2007-06-08

Estalou a polémica. Ou talvez não.

O meu amigo João Tunes não tem razão nas considerações que faz aqui sobre a controversa instalação de um sistema “defensivo” anti-míssil pelos EUA em dois países da União Europeia, a República Checa e a Polónia. Esta é uma questão de grande relevância para a UE, mas ao contrário do que ele diz, nada tem a ver com a defesa daqueles países.É uma provocação dos EUA à Rússia com dois objectivos: diminuir a importância estratégica da panóplia nuclear russa ( o que está no direito dos EUA ou de qualquer potência. Aliás o direito é nestes casos uma estrita emanação do poder de cada um!) e o objectivo de dificultar a harmonização dos interesses da UE com os da Rússia em prejuízo de ambas.

Porque aceita a Europa tal situação? Por duas razões também. Por um lado os países membros têm como se sabe grande autonomia em termos de relações internacionais em especial se forem com os EUA. Por outro lado porque a Europa não tem defesa própria. Nem face à Rússia e menos ainda face aos EUA. Porque apesar de os tempos serem outros as armas nucleares russas e os respectivos vectores têm sobre os congéneres europeus grande superioridade. Por isso como na economia e em tudo o resto quando a Europa quer bater o pé a Washington na defesa dos seus interesses se a intransigência americana for total a Europa não pode fazer mais do que comer e calar.
Mas sigamos a argumentação do meu amigo João Tunes quando enfaticamente chama a atenção para o carácter meramente defensivo do escudo anti-míssil e mais, supostamente colocado ali naqueles países para a defesa deles.

1) O sistema de “defesa” anti-míssil não é um sistema meramente defensivo. Todo o sistema de desarmamento negociado anteriormente pelas então duas super-potências assentava no equilíbrio do terror. Nenhuma das super potências conseguia destruir a outra sem o risco de também ser destruída. Se uma das super-potências nucleares montar um sistema anti-míssel fica com a possibilidade de atingir a outra parte e não ser atingida por ela. É por isso tão “defensivo” como os mais ofensivos sistemas de mísseis!

Ninguém pode proibir, mesmo que com um excelente argumento moral uma potência, no caso os EUA, de adquirir essa superioridade bélica. Mas não pode ser levada a sério o patético fingimento de que se trata de uma pacífica e inofensiva medida de estrita defesa. É de facto uma medida que provoca tensão político-militar e que provocará uma corrida aos armamentos, por parte da Rússia, da China ou da Índia, na medida das suas capacidades.O escudo anti-míssil é um sistema para interceptar mísseis intercontinentais ou outros de longo alcance. É para interceptar vectores que sobem a elevadas altitudes e voam durante o tempo suficiente para serem interceptados por mísseis anti-mísseis.

2) O meu amigo João Tunes parte do princípio que a Administração W.Bush decidiu colocar um escudo anti-míssil na República Checa e na Polónia para defender estes países de um eventual ataque nuclear da Rússia. Mas não é isso que diz W. Bush. Ele diz que o sistema anti-míssil na Europa Oriental é para defender a Europa e os EUA de um ataque da Coreia do Norte e do Irão.Assim sendo, caro João Tunes gastaste em vão as tuas razões a defender aqueles países que na União Europeia não estão manifestamente sob o perigo de tutela russa. Lembra-te até que, mercê das transformações engendradas na antiga União Soviética foi esta com Gorbatchov, que facilitou a descolonização da Europa de Leste. Não foi nem a Europa nem os EUA que foram libertar a Polónia ou a República Checa!

O sistema "defensivo" anti-míssel não é – diz W. Bush sem se rir - para interceptar eventuais mísseis intercontinentais da Rússia. É os da Coreia do Norte e do Irão!! Porquê então em dois países do antigo bloco do Tratado de Varsóvia? Porque vítimas da síndrome anti- soviética naturalmente transferida para a Rússia são por razões históricas presas fáceis de nova satelização e prestam-se mais que outros e por baixo preço, a ser peões americanos na União Europeia.


3) Como ninguém pode levar a sério uma boutade destas: ataque da Coreia do Norte e do Irão!!! a União Europeia (os parceiros europeus da NATO) têm de fingir que sim senhor que se trata de um escudo contra a Coreia do Norte e contra o Irão. É uma afronta à inteligência e uma humilhação.

