2011-04-18

Explicar o BCE na esplanada do café

A Primavera esmerou-se. Um sol agradável acariciava-nos na esplanada do café à beira da minha porta. A chegada do Senhor Antunes, o mais popular dos meus vizinhos, deu ensejo a uma lição sobre Europas e finanças a nós todos que disto pouco ou nada percebemos.
- Oh Sô Antunes explique lá isso do Banco Central Europeu, aqui à rapaziada do Café!
- Então vá, vá lá, só por esta vez. O BCE é o banco central dos Estados da União Europeia, como é o caso de Portugal.
- E donde veio o dinheiro do BCE?
- O capital social, o dinheiro do BCE, é dinheiro de nós todos, cidadãos da UE, na proporção da riqueza de cada país. Assim à Alemanha correspondeu 20% do total. Os 17 países da UE que aderiram ao euro entraram no conjunto com 70% do capital social e os restantes 10 dos 27 Estados da UE contribuíram com 30%.
- E é muito, esse dinheiro?
- O capital social era 5,8 mil milhões de euros mas no fim do ano passado, em Dezembro de 2010, foi decidido fazer o 1º aumento de capital desde que há cerca de 12 anos o BCE foi criado, em três fases. No fim de 2010, no fim de 2011 e no fim de 2012 até elevar a 10,6 mil milhões o capital do banco.
- Então se o BCE é o banco destes Estados pode emprestar dinheiro a Portugal, não? Como qualquer banco pode emprestar dinheiro a um ou outro dos seus accionistas.
- Não, não pode.
- ??
- Porquê? Porque... porque, bem... são as regras.
- Então a quem pode o BCE emprestar dinheiro?
- A outros bancos, já se vê, a bancos alemães, bancos franceses ou portugueses.
- Ah percebo, então Portugal, ou a Alemanha, quando precisa de dinheiro emprestado não vai ao BCE, vai aos outros bancos que por sua vez vão ao BCE e tal.
- Pois.
- Mas para quê complicar? Não era melhor Portugal ou a Grécia ou a Alemanha irem directamente ao BCE?
- Não. Sim. Quer dizer... em certo sentido... mas assim os banqueiros não ganhavam nada nesse negócio!
- ??!!..
- Sim os bancos precisam de ganhar alguma coisinha. O BCE, de Maio a Dezembro de 2010, emprestou cerca de 72 mil milhões de euros a países do euro através de um conjunto de bancos XPTO, a 1% e esse conjunto de bancos XPTO emprestou ao Estado português e a outros Estados a 6 ou 7%.
- Mas isso assim é um “negócio da China”! Só para irem a Bruxelas buscar o dinheiro!
- Neste exemplo ganharam uns 3 ou 4 mil milhões de euros. E não têm de se deslocar a Bruxelas, nem precisam de levantar o cu o rabo da cadeira. E qual Bruxelas qual carapuça. A sede do BCE é na Alemanha, em Frankfurt, onde é que havia de ser?
- Mas então isso é um verdadeiro roubo... com esse dinheiro escusava-se até de cortar nas pensões, no subsídio de desemprego ou de nos tirarem o 13º mês, que já dizem que vão tirar...
- Mas, oh seu Zé, você tem de perceber que os bancos têm de ganhar bem, senão como é que podiam pagar os dividendos aos accionistas e aqueles ordenados aos administradores que são gente muito especializada.
- Mas quem é que manda no BCE e permite um escândalo destes?
