2. Escrevo estas linhas para pedir ao Governo português que se faça representar, através de uma comissão de acompanhamento, no estudo e profunda análise de tão importante decisão, uma vez ser o representante do accionista único da empresa, o Estado. Mas entendo-a como necessária, devendo tomar parte activa em todo o processo, não deixando apenas, e só, ao gestor esse estudo e a tão grave quão problemática decisão. Verificar profundamente os estudos subjacentes à decisão. A Parpública não ficaria assim mais tranquila? E está tranquila? O processo de renovação da frota de uma companhia de transporte aéreo desenrola-se em função das suas necessidades efectivas, que as suas administrações vão aferindo, culminando com as eventuais aquisições, que sempre envolvem montantes astronómicos! Ora, que mal tem que tão avultada compra seja acompanhada na sua génese pelo dono da empresa e responsável último pelo seu pagamento? Obviamente que só há vantagens nisso para todas as partes bem intencionadas. Até para informar os contribuintes, se for necessário, pois eles serão na realidade, em último recurso, os pagadores. Não se deseja a discussão na praça pública das cláusulas dos contratos a assinar. Mas a comissão de acompanhamento faria muito bem em saber de tudo, começando pela análise dos estudos da viabilidade económica que sustentam a decisão, e por aí adiante.
3. Quero recordar um outro mega-negócio de renovação da frota da TAP que teve o seu epílogo em finais de 1996 (Ferreira Lima presidente da TAP e António Guterres 1º. ministro) após um longo e agitado processo, que remontou à anterior administração da transportadora aérea nacional presidida pelo engenheiro Santos Martins, e que deu origem a acusações de alegada corrupção envolvendo o então presidente, que entretanto foi substituído por António Guterres com a mudança política observada no contexto do País, sucedendo-lhe Ferreira Lima. Foi tudo muito desagradável e desprestigiante, já que a TAP nunca antes do 25 de Abril havia sido sequer tocada pela dúvida da existência de tais fenómenos (e a culpa não é da data, claro). Mas tudo lá passou, afinal. Até hoje. Sem se saber no que as coisas ficaram, como foi o negócio, os seus intermediários, se os houve, quem beneficiou e se a empresa foi prejudicada por acção ou por falta de acção.
4. E também recordo que já antes, em 1983, a Polícia Judiciária teve de intervir fortemente e os juízos de Instrução Criminal foram assoberbados com processos, tudo por causa das suspeitas da Judiciária sobre a atribuição de "luvas" aos negociadores envolvidos no mega-negócio da aquisição dos cinco Lockeeds para a TAP. Havia uma mensagem de telex enviada da Suíça, detectada pela Judiciária após buscas em Lisboa, que mencionavam a atribuição dessas "luvas", sendo que o telex também mencionava um membro do Governo da altura, que a comunicação social, que me lembre, nunca chegou a divulgar. As comissões atingiriam o valor total de 7% do valor do contrato (uma fortuna). Entrou-se na habitual fase dos desmentidos, das reacções conforme os interesses, etc, etc. A norte-americana Lockeed garantiu que não havia efectuado qualquer pagamento, etc. O habitual. Mas as coisas também ficaram para sempre em banho-maria ou em congelador.
5. Atendendo a que os actuais 10 aviões da TAP não são nenhuns "chaços", antes pelo contrário (os 4 Airbus-340 até são "super-poupados" em termos de combustível, de grande conforto e com óptimas características para exploração comercial, têm apenas 10 anos e são credores de óptima reputação técnica), eis algumas análises pertinentes que poderiam caber à proposta (e por mim desejada) comissão de acompanhamento: Quais as reais economias globais trazidas pela renovação da frota nas áreas da Manutenção e Engenharia (spares, rotáveis, equipamentos, formação, aumento da produtividade do pessoal, etc); e das Operações de Voo (formação, produtividade do pessoal navegante, etc); e do Pessoal de Terra (equipamentos, incremento da produtividade)? E os custos operacionais unitários da nova frota, fixos e variáveis, em que medida serão reduzidos? Atendendo ao tipo de tráfego da TAP, em que medida é que a nova frota contribuirá para melhorar o yield global da empresa? E vale a pena optar pela titularidade desta frota (aparentemente sim, por várias razões, sendo uma delas a valorização da própria empresa)? E a transparência e razoabilidade das taxa de juro negociadas, se tal aplicável? Haverá intermediários, "consultores", "lobbistas", etc. entre a Airbus ou Boeing e a TAP? Não os havendo, as margens do mega-negócio poderão ser potenciadas, desonerando custos. E tudo isto somado justificará a opção drástica de se proceder à sua renovação nesta amplitude (Portugal é dos europeus mais pobres, mas a TAP tem como ponto de honra possuir sempre a frota mais rica!)? Ora, responder a tudo isto é obra!
6. Pelo passado retira-se que tudo o que se relaciona com aquisição de aviões tem dado azo a polémicas por vezes pouco edificantes, pelo que é necessário que tudo seja límpido e claro. É o culminar do velho adágio: à mulher de César não basta ser séria, também tem de parecê-lo...
7. Por último, não me esqueço de pedir que os negociadores do nosso lado exijam aos futuros fornecedores as devidas contrapartidas para este mega-negócio, as quais poderão trazer grandes benefícios, por exemplo, à criação, definição e desenvolvimento da Indústria Aeronáutica e Aeroespacial portuguesas, entre muitos outros.
*Comandante sénior reformado da TAP, professor na Universidade Lusófona