A Rússia protesta e ameaça retaliar (enfim agora um urso com menos garras) e alguns jornalistas europeus viciados no anti-sovietismo da guerra fria, lamentam e advertem Putin por, com os seus protestos, estar a ressuscitar a guerra fria. Não é Bush, é Putin “esse velho espia do KGB” que infelizmente pensa e não está ébrio como Ieltsin, o herói de Washington. Portanto a Rússia protesta, experimenta novos mísseis e a Europa pensa e com razão que ela poderá pensar na arma do petróleo e do gás de que a Europa precisa e virar-se preferencialmente para Oriente.
É difícil ter sol na eira e chuva no nabal. Claro que a UE sabe que Putin desconfiará de uma Europa que aceita alegremente o escudo anti-míssel de Bush e simultaneamente se espanta com o facto de a Rússia não agradecer. Cabe aqui com toda a pertinência o desabafo de Lord Crrington relatado por Filipe González num livro-entrevista conduzida por Juan Luís Cebrián (el futuro no es lo que era – Ed. Aguilar, 2001)Dizia Lorde Carrington para González « Ustedes e nosotros hemos sido países com impérios, e sabemos que a los impérios se les respecta porque se les teme. Pero estos americanos son mui raros. Son um império, pero además desean que les quieran»
A Europa tem de escolher entre uma situação de tensão com a Rússia contra os seus interesses por imposição dos EUA ou conversar com o seu poderoso aliado na NATO, os EUA, em pé, já não digo de igualdade que não pode, mas com menos subserviência.
A opção de aproximação à Rússia é do interesse desta e da União Europeia. Interesse económico e interesse político. O aprofundamento de parcerias é uma garantia para a evolução da Rússia no sentido da democracia e modernidade. Mas esse não é o interesse dos EUA que querem uma Rússia fraca e uma Europa que não seja um concorrente económico forte.

Quando o Tratado de Varsóvia fechou portas e os tanques soviéticos regressaram à Rússia Mitterrand e outros políticos europeus lembraram que agora (então) a NATO e as bases americanas na Europa já não faziam sentido. No entanto Richard Holbrooke, o subsecretário de Estado da administração Clinton para a Europa, lembrou que os interesses da América na Europa iam muito para além da sua aliança contra o comunismo.

2007-06-07

VISÃO - entrevista em 2007-06-06

Entrevista conduzida por Miguel Carvalho. Fotos de Luís Barra

Não diz Álvaro. Diz Cunhal. Nem sequer Álvaro Cunhal
Quem conhece o PCP, sabe que isso é a marca de um divórcio, a distância definitiva. Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via (edições Ambar) é a história de uma separação dolorosa, amarga, por vezes contada num tom azedo. Afinal, é o livro de um homem de 68 anos, com quase três décadas de PCP, ex-dirigente da ARA, a organização armada dos comunistas para minar o fascismo português. Afastado da política activa, militante do PS, gestor e consultor, avô babado, Raimundo Narciso ainda «puxa palavra» num blog com o mesmo nome. Puxemos agora pela conversa...
Porquê este livro após tantos anos e depois da morte de Álvaro Cunhal?
Publicá-lo em cima dos acontecimentos podia ser interpretado como vontade de intervir na vida do PC. Estava escrito há anos, apenas o retoquei. Foi mero acaso sair depois da morte do Cunhal. A decisão de publicar é anterior.