- Mandam os governos dos países da UE. A Alemanha em primeiro lugar que é o país mais rico, a França, Portugal e os outros países.
- Deixa ver se percebo. Então os Governos dão o nosso dinheiro ao BCE para eles emprestarem aos bancos a 1% para depois estes emprestarem a 5 e a 7% aos Governos donos do BCE?
- Não é bem assim. Como a Alemanha é rica e pode pagar bem as dívidas, os bancos levam só uns 2%, ou 1% e às vezes até um juro negativo. A nós ou à Grécia ou à Irlanda que estamos de corda na garganta e a quem é mais arriscado emprestar é que levam juros a 6%, a 7 ou mais.
- Nós somos os donos do dinheiro e nós não podemos pedir ao nosso banco…
- Nós, nós, qual nós? O país, Portugal ou a Alemanha, é composto por gentinha vulgar e por pessoas importantes que dão emprego e tal. Você quer comparar um borra-botas qualquer que ganha 400 ou 600 euros por mês ou um calaceiro que anda para aí desempregado com um grande accionista que recebe 5 ou 10 milhões de euros de dividendos por ano, ou com um administrador duma grande empresa ou de um banco que ganha, com os prémios a que tem direito, uns 50, 100, ou 200 mil euros por mês. Não se pode comparar.
- Mas e os nossos governos aceitam uma coisa dessas?
- Os nossos governos, os nossos governos... mas o que é que os governos podem fazer? Por um lado são na maior parte amigos dos banqueiros ou estão à espera dos seus favores, de um empregozito razoável quando lhes faltarem os votos. Em resumo, não podem fazer nada, senão quem é que os apoiava?
- Mas oh que porra de gaita então eles não estão lá eleitos por nós?
- Em certo sentido sim, é claro, mas depois... quem tem a massa é que manda. Não está a ver isto da maior crise mundial de há um século para cá? Essa coisa a que chamam sistema financeiro que transformou o mundo da finança num casino mundial como os casinos nunca tinham visto nem suspeitavam e que iam levando os EUA e a Europa à beira da ruína? É claro, essas pessoas importantes levaram o dinheiro para casa e deixaram a gentinha que tinha metido o dinheiro nos bancos e nos fundos a ver navios. Os governos então, nos EUA e cá na Europa, para evitar a ruína dos bancos tiveram que repor o dinheiro.
- E onde o foram buscar?
- Onde havia de ser!? Aos impostos, aos ordenados, às pensões. Donde é que havia de vir o dinheiro do Estado.
- Mas meteram os responsáveis na cadeia.
- Na cadeia? Que disparate. Então se eles é que fizeram a coisa, engenharias financeiras sofisticadíssimas, só eles é que sabem aplicar o remédio, só eles é que podem arrumar a casa. É claro que alguns mais comprometidos, como Raymond McDaniel, que era o presidente da Moody's, uma dessas agências de rathing que  classificaram a credibilidade de Portugal para pagar a dívida como lixo e atiraram com o país ao tapete, foram passados à reforma. O Sr. McDaniel é uma pessoa importante, levou uma indemnização de 10 milhões de dólares a que tinha direito.
- Oh Sô Antunes, então como é? Comemos e calamos?
- Isso já não é comigo, eu só estou a explicar.

