as, até porque era isso que o meu irmão queria. Dizia no final para entregar toda aquela documentação à PJ, para que a verdade viesse ao de cima", sublinhou o mesmo interlocutor.Confirmar as denúnciasOs negócios imobiliários de Avelino Ferreira Torres não são novidade para a PJ.
Em 2003, uma denúncia entrada na Procuradoria-Geral da República dava conta de que José Faria servia como testa-de-ferro do presidente da câmara. "Pela sua dependência hierárquica, o funcionário tem sido obrigado a participar em negócios em nome do autarca, designadamente como comprador de diversas propriedades no concelho que depois revende, de forma pouco clara, a alguns empreiteiros que praticamente só trabalham com a câmara. (...) Os terrenos serão vendidos a preços muito superiores ao seu real valor (...) e muitos estão valorizados pela abertura de caminhos a expensas da autarquia", pode ler-se na denúncia.
No entanto, segundo o PÚBLICO apurou, um dos problemas com que os investigadores foram confrontados no decorrer do inquérito foi com o silêncio de José Faria. Diversas escrituras anexas à denúncia confirmam que efectivamente José Faria era o proprietário dos terrenos, ou agiu em representação dos proprietários, em muitos negócios imobiliários, mas o funcionário sempre recusou a possibilidade de o autarca estar por detrás de qualquer negócio. O resultado foi o fisco cair sobre os seus parcos rendimentos, reclamando o pagamento dos impostos sobre as mais-valias. "O presidente sugeriu-lhe, há dias, que se divorciasse. Seria a única forma de o Estado não reclamar parte do vencimento da sua mulher. Recusou, mas a proposta deixou-o transtornado. Percebeu o estado a que a sua vida tinha chegado no momento que tinha um terço do seu ordenado penhorado", continuou o irmão de José Faria.Segundo os documentos a que o PÚBLICO teve acesso, estão em causa diversos negócios imobiliários. Em 2003, por exemplo, José Faria, na posse de uma procuração, negociou, com a empresa imobiliária de Ferreira Torres e dos seus dois filhos, cinco prédios rústicos em Marco de Canaveses: o Monte do Alto dos Reis, na freguesia de Avessadas; a Mata da Fonte do Marão, na mesma freguesia; a Quinta da Várzea, em Tuías; o Campo da Portela, também em Tuías; e a Quinta de Vilar e Campo, na mesma freguesia. A mesma procuração dava ainda poderes a José Faria para vender o prédio rústico da Sorte da Vinhola, composto por pinhal e com uma área de 20.500 metros quadrados, que só mais tarde passou para as mãos da empresa detida pela família do autarca.
Outro prédio negociado por José Faria com a mesma empresa imobiliária (mas enquanto proprietário) foi a Leira e Mata da Nespereira, com 3500 metros quadrados, comprada em Novembro de 2002 e vendida quatro meses depois à imobiliária da família Torres.

Autarca voltou ao hospital contra a vontade de José Faria

Ontem de manhã, Ferreira Torres esteve novamente no Hospital de S. João, no Porto, a visitar o ex-funcionário, que se encontra a recuperar. "É uma vergonha. Pedimos expressamente ao hospital para não autorizar a visita. Esteve lá, ficou encostado à parede sem falar e o meu irmão ficou muito perturbado. Parece que entrou com um cartão de dador de sangue", contou o irmão de José Faria.
O PÚBLICO tentou ontem, e por diversas vezes, contactar Ferreira Torres para ouvir a sua versão sobre os negócios imobiliários denunciados por José Faria. No entanto, o autarca manteve-se incontactável, tendo também o assessor de imprensa recusado questionar Ferreira Torres, por considerar que as denúncias "nada tinham a ver com a câmara".

2005-08-12

Os incêndios do regime

Paulo Varela Gomes





Vivo no campo ou perto do campo, na região centro, há já alguns anos. Há três Verões que me sento a trabalhar, enquanto a cinza cai de mansinho no meu teclado, em cima dos meus livros, no chão que piso. Não tenho culpa do que é hoje este país e o regime que o representa: militei e votei sempre em partidos que apregoavam querer outro tipo de regime e deixei de militar e de votar quando vi esses partidos tornarem-se tão legitimistas como os outros.


O território português que está a arder - que arde há vários anos - não é um território abstracto, caído do céu aos trambolhões: é o território criado pelo regime democrático instalado em Portugal desde as eleições de 1976 (a III República Portuguesa). Está a arder por causa daquilo que o regime fez, por culpa dos responsáveis do regime e dos eleitores que votaram neles.