O que sentiu no dia em que ele morreu?
O funeral foi um acontecimento memorável, tendo em conta o que ele representa
para a história do PCP e do século XX. Mas não senti mais do que isso.
Descreve o PCP como um partido onde a iliteracia, o atraso cultural e a fé caracterizam os militantes. Quem lê, não acredita...
Era a realidade e hoje, creio, agravou-se. O PCP deve a sua imagem exterior favorável ao facto de parte da mais importante intelectualidade ter passado por lá. A maioria dos militantes é trabalhadora, operária, com poucos estudos. Não teve oportunidades nem frequentou grandes meios culturais. Daí o apego à fé, à crença e aos dogmas.
Como assistiu à segunda vaga de dissidência nos anos mais recentes?
Alguns, como o Carlos Brito, tinham posições distintas da direcção. Edgar Correia e Carlos Figueira foram surpresas. Houve quem nos deixasse de falar e, posteriormente, fizesse nova aproximação. Mas não faço juízos: cada um tem o seu momento.
Escreve que o MDP/CDE era o purgatório dos que, na prisão, não resistiam às torturas e não guardaram os segredos do partido...
Antes do 25 de Abril, era uma frente onde o PCP já tinha um papel determinante, apesar dos independentes. Depois, quem não resistiu às torturas, mas conservava os ideais era encaminhado para o MDP, para se redimir dos «pecados. Esta forma rigorosa de avaliar comportamentos foi transitória. Seria injusto dizer que o MDP foi só isso.Por ele passaram pessoas de elevada craveira como José Manuel Tengarrinha.
Onde começa e acaba a intenção de mudar o PCP e depois... mudar-se do PCP?
Antes de 1987, ano em que as coisas se precipitaram, já havia dúvidas e críticas. Mas sem questionar o essencial. No confronto com o centralismo democrático, a «terceira via» verificou que o sistema só era democrático para quem estava de acordo com a linha oficial. O PCP já era incapaz de dar resposta aos novos fenómenos da sociedade.
Só reparou nos males antes de sair?
Havia muitos traços negativos, mas a nossa fé no destino final radioso levava-nos a secundarizar e relativizar.
Insinua que Vítor Dias e Rúben de Carvalho também partilhavam algumas críticas, mas fugiam ao primeiro sinal de perigo...
Havia gente destacada com uma capacidade de análise importante. Esses dois, mas também Luís Sá, Domingos Lopes... Tinham idênticas preocupações a nível nacional e internacional. A dada altura, nós quisemos aprofundar a crítica e clarificar posições. Outros não, como Vítor Dias e Rúben.
Diz que hoje o PCP representa um comunismo de sociedade recreativa...
É uma ironia. Face a uma realidade tão diferente daquilo que o PCP imaginava, o partido tem doutrinas para um mundo que não existe.
Como é que o PCP ajudou o PRD?
Cunhal disse em público que havia um espaço político vazio entre o PS e o PCP Quando algumas pessoas se decidiram a criar o PRD, o PCP mostrou-se disposto a ajudar. Incentivaram-se alguns militantes e simpatizantes a dar apoio ao partido do general Eanes. Constava, na altura, que militantes menos conhecidos teriam ingressado no PRD. Mas o PRD não é uma criação do PCP.
E «Os Verdes», como nascem?
Foi criado por militantes de confiança capazes de guardar um segredo. É uma pequenina sucursal do PCP. Matou-se à nascença um partido ecologista que nunca fez o teste de ir a votos por sua conta e risco.
Como olha para a CGTP, hoje?
Mostra ter uma capacidade de reagir às questões de uma forma mais actualizada, sobretudo Carvalho da Silva. Mas é estritamente controlada pelo PCP.
Diz que o PCP é um partido com convicções fora de tempo, mas critica os partidos que não sabem para onde vão. Está a falar do PS?
No PS, as referências, os ideais e objectivos são menos visíveis. Por vezes, é bom, mas acaba por não se perceber se há mais objectivos do que os nossos interesses imediatos. Mas o PS tem grande liberdade interna.
No livro fala de espionagem dentro do PCP...
O PCP foi muito perseguido pela ditadura. Fazia sentido estar alerta nos primeiros tempos de democracia, hoje já não.
Mas descreve um ambiente quase pidesco...
Havia um espírito de autodefesa, persecutório e pidesco, sim. Aconteceu com Zita
Seabra e alguns de nós, da «terceira via». Até aí considerávamos legítimos os procedimentos, quase uma exigência. O PCP preocupou-se sempre com o comportamento moral dos seus quadros.
Casamentos e divórcios incluídos?
O partido não se metia no casa e descasa, mas com as infidelidades era diferente. Se fossem notadas, as pessoas eram chamadas, não só por causa de um certo código moral, mas também devido à necessidade de preservar a imagem exterior do partido. Mas esta relação com as pessoas era também fraternal. Ajudava camaradas a solucionar problemas económicos, sociais, psicológicos. Era parecido com a relação que temos com os filhos: se os abraçamos com muita força eles sentem necessidade de nos empurrar. Se não o fazemos, ficam carentes.
Como vê a escolha do seu amigo Pina Moura para administrador da Media Capital?
Os espanhóis não são parvos! Escolheram um bom gestor. As leituras que foram feitas sobre uma alegada tentativa de controlo da TVI através dele e do PS são paroquiais e provincianas. As Prisas, as Iberdrolas, as PT’s e as EDP’s são constituídas por capitais de todo o mundo, esses é que mandam. Já Marx tinha explicado que o capital internacional é igual em todo o lado...
Costuma citar Marx muitas vezes?
Nem agora nem antes. O marxismo faz tanto sentido hoje como a Geometria de Euclides. Amiúde reparei que os capitalistas utilizaram Marx melhor do que os comunistas.
Mário Lino, seu camarada da «terceira via», passa por um momento menos bom...
O momento difícil que atravessa deriva da forma como hoje se olha para a política. A Comunicação Social é cada vez mais um negócio que não quer saber das realidades profundas...
Até parece o PCP a falar!
Mário Lino foi infeliz na afirmação, mas é capaz e competente. Só não é um político profissional. Não tem artifícios.
Este é, por vezes, um livro azedo e amargo...
Não foi intencional. Mas alguns factos são tão contundentes, desagradáveis e desqualificadores que não há bonomia de escrita que possa disfarçá-los. Não é um ajuste de contas. Escrevi um livro sobre a minha entrada para o PCP e agora escrevi sobre a saída.
Concorda que o Governo está a contribuir para um clima de intimidação no País?
Isso é uma invenção. Mas o caso concreto do funcionário da DREN é grave. A directora regional só tinha de penalizar o bufo que lhe foi fazer queixinhas e admoestá-lo. Não podemos valorizar os bufos.