2011-04-15

A inauguração da exposição do Aljube



Jaime Gama, presidente da AR, Mário Soares, em representação da FMS, António Costa, presidente da CML, Fernando Rosas do Instituto de História Contemporânea da UNL e Raimundo Narciso do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória (NAM) usaram da palavra, perante cerca de duzentos pessoas entre elas deputados e outras altas indidualidades do Estado e da sociedade civil, como Vasco Lourenço em representação da A25A ou Corregedor da Fonseca pela URAP. Seguiu-se uma visita guiada à exposição.
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Intervenção do presidente da direcção do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória (NAM):

Em nome do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória quero agradecer a vossa presença e sublinhar quão ela revela a importância simbólica atribuída a esta exposição que exalta os valores da liberdade e da democracia e presta homenagem àqueles portugueses que, sem esperarem benefícios empenharam liberdade e por vezes a vida, na luta por elas.

A Exposição A Voz das Vítimas teve o apoio decisivo da Comissão Nacional das Comemorações do Centenário da República e da Câmara Municipal de Lisboa, contou com o apoio de outras entidades públicas e privadas e com a colaboração da RTP e do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Não queria, no entanto, deixar de sublinhar que o êxito desta singular exposição só foi possível com a colaboração e o empenho pessoal do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. António Costa e da Srª vereadora da Cultura, Drª Catarina Vaz Pinto.
A participação do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória nesta exposição decorre do objecto para que foi criado e que é “a salvaguarda, investigação e divulgação da memória da resistência à ditadura e da liberdade conquistada em 25 de Abril de 1974”.
A preservação da memória colectiva é fundamental para garantir a nossa identidade como povo e nação. É nosso dever dar testemunho às novas gerações do que fizemos de melhor ou dos erros cometidos, assim como da determinação e por vezes do heroísmo, de que fomos capazes para os vencer.
Ao contrário de muitos outros países europeus que valorizaram o seu património de luta pela liberdade, a democracia e a paz o Estado português e a sociedade civil, salvo raras excepções, como o ilustra o caso presente, não têm feito o necessário para preservar a memória da luta dos portugueses no período negro que representou a ditadura que durante quase meio século afastou Portugal, da senda do progresso, dos caminhos da liberdade e conduziu guerras criminosas contra os povos das então colónias que aspiravam à independência.
O Movimento Não Apaguem a Memória, teve origem em 5 de Outubro de 2005, num protesto público pela não preservação da antiga sede da PIDE/DGS, em Lisboa.
Um momento importante do voluntariado de todos os que integram o nosso Movimento, foi a aprovação em 2008 pela Assembleia da República, com a unanimidade dos deputados, de uma Resolução Parlamentar na sequência de uma petição com mais de 6 mil assinaturas. Nessa Resolução Parlamentar afirma-se que “A Assembleia da República resolve recomendar ao Governo que crie condições efectivas, incluindo financeiras, que tornem possível a concretização de projectos designadamente a criação de um museu da liberdade e da resistência, cuja sede deve situar-se no centro histórico de Lisboa  precisamente aqui, no Aljube.

Este objectivo concreto, foi entretanto adquirido. Será esse o seu destino após esta exposição. O Movimento Cívico Não Apaguem a Memória empenhou-se nesse objectivo e assinou com a CML, precisamente em 25 de Abril de 2009, um protocolo nesse sentido. Para o seu êxito contribuiu além do Dr. António Costa o apoio do então ministro da Justiça, Dr. Alberto Costa que se disponibilizou para transferir os serviços do seu ministério que ocupavam este edifício e para o entregar à CML para esse fim.

Outro momento importante da curta vida do nosso Movimento é este, ao inaugurarmos uma exposição que presta homenagem aos muitos milhares de portugueses que,   ao longo da ditadura do Estado Novo,  tiveram de pagar um alto preço pela determinação e coragem   de lutar pela liberdade e por um Portugal melhor para todos os Portugueses. Essa luta pertinaz,   durante tantos anos, ajudou a abrir caminho para o levantamento militar dos gloriosos capitães de Abril, em 1974, aqui representados pela Associação 25 de Abril e o seu presidente coronel Vasco Lourenço.  A Liberdade e a democracia são conquistas consolidadas, mas uma sociedade mais igualitária e mais justa continua a ser um objectivo bem na ordem do dia.
A todos, convidados ilustres e companheiros do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória 
Obrigado pela vossa atenção.

A Voz das Vítimas

É o nome da exposição que se inaugura hoje, dia 14 de ABril de 2011, às 18 h, na antiga prisão política do Aljube (ao lado da Sé de Lisboa). Entrada livre. Mais informações aqui  aqui, ou aqui.
A seguir uma contribuição do Movimento Não Apaguem a Memória para o catálogo da exposição:


