O espectro de uma bomba nuclear atemoriza árabes e israelitas sem distinção, mas são os Estados Unidos e Israel a força motriz por trás dos esforços para travar as ambições nucleares do Irão. O triângulo América-Irão-Israel é onde está a chave do problema e onde pode residir a sua solução.
Embora a revolução islâmica do ayatoilah Khomeini, em 1979, tenha desfeito a velha aliança de Israel com o Irão, os dois países continuaram a fazer negócios com a bênção americana. O caso Irão-Contras dos anos 1980, quando Israel fornecia anuas à República Islâmica na sua guerra com o Iraque, é um exemplo. Israel e o Irão, duas potências não-árabes num ambiente árabe hostil, partilhavam interesses fundamentais que a revolução islâmica não podia alterar.
Foi durante o governo de Yitzhak Rabin, no início dos anos 1990, que Israel e o Irão entraram em conflito aberto, devido a uma mudança de estratégica regional após a vitória da América na guerra do Golfo de 1991 e do colapso da União Soviética.
O processo de paz israelo-árabe patrocinado pelos EUA resultou numa série de extraordinários progressos - a Conferência de Paz de Madrid, os Acordos de Oslo, o tratado de paz de Israel com a Jordânia e a sua quase reaproximação à Síria, e ainda a entrada de Israel em Estados árabes, de Marrocos ao Qatar - que se tornaram no pior pesadelo de um Irão cada vez mais isolado.
Foi nesta encruzilhada que Israel e o Irão, duas potências aspirantes à supremacia num Médio Oriente em rápida mudança, decidiram colocar a sua competição estratégica em termos ideológicos. O conflito é agora entre Israel, um raio de democracia a lutar contra a expansão de um império obscurantista xiita, e um Irão que optou por proteger a sua revolução mobilizando as massas árabes em nome de valores islâmicos e contra os vis governantes que atraiçoaram os despojados palestinianos.
Mais um inimigo da reconciliação israelo-árabe do que propriamente de Israel, o recurso dos mullahs a um incendiário discurso antijudaico e pan-islâmico destina-se a pôr fim ao isolamento do Irão e a apresentar as suas ambições regionais de um modo atractivo às massas sunitas.
Num Médio Oriente árabe, o Irão é o inimigo natural; num mundo islâmico, o Irão é um potencial líder. Ironicamente, o Irão tem sido o principal apoiante da democracia árabe, porque a melhor maneira de prejudicar os actuais regimes é promover movimentos islamistas de base popular, como o Hezbollah no Líbano, a Irmandade Muçulmana no Egipto, o Hamas na Palestina e a maioria xiita no Iraque.
Yitzhak Rabia acreditava que a paz israelo-árabe poderia impedir um Irão nuclear, mas agora o seu pesadel6parece aproximar-se rapidamente. Como uma potência anti-statu quo, o Irão não procura capacidade nuclear para destruir Israel mas para ganhar prestígio e influência num ambiente hostil e como escudo no seu desafio à ordem mundial.
No entanto, Israel tem todas as razões para se inquietar porque um Irão nuclear vai destruir a promessa do sionismo de garantir um refúgio aos judeus o núcleo da própria estratégia israelita de “ambiguidade nuclear”
- e reforçará os seus inimigos por toda a região. Também provocaria uma incontrolável proliferação nuclear, com a Arábia Saudita e o Egipto a liderarem a corrida.
Um ataque militar às instalações nucleares do Irão é muito perigoso e os seus resultados incertos. E, por mais severas que sejam, as sanções económicas não farão o Irão ajoelhar-se. Também não é claro que a divisão na elite iraniana entre puristas revolucionários e aqueles com mentalidade de classe mercantil possa conduzir em breve a uma mudança de regime. Contudo, ser radical não significa, necessariamente, ser irracional, e o Irão revolucionário já deu frequentemente provas do seu pragmatismo.
Na equação americano-iraniana foram os Estados Unidos, não o Irão, a conduzir uma rígida diplomacia ideológica. O Irão apoiou os EUA durante a guerra do Golfo de 1991, mas ficou de fora da Conferência de Paz de Madrid. O Irão também apoiou a América na sua guerra para derrubar os taliban no Afeganistão. E quando as forças norte-americanas derrotaram o exército de Saddam Hussein na Primavera de 2003, os cercados iranianos propuseram uma grande negociação que colocaria todas os contenciosos na mesa, da questão nuclear a Israel, do Hezbollah ao Hamas. Os iranianos também prometeram deixar de obstruir o processo de paz israelo-árabe. Mas a intransigência dos neoconservadores - “Nós não falamos com o Diabo” - excluiu qualquer resposta pragmática à démarche iraniana.
O sentimento iraniano mudou quando toda a estratégia da América para o Médio Oriente naufragou, mas a grande negociação continua a ser a única saída viável para o impasse. Isto não se conseguirá, porém, através de um inevitável regime de imperfeitas sanções, ou pelo recurso da América à lógica da Guerra Fria com vista a quebrar a espinha do Irão arrastando-o para uma ruinosa corrida às armas.
A crescente influência regional do Irão não deriva das suas despesas militares, que são muito inferiores às dos seus inimigos, mas do seu desafio à América e a Israel através de um astuto uso de soft power.
Não há melhor maneira de esvaziar a estratégia regional do Irão de desestabilização do que uma ampla paz israelo-árabe acompanhada de maciços investimentos em desenvolvimento humano e seguida de um sistema internacional de paz e segurança num Médio Oriente livre de armas nucleares, incluindo Israel.
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* Ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel
PÚBLICO/Projectsyndicate
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