Ardem, em Portugal, dois tipos de território: em primeiro lugar, a floresta de madeireiro, as grandes manchas arborizadas a pinheiro e eucalipto. A floresta arde porque as temperaturas não param de subir e porque, como toda a gente sabe, está suja e mal ordenada. Não foi sempre assim: este tipo de floresta começou a crescer nos últimos 50 anos, com a destruição progressiva da agricultura tradicional, ou seja, com a expropriação dos pequenos agricultores, obrigados em primeiro lugar a recorrer à floresta pela ruína da agricultura, para, depois, perderem tudo com os incêndios e desaparecerem do mapa social do país. Também isso está na matriz da III República: ela existe para "modernizar" o país, o que também quer dizer acabar com as camadas sociais de antigamente, nomeadamente os pequenos agricultores. Em 2005, os distritos de Portalegre, Castelo Branco e Faro ardem menos que os outros e não admira: já ardeu aí muita da grande mancha florestal que podia arder, já centenas de agricultores e silvicultores das serras do Caldeirão ou de S. Mamede perderam tudo o que podiam perder.

O segundo tipo de território que está a arder, em particular neste ano de 2005, é o território das matas periurbanas, características dos distritos mais feios e mais destruídos do país: os do litoral Centro e Norte. Os citadinos podem ver esse território nas imagens da televisão, a arder por detrás dos bombeiros exaustos e das mulheres desesperadas que gritam "valha-me Nossa Senhora!": é o território das casas espalhadas por todas as encostas e vales, uma aqui, outra acolá, encostadas umas às outras, sem espaço para passar um autotanque, separadas por caminhos serpenteantes, que ficaram em parte por alcatroar - é o território das oficinecas no meio de matos de restolho sujo de óleo, montanhas de papel amarelecido ao sol, garrafas de plástico rebentadas. É o território dos armazéns mais ou menos ilegais, cheios de materiais de obra, roupas, mobiliário, coisas de pirotecnia, encostados a casas ou escondidos nos eucaliptais, o território dos parques de sucata entre pinheiros, rodeados de charcos de óleo, poças de gasolina, garrafas de gás, o território dos lugares que nem aldeias são, debruados a lixeiras, paletes de madeira a apodrecer, bermas atafulhadas de papel velho, embalagens, ervas secas. É o território que os citadinos, leitores de jornais, jornalistas, ministros, nunca vêem porque só andam nas auto-estradas, o território, onde, à beira de cada estradeca, no sopé de casa encosta, convenientemente escondido dos olhares pelas silvas e os tufos espessos de arbustos, há milhares - literalmente milhares - de lixeiras clandestinas, mobília velha, garrafas de plástico, madeiras de obras (é verdade, embora poucos o saibam: o campo, em Portugal, é muito mais sujo que as cidades).

Este território foi criado, inteiramente criado, pela III República. Nasceu da conjugação entre um meio-enriquecimento das pessoas, que, 30 anos depois do 25 de Abril, não chega para lhes permitir uma verdadeira mudança de vida, e o colapso da autoridade do Estado central e local, este regime de desrespeito completo pela lei, que começa nos ministros e acaba no último dos cidadãos. É o território do incumprimento dos planos, das portarias e regulamentos camarários, o território da pequena e média corrupção, esse sangue, alma, nervo da III República.
É evidente que a tragédia dos campos e das periferias urbanas portuguesas se deve também ao aumento das temperaturas. Para isso, o regime tão-pouco oferece perspectivas. De facto, seria necessário mudar de vida para enfrentar o que aí vem, a alteração climatérica de que começamos a experimentar apenas os primeiros efeitos: por exemplo, seria necessário reordenar a paisagem, recorrendo à expropriação de casas, oficinas, armazéns, sucatas. Seria necessário proibir a plantação de eucaliptos e pinheiros. Na cidade, pensando sobretudo nas questões relativas ao consumo de energia, seria necessário pensar na mudança de horários de trabalho, fechando empresas, lojas e escolas entre o meio-dia e as cinco da tarde de Junho a Setembro, mantendo-as abertas até às oito ou nove da noite, de modo a poupar os ares condicionados - cuja factura vai subir em flecha. Modificar os regulamentos da construção civil, de modo a impor pés-direitos mais altos, menos janelas a poente, sistemas de arrefecimento não eléctricos.