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A exposição A Voz das Vítimas é um caso exemplar de evocação da memória da luta pela liberdade levada a cabo por muitos portugueses, de todas as condições e de diferentes credos políticos e religiosos, contra a ditadura do Estado Novo que vigorou de 1926 a 1974.
A ditadura, longa de várias gerações, tentou apagar da vida dos Portugueses e em parte conseguiu, a herança e a Memória das conquistas progressistas da Revolução Republicana iniciada em 5 de Outubro de 1910, conquistas vanguardistas na Europa de então. Tentou e em parte conseguiu apagar da memória colectiva a luta multifacetada, pelas formas assumidas e pelas ideologias presentes, que ao longo de toda a sua existência contra ela se ergueu.
O Movimento Não Apaguem a Memória (NAM) que participa com o Instituto de História Contemporânea da FCSH da Universidade Nova de Lisboa e com a Fundação Mário Soares nesta exposição, teve origem em 2005, precisamente no dia 5 de Outubro, o dia da República, momento em que um grupo de cidadãos se manifestou junto da antiga sede da polícia política, a PIDE/DGS, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, em protesto contra a transformação daquela sede num condomínio privado de luxo riscando-se assim, da cidade e da Memória, o mais emblemático testemunho do terror que reinou durante meio século em Portugal, sem a preservação de qualquer testemunho da sua história recente.
O NAM conta na sua curta história de cinco anos, algumas conquistas significativas mercê do empenho desinteressado de muitos activistas.
A primeira iniciativa de grande vulto do NAM foi uma petição ao Parlamento, com mais de 6000 assinaturas, entregue em 2006.07.26 pelo ex-Presidente da República, Mário Soares, para vincular “os poderes públicos, à preservação da memória dos combates pela democracia e pela liberdade travados durante a resistência à ditadura do chamado Estado Novo”.
Conduzido pelo Deputado Marques Júnior, um capitão de Abril, o projecto de Resolução Parlamentar teve o apoio de todos os deputados e deu origem à Resolução da Assembleia da República nº 24/2008, aprovada em 6 de Junho desse ano e que leva o título “Divulgação às futuras gerações dos combates pela liberdade na resistência à ditadura e pela democracia”

Um dos principais objectivos do NAM foi a transformação da antiga cadeia do Aljube, em Lisboa, num museu da luta pela liberdade. É um objectivo que está em vias de se realizar e terá início após terminada a exposição “A Voz das Vítimas”. Ele teve o apoio do ministro da Justiça de então, Alberto Costa, que se prontificou a transferir os serviços do seu ministério ali instalados e teve o apoio do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), António Costa que “assumiu a posse do edifício para aí instalar o futuro museu como consta no protocolo assinado em 25 de Abril de 2009 pelo NAM e a CML.

O NAM conseguiu que na fachada do condomínio privado edificado no local da ex-sede da PIDE ficasse a placa alusiva ao assassinato pela polícia política de quatro cidadãos que participavam, no local, numa manifestação pacífica no dia da libertação do país, em 25 de Abril de 1974 e que a CML identificasse o local como o da ex-sede daquela polícia, o que foi feito com uma sinalização, em bronze, junto do edifício, numa manifestação pública, em 25 de Abril de 2010, com a participação do presidente da CML.

Outro objectivo central do NAM é criar nas imediações do local da antiga sede da antiga polícia política um memorial às suas vítimas. Decorrem neste momento contactos com a CML e com artistas que apoiam o NAM, com esse objectivo.

Entre as iniciativas levadas a acabo pelo NAM merecem particular destaque
• a realização do colóquio internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal “Tarrafal uma prisão dois continentes” em Outubro de 2008. O Colóquio, realizado num auditório do Parlamento, contou com o apoio e a participação do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, e do ministro da Justiça, Alberto Costa e teve a participação de ex-presos políticos portugueses, e das antigas colónias de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e de Angola.
• E a participação no Simpósio Internacional sobre o campo de concentração do Tarrafal, realizado no próprio local do campo, sob o alto patrocínio do Presidente da República de Cabo Verde, de 28 de Abril a 1 de Maio de 2009.

A exposição A Voz das Vítimas constituirá um momento de grande relevo no esforço de preservação da Memória da luta pela Liberdade e representará, seguramente, um forte estímulo para a expansão dos objectivos do nosso Movimento.

Raimundo Narciso
(Presidente da Direcção do NAM)