2004-09-27

Será Sócrates a melhor opção?

[Artigo enviado em 2004-09-20 para publicação no Público. A fila de artigos sobre a campanha que o antecediam e os poucos dias para os publicar em tempo terá impedido a publicação]

Na eleição do secretário-geral do PS o que está em jogo é o regresso do partido ao Governo. Com forte probabilidade, daqui a dois anos, se José Sócrates ganhar. Ou bastante mais tarde se ele perder.
O que concita a atenção e o empenho dos socialistas e de muitos outros portugueses não é a função em si do secretário-geral mas a do futuro candidato a 1ºM, pese embora a norma estatutária que obriga formalmente a prévia decisão da Comissão Política Nacional do PS. É o mesmo equívoco – que poderia dar origem a estimulante debate teórico mas se encontra ultrapassado pela realidade dos últimos 20 anos – entre a legitimidade política-eleitoral e a legitimidade constitucional que se colocou com a nomeação na "secretaria" de Santana Lopes para Chefe do Governo.
A identificação do secretário-geral com o futuro candidato a 1ºM e a personalização das eleições para a Assembleia da República na figura do candidato a chefe do Governo vai também ao arrepio da norma, neste caso, da norma constitucional mas… "é a vida"!
É no contexto da situação política nacional, caracterizado pela zanga dos eleitores com o Governo, bem explícita nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, que a disputa interna e personalizada no PS ganha relevo no país e apela à responsabilidade cívica dos seus filiados.
Sócrates apresenta um bom programa muito próximo aliás, de qualquer dos outros nos objectivos e preocupações de coesão social e das garantias sociais dos Portugueses mas que sublinha mais e melhor a necessidade vital do desenvolvimento sustentável do país no contexto dos novos desafios colocados pelo mundo globalizado.
Sem dúvida que sou sensível ao discurso emotivo de Manuel Alegre. Não é impunemente que vivemos o mesmo mundo e enfrentámos, cada um a seu modo, a ditadura. Sou sensível ao passado do resistente, ao prestígio do político e à obra do homem de cultura que ele é. Mas não se pode deixar de constatar o desajustamento à realidade para que apontam algumas propostas e sinais do seu discurso.
Sem dúvida que a candidatura de Manuel Alegre juntando-se à de João Soares numa oposição vigorosa à candidatura de José Sócrates está a "agitar as águas". A multiplicidade de candidaturas, proporcionando uma vigorosa disputa, despertou o PS e convocará milhares dos seus membros para uma participação activa. Pelo civismo com que têm decorrido, onde os ataques pessoais tem tido pouca expressão face ao confronto de ideias, pela projecção nacional e o seu ineditismo, esta campanha eleitoral no PS não deixará de ser um case study e desde já um salutar exemplo de civismo e democracia.
A controvérsia sobre o apoio que 95% do "aparelho" do PS dispensaria a Sócrates conduz-nos à génese das candidaturas.
João Soares é candidato desde Março. Manuel Alegre procura desvalorizar considerando-a, na sua origem, como uma mera candidatura contra Ferro Rodrigues. Parece, afinal, que não é bem assim. João Soares tem um "aparelho" próprio (não estou a atribuir qualquer conotação pejorativa a este "aparelho" no qual aliás tenho muitas e boas amizades a começar pela do candidato) constituído por um grupo largo de amigos que de longe em longe, ao longo de muitos anos, se juntam, confraternizam e apoiam as políticas do PS.
Manuel Alegre, mesmo que depois se tenha justamente entusiasmado, chega a candidato contra a sua vontade. Ele próprio explica que se quisesse tais labutas e alturas tinha-se candidatado 20 anos antes. E, com cativante ternura, diz que para tal passo também contribuiu a sua filha mais nova afoitando-o "ao combate da sua vida".
Custa-me a crer que a motivação de muitos dos ilustres apoiantes de Manuel Alegre e que julgo serem os principais responsáveis pelo seu tardio mas empolgante combate tenha sido um irreprimível pendor esquerdizante que os levaria a uma incontornável incompatibilidade ideológica com Sócrates, supostamente em perigoso desvio de direita.
Julgo que esse grupo não se sentindo bem representado por José Sócrates legítima e prosaicamente decidiu criar uma candidatura alternativa, lutar por um bom mas minoritário score eleitoral que garantisse, de acordo com o estatutário método de Hondt, um favorável posicionamento para discutir nas estruturas dirigentes, políticas e lugares.
Só que a dinâmica eleitoral impondo a necessidade de diferenciação conduziu a uma retórica "esquerdizante" que talvez não estivesse prevista à partida.
Resta, sobre a génese das candidaturas, descobrir o mistério que levou "95% do aparelho" a "entronizar" José Sócrates. Salvo investigação mais apurada julgo estar em situação de poder levantar, pouco que seja, a ponta do véu que dá ao caso tão excitante frisson.
Quando a situação de Ferro Rodrigues se fragilizou muitos socialistas e muitos outros portugueses interrogaram-se sobre o futuro da liderança do PS. Conversei muitas vezes sobre isto com os meus amigos. Até no café onde a bica nos amplia a sensação de maiores poderes. E isto passava-se comigo que era um "ferrista" de primeira hora! E que defendi eleições para a AR, com Ferro Rodrigues à frente do PS, por razões de princípio, quando Durão fugiu às suas responsabilidades e se refugiou em Bruxelas. Fi-lo publicamente, não com a notoriedade dos jornais mas, como se pode verificar, em puxapalavra.blogspot.com, num blog que compartilho com amigos.
Pois quando Ferro Rodrigues decidiu abandonar o cargo de secretário-geral a minha escolha foi imediata. O mistério que me levou ao apoio a Sócrates tem uma história. Observei o seu desempenho enquanto Secretário de Estado e como Ministro do Ambiente. Aprovei orientações, apreciei a combatividade e a firmeza do governante.
Depois Sócrates, como aliás outros políticos, nomeadamente Manuel Maria Carrilho, mas este com menos sucesso, esteve exposto na TV. E a TV tanto pode prestigiar e "fazer" políticos como pode matá-los. Também aí avaliei positivamente as prestações de José Sócrates. Pelas ideias, pelo denodo na sua defesa e também pela sua capacidade de comunicação.
Claro que havia outras pessoas usufruindo de largo consenso das quais as mais óbvias eram António Vitorino e Jorge Coelho. Mas foi Sócrates que se candidatou!…
Que se terá passado com o "aparelho" do PS? Se estamos a falar das suas estruturas, os órgãos de direcção nacionais, das federações, das concelhias, das secções, todos eles eleitos, se ainda lhes juntarmos os eleitos do PS nas autarquias, na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu então estamos a falar de parte essencial do corpo e da alma do PS. Se grande parte destes quadros políticos manifestou imediato apoio a José Sócrates não abriria a boca de espanto se tivessem chegado às mesmas conclusões que eu. Por idênticos caminhos.
Conhecidas as moções, os discursos e os apoios é incontornável a semelhança das grandes linhas programáticas. Estranho seria que assim não fosse. Por isso as opções vão recair principalmente na capacidade de liderança dos candidatos. Na capacidade de unir e mobilizar o PS e de ganhar a maioria dos Portugueses nos combates políticos e eleitorais que se avizinham para derrotar a direita.
E, na minha opinião, José Sócrates é, para tal desiderato, indubitavelmente a melhor opção.
Raimundo Narciso
Apoiante de José Sócrates

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