Para alterações deste calibre - que são alterações quase de civilização -, seria preciso um regime muito diferente deste, um regime de dirigentes capazes de dizer a verdade, de mobilizar os cidadãos, de manter as mãos limpas.

Vivo no campo ou perto do campo, na região centro, há já alguns anos. Há três Verões que me sento a trabalhar, enquanto a cinza cai de mansinho no meu teclado, em cima dos meus livros, no chão que piso.

Não tenho culpa do que é hoje este país e o regime que o representa: militei e votei sempre em partidos que apregoavam querer outro tipo de regime e deixei de militar e de votar quando vi esses partidos tornarem-se tão legitimistas como os outros.

Espero um rebate de consciência política por parte destes políticos, ou o aparecimento de outros. Faço como muitos portugueses: espero por D. Sebastião, desempenho a minha profissão o melhor que posso, e penso em emigrar. Historiador (Podentes, concelho de Penela)

2005-08-02

Quando o preconceito ataca...


O que a entrevista, que tanto a incomodou, revela é que o PCP e o seu secretário-geral, a quem grosseiramente acusou de "lunatismo ideológico", estão bem mais próximos dos problemas e da vida deste país real do que a aluada catilinária de Fátima Bonifácio
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Jorge Cordeiro*

A Fátima Bonifácio parece ter sido reservado o papel de escrever tudo o que outros, ainda que partilhando do mesmo e mais primário reaccionarismo e anticomunismo, evitam assumir por razão de preservação de uma certa imagem de sanidade.

A propósito de uma entrevista do secretário-geral do PCP, Bonifácio, usando da vantagem de poder ofender sem que se lhe possa responder, insulta, deturpa, mente.

Ninguém exige à autora do texto publicado simpatia pelo PCP, pelo seu projecto ou pelas suas ideias. O que se lhe exige é respeito pela verdade, a recusa de falsificação das posições do PCP, algum rigor e sobretudo menos ignorância.

Fátima Bonifácio não tem que saber o que é o marxismo-leninismo ou conhecer o programa do PCP para uma Democracia Avançada. Terá o direito de perante os fundamentos da ideologia comunista ter - na profunda ignorância do que ela acolhe do melhor da filosofia alemã, das escolas de economia inglesa e da utopia socialista francesa para se afirmar como teoria de transformação social - a mesma reacção que outros, em momentos vários da história da humanidade, tiveram perante o novo, perante o que negava aquilo que parecia inelutável, perante os ciclicamente anunciados "fins da história" nas várias etapas do desenvolvimento social. Terá o direito de discordar da construção de uma democracia que, para além da sua componente política, o seja também no plano económico, social e cultural. É uma questão de opção: a autora do texto vive satisfeita e tranquila à sombra de uma política neoliberal que espezinha direitos, lança na pobreza milhares de portugueses e hipoteca o país. O PCP não.

Para a autora será legítimo e até desejável, como se lê pelo entusiasmo que inflama a sua prosa, o desmantelamento do aparelho produtivo, a fuga a impostos do grande capital financeiro, a redução das responsabilidades sociais do Estado, o aumento da carga fiscal sobre os que menos têm. A autora está no direito de considerar que não há relação alguma entre a destruição da produção nacional, o desequilíbrio da balança comercial e o aumento do défice. Ou de considerar que a competitividade e a produtividade só podem ser alcançados com a redução dos salários, a sobrexploração dos trabalhadores, o trabalho escravo.

A autora está no direito de se incomodar com a luta dos que não se resignam a ver retirados os seus direitos ou desvalorizados os seus salários.

O que Fátima Bonifácio não tem o direito é de mentir e manipular descaradamente como o faz quando utiliza declarações irresponsáveis de dirigentes de uma "facção sindical" da polícia (correntemente tida como muito próxima de Paulo Portas e do respectivo partido) [sublinhado de In Extenso] para denegrir o secretário-geral do PCP e deturpar a luta do PCP e falsificar a sua real identidade e projecto político.O que a entrevista, que tanto a incomodou, revela é que o PCP e o seu secretário-geral, a quem grosseiramente acusou de "lunatismo ideológico", estão bem mais próximos dos problemas e da vida deste país real do que a aluada catilinária de Fátima Bonifácio.

Um pouco mais de educação e sobretudo rigor seria desejável a quem, tendo a pretensão de assinar como historiadora, se revela quanto muito uma, e má, inventora de historietas.
* Membro da Comissão Política do PCP

2005-08-01

Compra de computadores passa a ser dedutível no IRS.

