Artigo de José Castro Caldas, no Público de 17 Junho 2013
"Com as intervenções da troika, uma parte importante da dívida grega e
portuguesa passou de mãos dos credores privados, internos e externos, para a de
credores oficiais - o FMI, o BCE e os fundos da União Europeia. Para isso
serviram os resgates: para transferir dívida pública tóxica do sector privado
para o sector público."
"Quem agora o reconhece, com a mais desavergonhada candura, é o FMI no
relatório sobre a Grécia que recentemente veio a público: "Uma
reestruturação à partida teria sido melhor para a Grécia, apesar de isto não
ser aceitável pelos parceiros do euro. Uma reestruturação atrasada também criou
a janela para os credores privados reduzirem a sua exposição e mudarem a dívida
para as mãos de credores oficiais (FMI, BCE e instrumentos europeus). Esta
mudança ocorreu numa escala significativa e limitou um bail in (resgate
envolvendo os detentores de títulos de dívida)... deixando os contribuintes e
os Estados com a responsabilidade de pagar".
"Compreende-se assim que, "à partida", os banqueiros não quisessem
nada com a reestruturação da dívida. "Temos de evitar a reestruturação
da dívida o mais possível porque se fizermos perder dinheiro àqueles que nos
emprestaram dinheiro, esses não vão voltar a emprestar outra vez",
disse José Maria Ricciardi [um dos donos do BES],
segundo o jornal Sol, no dia 27 de Dezembro de 2011.
E compreende-se também que a opinião agora comece a mudar. "Se até
2014 a economia não crescer, vai ser necessário reestruturar a dívida",
disse o mesmo Ricciardi em entrevista ao Jornal de Negócios na semana
passada.
Não era difícil perceber o que devia ser feito em 2010 na Grécia e em 2011
em Portugal - Grécia e Portugal deviam ter desencadeado uma renegociação da
dívida tendente à sua reestruturação. Mas a reestruturação atempada da dívida teria feito
"perder dinheiro àqueles que nos emprestaram dinheiro" e
isso era inaceitável para quem condicionava e acabou por determinar as decisões
políticas do momento - os bancos e os fundos de investimento.
A situação agora é outra. Agora, perante os resultados da austeridade,
interessa aos banqueiros garantir a cobrança de alguma coisa antes que as
vítimas da austeridade se tornem incapazes de pagar o que quer que seja. Por
isso falam de reestruturação da dívida.
Será que isso significa que a renegociação da dívida e a sua reestruturação
já não interessa aos povos da Grécia e de Portugal? É claro que interessa. Só a
renegociação, acompanhada de uma moratória, e a reestruturação, com anulação de
uma parte do valor da dívida, redução das taxas de juro e alongamento das
maturidades, pode reduzir o peso dos juros na despesa pública, evitar o colapso
da provisão pública de bens e serviços e libertar recursos para o investimento
e a criação de emprego.
Mas a reestruturação de que Portugal e a Grécia precisam não é a dos
credores. Aos credores interessa aliviar o fardo para que o "animal"
continue a ser capaz de puxar a carroça. Aos povos grego e português interessa
alijar a carga para caminhar em frente, sem condições impostas pelos credores.
A renegociação tendente à reestruturação da dívida de que precisamos tem de
ser conduzida em nome do interesse nacional, contra o interesse dos grandes
credores e salvaguardando os pequenos aforradores. O Estado português tem de
tomar a iniciativa e conduzir todo o processo.
Mas o Governo português, o Presidente da República e a maioria dos deputados
da Assembleia da República fingem não perceber. Estão sentados à espera que os
credores mandem. Em contrapartida, cresce na sociedade a compreensão da
necessidade de agir.
A Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida (IAC), que desde a sua
fundação em Dezembro de 2011 tem vindo a conhecer e dar a conhecer a dívida
pública (ver o relatório "Conhecer a dívida para sair da armadilha"),
lançou, em conjunto com outras organizações, a campanha Pobreza não paga a
dívida: renegociação já!
Responde esta campanha à necessidade sentida pela IAC de complementar o
trabalho de estudo e análise da dívida pública, que prosseguirá, com mais
debate público sobre as causas e as consequências da dívida e mobilização pela
sua renegociação com a participação dos cidadãos.
A campanha envolve uma petição dirigida à Assembleia da República,
instando-a a pronunciar-se pela abertura urgente de um processo de renegociação
da dívida pública, pela criação de uma entidade para acompanhar a auditoria à
dívida pública e o seu processo de renegociação e pela garantia de que nestes
processos existe isenção de procedimentos, rigor e competência técnicas,
participação cidadã qualificada e condições de exercício do direito à
informação de todos os cidadãos e cidadãs.
"Trata-se de fazer ouvir em S. Bento uma opinião e uma vontade que
acreditamos ser maioritária na sociedade portuguesa.
"É certo que quando tudo está a arder uma petição parece pouco. No entanto,
com um número pouco usual de assinaturas, a petição terá força. Confrontando os
membros da Assembleia da República com as suas responsabilidades, poderá
acordá-los para a necessidade de não fazer o que os credores querem."
A petição pode ser subscrita online aqui: «Pobreza não paga a Dívida: Renegociação já!»
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