2007-09-13

A PROPÓSITO... DISCUTAM-SE OS TRANSGÉNICOS !

Artigo de VICTOR LOURO, Engº Silvicultor, antigo deputado à AR, publicado esta semana no Público:
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"É curiosa a crispação de algumas entidades relativamente à acção desencadeada no Algarve contra o milho transgénico. O que leva essas pessoas a se preocuparem exclusivamente com uma das facetas da mesma, exactamente a do atentado à propriedade privada ?
A quantidade de tempo dedicado ao facto pela SIC; as “resmas” de texto elaboradas por Pacheco Pereira; as declarações ministeriais; e até os recados presidenciais, não condizem com aquilo que eu, cidadão comum, entendo da questão. Não está, para mim, em causa a questão do direito à propriedade privada: também sou proprietário, e mais do que isso, sou um cidadão que faz questão de respeitar a legalidade democrática.
Então não acreditamos que as autoridades competentes aí estão para desencadear as acções adequadas ? E achamos que o proprietário – lesado – não é capaz, por si só, de apresentar as devidas queixas ? Cremos, ou não, que o Estado de Direito é uma realidade e não precisa de muletas ? Acreditamos mesmo naquilo que se invoca, ou usa-se como alibi para esconder uma atitude paternalista, descrente das potencialidades e capacidades que dizemos existirem ?
Sei que a questão da propriedade da terra é das mais sensíveis da sociedade portuguesa. Mas não é isso que desejo abordar agora. Só o refiro para deixar claro que a minha posição não é tão naif como pode parecer.
O essencial, porém, é aquilo que motivou a acção de protesto: o recurso aos organismos geneticamente modificados (OGM), no caso o milho transgénico.
Não tenho qualquer razão para duvidar da legalidade da plantação, nem sou polícia. Nem tenho que questionar o direito do agricultor proprietário da plantação por ter feito essa escolha: tomou a opção dentro do quadro que a legalidade lhe oferecia, de acordo com os seus critérios de gestão.
O que me preocupa, isso sim, é o recurso aos OGM, mesmo que legal. Ou pior: porque é legal.
A questão dos OGM tem passado um tanto em claro na opinião pública portuguesa. E devemos perguntar-nos porque é que ela tem preocupado os povos, ou as élites de tantos países ? São todos diletantes, esses que pelo mundo fora se têm preocupado com isso ? Ou somos nós ignorantes, ao ponto de não nos preocuparmos ? Se – como os arautos da cruzada anti-acção não se cansam de sublinhar – não há unanimidade científica sobre os efeitos dos transgénicos, isso legitima que se avance, designadamente na concepção legislativa, sem discutir o assunto na Sociedade ? A apregoada capacidade decisória do Governo é motivo para escamotear os assuntos mais sensíveis da discussão pública ?
Haverá mesmo algum tema em relação ao qual as comunidades científicas sejam unânimes ? E mesmo que houvesse, será que os cidadãos comuns, exteriores às comunidades científicas, não têm uma palavra a dizer ? Quem elege os decisores ? Quem paga os impostos ?
Então, onde está a oportunidade para os cidadãos discutirem este problema ? Agora que ele está legislado, parece que tudo o que se disser ou fizer contra o avanço dos OGM será contra a lei ! Desculpem, mas essa, não !
Nestas observações não se pode, evidentemente, ver qualquer apologia do desrespeito da propriedade privada, ou mesmo das leis do País. Mas não é sabido que as leis são fruto dum ambiente e dum processo social ? São as leis imutáveis ? Quantas vezes o legislador se encosta à falta de conhecimento público para impôr soluções que doutro modo não passariam ? Não é esse, mesmo, um dos critérios para aferir a distância a que o Poder (em qualquer parte) se encontra da Sociedade ? Podemos servir-nos do alibi de que a “Europa” decidiu que não há inconveniente na utilização dos OGM dentro de determinadas condições, para justificar o teor da própria legislação nacional ? Se assim fosse, porque se estaria discutindo sobre a “Constituição Europeia” preparada nas costas dos cidadãos europeus ? Se assim fosse, porque se discutiriam as causas do afastamento dos cidadãos relativamente aos produtores das medidas políticas (legislativas e outras) ?
Aquilo que é legal não é indiscutível. Doutro modo as leis não evoluiriam.
E em Portugal assistimos, por exemplo, nas décadas de 80 e 90, a acções contra a eucaliptização indiscriminada, nem todas respeitadoras da legalidade instituída. No entanto, foi graças a tais acções (algumas também atentatórias da propriedade privada), que a eucaliptização selvagem foi sendo travada, dando origem a legislação mais atenta ao Bem Público. Mas nem nessa altura se viu a berraria a que temos assistido a propósito desta acção relativa ao milho transgénico !
Depois de o movimento social tornar os cidadãos mais conscientes da problemática dos OGM; e os cientistas terem de ter mais cuidado na expressão das “verdades científicas”: poderão os ministros dum Governo democrático serem tão categóricos nas afirmações de inofensividade desses OGM, ou aterem-se à mera questão do respeito da legalidade ? Ou não terão de vir ao encontro do pulsar da Sociedade, e entrarem positivamente no debate (que eles próprios deviam promover, ou, pelo menos, estimular; ou, no mínimo, aceitar democraticamente) ?
Custa-me ver, neste Portugal democrático, e pela acção de pessoas por quem tenho o maior respeito democrático, que os actores troquem os papeis, e, embora o reclamem, não deixem às polícias o que lhes compete, evitando interrogatórios ardilosos daqueles a quem convidam para “entrevistar”, por exemplo. O passado contra que lutei (tantos de nós lutaram, até provavelmente alguns desses que agora tomam essas atitudes) impõe-me o dever de não pactuar com novos denunciantes. E porque de certeza não lhes fico atrás nas preocupações sobre o reforço das condições democráticas, condeno aqueles que em momentos críticos, tendo junto da opinião pública a audiência que têm, não contribuem para o debate democrático, antes o enviesam – e é, para mim, tanto mais imperdoável, quanto mais inteligentes são esses personagens, e mais acesso têm à opinião pública.
É tempo para criar oportunidades de debater o problema que era a própria razão de ser da acção criticada: porque são perigosos os OGM ? Porque devemos todos envolver-nos nesse esclarecimento ? Qual a necessidade de fazer prevalecer o princípio da precaução ?
Depois de se dar a poluição genética das culturas tradicionais...será tarde: Inês é morta ! E o ensurdecedor silêncio oficial não ajuda – antes contraria – uma tomada de consciência esclarecida por parte dos cidadãos – e, também, dos próprios decisores, mesmo que sejam ministros. Em nome do desenvolvimento da Cidadania, gaste-se pelo menos tanto tempo quanto se tem gasto em torno deste caso, na polemização dos OGM: eu (já que não posso ousar falar pela Sociedade, porque não estou investido de tal mandato !) agradecerei, e creio que os nossos filhos também.
Se não, quem se ri são as Multinacionais – essas, sim, sem rosto ! – que vendem os OGM mais os pesticidas necessários para acompanhar as respectivas culturas, tudo à custa não apenas do bolso dos compradores, mas, pior, da Saúde Pública e do Ambiente que é de todos e não pode ser substituído por outra coisa qualquer.
Preocupemo-nos menos com quem paga as despesas dos activistas (lembram-se quando a PIDE invocava que os democratas recebiam dinheiro da Rússia ?...), e mais com a razão que lhes possa assistir na defesa dum Mundo melhor."