2006-02-01

NOTÍCIAS DO BRASIL ( 1) Sobre a eleição presidencial

(A preto, 3 parágrafos mais abaixo, a continuação do texto do PuxaPalavra)
A Câmara dos Deputados aprovou no passado dia 25 de Janeiro a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que põe fim ao princípio da “verticalização” em matéria de coligações eleitorais, ou seja, revoga a regra jurídica que obrigava os partidos (ou legendas, como aqui muito apropriadamente também se denominam) a seguirem nos Estados as mesmas alianças acordadas a nível federal. A proposta, que já havia sido aprovada pelo Senado, carece, para ser promulgada, de ser aprovada numa segunda volta pela Câmara.

É, porém, juridicamente discutível se a medida, a ser definitivamente aprovada, como tudo indica que vai ser, é, à luz da Constituição, de aplicação imediata às próximas eleições ou se ela apenas poderá aplicar-se às eleições que ocorram um ano depois da sua aprovação. Se esta tese vingar, caso o assunto venha a ser judicialmente apreciado, como parece que vai ser, a medida agora aprovada já não se aplicaria às próximas eleições, marcadas para 1 de Outubro próximo, mas tão-somente às de 2010.

A regra da verticalização aplicou-se pela primeira vez nas eleições de 2002, por determinação do Superior Tribunal Eleitoral. Em teoria, ela favorece os grandes partidos, consolida e potencia o seu desenvolvimento e crescimento a nível nacional, e garante alianças políticas válidas em todo o país, sem dissidências locais. Ao contrário, desfavorece os pequenos partidos que, tendo de optar entre a aliança federal ou a estadual, correm o risco, se optarem pela primeira, de inviabilizar em muitos casos as melhores soluções ao nível estadual, ou, caso optem pela segunda, de retirarem as vantagens de uma coligação no plano federal; bem como aqueles que, não sendo dotados de grande coerência ideológica, têm vantagens em ficar com as mãos livres para negociar caso a caso as melhores condições. Daí que o PT (Partido dos Trabalhadores) e PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), adversários no Congresso e na vida política nacional, se tenham aliado para impedir o termo da verticalização, e os demais partidos, PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e PFL (Partido da Frente Liberal) incluídos, tenham votado em sentido contrário.

É opinião generalizada que o grande vencedor do fim da verticalização é o PMDB.

O PMDB é o partido do ex-Presidente da República José Sarney, do actual Presidente do Senado Renan Calheiros, de vários ministros do Governo Lula, de Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), mas também de Anthony Garotinho, ex-Governador do Estado do Rio de Janeiro e candidato à Presidência da República em 2002, de Germano Rigotto, Governador do Rio Grande do Sul, e de muitas outras influentes personalidades da vida política brasileira. O PMDB, tendo herdado a sua sigla do Movimento Democrático Brasileiro, movimento institucional de oposição tolerado pela ditadura, num Congresso bipartidário então dominado pelo partido do regime, Arena, é hoje o partido que melhor ilustra as peculiaridades da vida política brasileira. Com o fim da verticalização, o PMDB poderá apresentar um candidato à eleição presidencial, apoiar a reeleição do Presidente Lula em alguns Estados (se Lula se recandidatar, como em princípio fará) e apoiar noutros o candidato do PSDB. O PSDB acostumado a fazer jogo duplo – como actualmente faz, quando através da ala governista apoia Lula no Congresso e faz parte do Governo e pela ala não governista faz oposição ao Governo nos Estados onde governa – poderá agora fazer jogo triplo. Esta criatividade ideológica a que não estamos habituados nos climas temperados vai certamente ajudar o partido a eleger grandes bancadas tanto nos Estados, como na Câmara e no Senado. Bancadas que depois serão indispensáveis para assegurar a governabilidade, principescamente recompensada com cargos e verbas.