Jornal de Notícias de 2005-07-31
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Novas tecnologias.
Investimento público de mil milhões para atrair mais 1,5 mil milhões dos privados. Governo quer mais de 60% dos portugueses a "navegar" na Net em 2010
Manuel Correia

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José Carlos Maximino

As famílias com estudantes a seu cargo, de qualquer nível de ensino e que não se enquadrem nos escalões de rendimentos mais elevados, vão passar a poder deduzir no IRS até 250 euros na compra de um computador, já a partir de 2006. Esta dedução fiscal passa por ser a medida mais emblemática do "Ligar Portugal", o novo programa nacional para a sociedade da informação, integrado no plano tecnológico, que o Governo apresentou, ontem, em Aveiro

A iniciativa pretende contribuir para a redução "para metade" dos custos de aquisição de computadores, por parte das famílias portuguesas, por forma a incrementar o uso das novas tecnologias da comunicação e da informação - a meta do Governo é chegar a 2010 com mais de 60% da população portuguesa a utilizar a Internet.

O objectivo global será a modernização, o desenvolvimento e o aumento da competitividade do país, e é, segundo o ministro da Ciência e Ensino Superior, Mariano Gago, acompanhada de um acordo entre os principais operadores nacionais de telecomunicações. O Governo espera igualmente que da medida resulte um diminuição significativa dos preços do acesso e utilização da Internet em banda larga

O programa prevê um investimento directo do Estado de mil milhões de euros e 1,5 mil milhões, por parte dos privados, nos próximos anos, na dinamização da sociedade da informação e do conhecimento."Aqueles que dizem que este investimento em educação é caro demais é porque não sabem qual é o preço da ignorância", sublinhou o primeiro-ministro, José Sócrates, no lançamento do programa, considerando que "não investir não significaria o país ficar parado, mas sim andar para trás".

"Quando falamos do plano tecnológico é destes projectos que estamos a falar. É na qualificação dos portugueses que vamos apostar. Este é um investimento fundamental que vai ser prioridade, na aplicação dos recursos nacionais bem como das ajudas comunitárias ", disse José Sócrates, acrescentando que estas medidas terão expressão já no próximo Orçamento Geral do Estado. O primeiro-ministro defendeu que, também nesta área, "no investimento público está sempre presente a ideia de estimular os privados" e disse que o Estado vai dar o exemplo, investindo mil milhões de euros na generalização do uso de computadores e Internet, na esperança de induzir um investimento privado de 1,5 mil milhões de euros. "O investimento neste domínio é crítico para o nosso desenvolvimento, porque as tecnologias da informação e da comunicação são um contributo ines- timável para o crescimento económico e para a qualificação dos portugueses ", explicou José Socrates, acrescentando que se trata, ao mesmo tempo, de um investimento "no incremento do conhecimento, na aumento da cidadania e da solidariedade social". "A apropriação das tecnologias da informação e da comunicação são uma forma de tornar a sociedade melhor", concluiu. A materialização do programa "Ligar Portugal" pressupõe o empenho e a mobilização das empresas, da administração pública, escolas e famílias.

José Sócrates sublinhou que a dedução fiscal de até 250 euros, na compra de computadores, podendo ser usada pelas famílias, uma vez em três anos , deverá levar a uma baixa do preço médio dos computadores pessoais para os 500 euros. No que se refere ao acesso à Internet, o primeiro-ministro disse acreditar que o acordo firmado anteontem com os principais operadores de telecomunicações trará uma maior concorrência e, em consequência, uma redução dos preços do acesso.

Metas anunciadas

Internet

Duplicar o número de utilizadores regulares, para mais de 60% da população em 2010.

Banda Larga

Triplicar o número de agregados familiares com acesso de banda larga, para mais de 50% em 2010.

Escolas

Multiplicar número de computadores nas escolas, por forma a atingir a média de um computador por cada cinco alunos em 2010.

Custos

Colocar o preço do serviço de acesso permanente, utilizado pela maioria dos portugueses, entre os três mais baixos da União Europeia, incluindo tráfego ilimitado e assinatura de linha telefónica.

Serviço de voz

Generalizar o uso do serviço de voz na Internet.

Site único

Reunir num local único todos os concursos, de aquisições e contratações de pessoal da Administração Central e Local, e assegurar acesso interactivo aos serviços públicos

Empregos

Aumentar o número de empregos no sector das TIC para 3% do total, criando 44 mil novos empregos.