Beneficiado será também o PFL (herdeiro em grande medida da velha Arena), aliado do PSDB desde 1994 (primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso), que assim negociará com os tucanos (nome dado aos partidários do PSDB) a aliança num contexto com várias alternativas.

Curiosamente, Lula sai também vencedor do fim da verticalização. Lula que, contrariamente ao PT, saudou a aprovação da proposta, tendo inclusive dado instruções ao representante da “base aliada” na Câmara para votar favoravelmente a emenda, não somente assegura por esta via o apoio de aliados tradicionais como o PSB (Partido Socialista Brasileiro) e o PC do B (Partido Comunista do Brasil), como ainda fica livre para tentar acordos parcelares com o PMDB, o PL (Partido Liberal), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PP (Partido Progressista). A grande aposta de Lula em matéria de estratégia eleitoral parece cada mais ser uma aliança com o PMDB, em que o lugar de Vice-Presidente da República seria ocupado por um nome forte da “legenda”, como Nelson Jobim ou Renan Calheiros ou, não podendo ir tão longe, uma aliança que, no mínimo, lhe assegure alguns “palanques”no maior número possível de Estados. Desfavoráveis a esta aliança serão os sectores do PMDB da ala não governista que aspiram apresentar uma candidatura própria, como parece ser o caso de Garotinho (hoje mais desgastado que há 4 anos e já sem o apoio dos evangélicos) e de Rigotto. Não é porém aconselhável fazer previsões nesta matéria, pois tudo pode acontecer. Pode até acontecer que o PMDB apresente uma candidatura própria com um nome da ala governista – Nelson Jobim. Tudo vai depender do resultado de uma criteriosa análise das vantagens e desvantagens a que a direcção do PMDB se vai dedicar nos tempos mais próximos.

Finalmente, o PSDB, que preferia abertamente a verticalização, vai ter que preparar-se para sofrer as investidas do PFL, tradicional aliado, agora com muita mais margem de manobra para fazer exigências. E este será um problema, a somar a vários outros, que o PSDB vai ter que resolver em matéria de eleição presidencial. De facto, embora o líder incontestado da oposição seja FHC, não apenas pela sua grande experiência política, mas também pela sua extraordinária craveira intelectual, a verdade é que ele não tem condições para disputar as eleições presidenciais com Lula. A recordação do segundo mandato de FHC, marcado no imaginário eleitoral pela crise económica e cambial, e, principalmente, pela frustração de muitas expectativas das classes populares, retira-lhe ainda hoje qualquer hipótese de êxito numa campanha eleitoral. Mas candidatos são o que não falta ao PSBD. Além do Presidente do partido, Tasso Jereissati, senador e ex-Governador do Ceará, e do actual Governador de Minas Gerais, Aécio Neves, neto de Tancredo Neves, que, por força das circunstâncias se viram obrigados a auto-excluirem-se da corrida presidencial, o PSDB tem ainda dois fortes candidatos que abertamente concorrem entre si: Geraldo Alckmin, Governador do Estado de S. Paulo e José Serra, Prefeito da cidade de S. Paulo, ex-candidato presidencial derrotado por Lula em 2002 e ex-Ministro da Saúde de FHC. Aberta a corrida entre ambos, uma corrida que o “estado-maior” do PSDB, para este efeito composto por FHC, Tasso e Aécio, se esforça por, simultaneamente, desvalorizar e arbitrar, vai ser muito difícil, sem ressentimentos e principalmente sem prejuízos junto das forças aliadas encontrar uma solução que a todos agrade. O PFL já “fechou” com Serra na Bahia, pela mão do ainda todo-poderoso António Carlos Magalhães, para assegurar que os dois anos que faltam de mandato à frente do município S. Paulo (o terceiro maior orçamento da União) fiquem sob a responsabilidade do número dois de Serra, um homem do PFL. Por outro lado, o presidente do PFL para apoiar o PSDB na eleição presidencial exige o apoio do PSDB na eleição do Governador de S. Paulo, a que o PFL quer concorrer com o número dois de Alckmin.

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